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Inovação aberta

7 min de leitura

Qual o resultado depois de 20 anos do conceito de inovação aberta?

Duas décadas de inovação aberta mostraram que as maiores barreiras à sua realização estão dentro, e não fora das organizações

Henry Chesbrough

22 de Janeiro

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Artigo Qual o resultado depois de 20 anos do conceito de inovação aberta?

Há 20 anos eu apresentei o conceito de inovação aberta em um artigo publicado por MIT Sloan Management Review. Passado esse tempo, qual o saldo? Vimos algumas empresas aproveitarem bem a ideia, ao mesmo tempo que outras enfrentaram dificuldades. Uma surpresa que tivemos ao observar as organizações ao longo do tempo foi que os maiores obstáculos ao sucesso da inovação aberta estavam dentro delas mesmas.

A inovação aberta se baseia na combinação colaborativa de fontes externas (como clientes, startups, plataformas de crowdsourcing e universidades, por exemplo) para a geração de ideias de novos produtos e serviços.

Definindo de forma mais exata, é um processo de inovação compartilhado, com o conhecimento se movendo entre as organizações, com motivações lucrativas ou não. Para inovar, é preciso que o conhecimento se desloque de sua origem para onde ele é necessário. É comum que isso se reflita na movimentação de pessoas que detêm esse conhecimento, para que, juntas, criem algo novo. Em outras situações, pode ser preciso montar novas estruturas e fluxos de trabalho para incentivar e organizar essa migração do conhecimento.

Para que a inovação aberta seja bem-sucedida, as organizações devem saber mobilizar e dar acesso a esse conteúdo entre todas as áreas, sejam elas funcionais, geográficas ou departamentais, mesmo compartimentadas, para que consigam desenhar, desenvolver e apresentar as novidades desejadas pelo consumidor.

Há muito o que comemorar sobre esses 20 anos de inovação aberta. Muitos estudos mostram que ela melhora o desempenho financeiro. Análises de dados obtidos da Community Innovation Survey identificaram que as organizações com maior número de fontes externas de conhecimento têm melhor desempenho em inovação, mantidos outros fatores.

Uma pesquisa com 125 grandes corporações também mostrou que a inovação aberta traz resultados superiores às que não fazem uso do conceito. Mesmo com essas demonstrações de sucesso, ainda há muito a ser feito. Para que a inovação aberta dê certo, não basta encontrar possíveis fontes úteis de conhecimento, acessá-las, negociar alternativas de cooperação entre elas, para então incorporar esse conteúdo a novos produtos e serviços inovadores.

Os entraves estão dentro da empresa

Estudos mais aprofundados dizem, na verdade, que as maiores dificuldades encontradas pelas organizações para usar a inovação aberta residem em seu interior, não fora delas. Colaboração e coordenação com agentes externos exigem, com frequência, que sejam feitas mudanças nos fluxos de trabalho, o que pode gerar reações defensivas por parte dos responsáveis internos pela inovação.

Um artigo recente comprovou a resistência interna à inovação aberta. No estudo de Hila Lifshitz Assaf sobre a adoção dessa prática na NASA, ela se debruçou sobre o uso de crowdsourcing na geração de novas ideias. Uma dessas ideias permitiu à agência uma melhora significativa da previsão de erupções solares. Contudo, os engenheiros do Johnson Space Center, não conseguiam trabalhar com os resultados obtidos de fora da NASA. Sua identificação com a organização e seu próprio papel pareciam ameaçados pelo que a inovação aberta poderia produzir.

As delimitações organizacionais que facilitam o foco e a especialização em atividades críticas podem se tornar barreiras quando produzem feudos, ou áreas isoladas entre si. O conhecimento útil circula dentro da área, mas não entre elas, sejam funcionais, departamentais ou geográficas.

Vejamos o exemplo de um programa corporativo que investe capital de risco em novas tecnologias e mercados, montando um portfólio de startups. Se as unidades de negócio convencionais da empresa olharem para essas novas estruturas como imaturas, distantes e arriscadas demais para atrair sua atenção e compromisso, o conhecimento que o programa gera não conseguirá penetrar em qualquer dessas unidades, que poderiam alavancar e escalar esse conteúdo.

As delimitações organizacionais que facilitam o foco e a especialização em atividades críticas podem se tornar barreiras quando produzem áreas isoladas entre si

Soluções contra os feudos

Muitas empresas enfrentam dificuldades em relação à inovação aberta. Compartilho aqui desafios e soluções encontradas por Intel, Cisco e Haier, entre outras.

Residência na unidade de negócios

A Intel enfrentou repetidamente esse problema dos feudos – ou silos ao trabalhar com startups promissoras. E, para resolvê-lo, criou uma nova unidade, a New Business Initiatives (NBI). As equipes da NBI primeiro desenvolviam o relacionamento com as startups e então tentavam conectá-las às unidades de negócio da Intel usando dinheiro e conhecimento para reduzir o atrito. O dinheiro oferecia recursos instantâneos para que a unidade se integrasse ao projeto, enquanto anteriormente era preciso aguardar o ano fiscal seguinte.

No entanto, a equipe da NBI que tinha conquistado a oportunidade se dissolvia assim que o projeto era transferido para a unidade de destino. Uma vez que esta última assumia o projeto, surgiam questões, mas não havia mais a equipe à qual recorrer.

A solução encontrada pela NBI foi transferir um membro dessa equipe para acompanhar o projeto na unidade de negócios por um prazo de seis a nove meses. Essa pessoa tinha as respostas necessárias ou sabia como encontrá-las quando necessário.

Facilitar rotação

Há outras formas de superar as barreiras impostas pelo isolamento entre áreas. Uma simples mas efetiva é facilitar que as pessoas participem de oportunidades rotativas em outras áreas da organização. Por exemplo, um gestor de uma unidade de negócios poderia passar de seis a doze meses em uma das startups e vice-versa.

Tal circulação ajuda não só na construção de contatos e experiências em uma área como a levá-los consigo para sua posição regular. Uma organização que faz circular de 5% a 10% de seus funcionários em um intervalo de três anos terá muito mais facilidade de encontrar e fazer uso de determinado conhecimento na maior parte das áreas e estará bem-posicionada para fazer mudanças internas que irão alavancar seu uso efetivo.

Responsabilidade pelos clientes

Uma estratégia complementar para superar essa compartimentalização das estruturas é fazer dos executivos os responsáveis pelos principais clientes da organização.

A Cisco fez isso com regularidade, de forma que cada membro do C-level tivesse a função de gerir uma área e administrar a relação da empresa com alguns de seus maiores clientes. Como as demandas de inovação da clientela invariavelmente envolvia mudanças em diversas áreas, isso forçava os executivos a pensarem na Cisco como um todo. Tais oportunidades de inovação não teriam como ir adiante sem que setores importantes entendessem seu papel na criação, no desenvolvimento e na entrega de novos produtos e serviços e quais mudanças em seu trabalho precisariam ser feitas para tal.

Um líder funcional facilitando a colaboração entre áreas diferentes para um cliente certamente irá cruzar com outro líder funcional fazendo o mesmo para outro cliente. Se os bônus desses executivos estiverem parcialmente atrelados às vendas de produtos e serviços das respectivas contas, a integração entre departamentos e o compartilhamento de informações serão estimulados.

Buscar fora da empresa

Outro mecanismo que faz com que o conhecimento cruze as fronteiras entre os feudos organizacionais é o de permitir que pessoas de cada grupo, função ou departamento busquem o que necessitam fora da empresa, se não houver resposta internamente.

A Haier, fabricante chinesa de linha branca, criou o Rendanheyi, um sistema sofisticado de contratação de conhecimento tanto interno quanto externo, e que cria um mercado dentro da empresa para o fornecimento e aquisição de produtos e serviços que futuros produtos da Haier precisem para sair do papel. Esse sistema substitui a maior parte dos feudos que antes restringiam essa circulação.

Com o Rendanheyi, os departamentos se transformam em microempresas dentro da corporação, com a liberdade de contratar qualquer pessoa de dentro da organização (e, ocasionalmente, de fora), para que os objetivos sejam atingidos.

Como resultado, o sistema aumentou a velocidade da inovação e abriu a organização para uma maior colaboração externa, além de facilitar a abertura de novos negócios.

POR FIM, 20 ANOS de inovação aberta revelaram que muitos dos maiores desafios para o modelo vinham da própria organização buscar sozinha pela inovação, em lugar de procurar e negociar em outras fontes.

Ultrapassar os feudos é essencial para a inovação aberta dê certo, um conceito que deixou sua marca. No LinkedIn de hoje vamos encontrar centenas de milhares de pessoas com a expressão “inovação aberta” ou “open innovation” em algum ponto de seu currículo. Vinte anos depois de sua conceituação, estamos prontos para ver quão longe ela pode chegar.

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Autoria

Henry Chesbrough

Henry Chesbrough é professor de Inovação Aberta e Sustentabilidade na Universitá Luiss Guido Carli, em Roma, e diretor do Garwood Center for Corporate Innovation, na University of California, Berkeley.

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