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Inovação aberta

5 min de leitura

Construindo uma estratégia de relacionamento com startups

Empresas estabelecidas podem organizar estrategicamente um programa de inovação aberta seguindo as orientações de um framework

Colunista Maximiliano Carlomagno

Maximiliano Carlomagno

31 de Agosto

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Artigo Construindo uma estratégia de relacionamento com startups

O retorno de uma viagem sempre traz uma sensação de “volta para casa”. Não no caso de Fernando, conselheiro de administração de uma indústria brasileira de origem familiar líder em seu setor. A viagem ao Vale do Silício tinha sacudido a cabeça sempre atenta de Fernando. A nova economia, potencializada pela revolução das startups, estimulou que o recém-chegado pedisse para falar na reunião do conselho na parte destinada a “assuntos gerais”. Fernando bradou em alto e bom som: “precisamos nos relacionar com startups”.

A sala emudeceu. Todos se olharam. O presidente do conselho fitou os olhos em Fernando aguardando por uma boia de salvação. Ele então emendou um detalhamento óbvio sobre as razões que o levavam a crer que a melhor forma da centenária indústria se transformar seria estabelecendo um programa de inovação aberta com startups.

Um acalorado e difuso debate tomou conta da sala. O CEO apresentou as iniciativas de inovação em andamento. Um conselheiro, com viés financeiro, compartilhou os riscos de investir em startups. O membro da família controladora evocou a história de desenvolvimento interno de produtos de seu avô para questionar a necessidade desse tipo de parceria. Fernando, por sua vez, não tinha imaginado que a provocação geraria tantas e diversas considerações.

O presidente do conselho concluiu a reunião pedindo para que o tema fosse discutido junto ao comitê de estratégia. Fernando percebeu que precisava aprofundar seu entendimento sobre as diferentes formas de relacionamento com startups. O primeiro passo foi realizar benchmark num dos principais hubs do ecossistema brasileiro. Ao final dessa jornada, Fernando percebeu que existiam diversas alternativas, e que cada uma delas fazia sentido para uma determinada estratégia. No entanto, qual era a estratégia?

Dominando as ferramentas

Nesse momento, Fernando conheceu o Corporate-Startup Engagement Board. Um framework simples e direto que permite organizar estrategicamente o programa. O quadro articula cinco dimensões e 23 elementos. Além disso, a ferramenta orienta a lógica de escolha de forma a partir do “o que” para o “como”. Assim, evita-se a disfunção de primeiro escolher o remédio para depois sair atrás de uma patologia. Vamos as dimensões e elementos do framework:

1. Horizonte de crescimento: o primeiro passo é definir a priorização dos esforços em função dos horizontes de crescimento. Os horizontes se dividem em H1, H2 e H3 e são bastante conhecidos da turma de inovação. O método foi desenvolvido pela Mckinsey anos atrás. O H1 envolve projetos que tragam inovações no escopo de produto e do mercado existente da empresa. A Michelob Ultra, por exemplo, para a Ambev. O H2 trata inovações adjacentes naquilo que a empresa faz, o Sucos do Bem para a Ambev. O H3 aborda novos negócios, no caso da Ambev poderia ser o Zé Delivery. Claro, cabe a cada empresa definir não apenas o que compõe cada horizonte, mas, especialmente, a distribuição dos esforços nos mesmos.

2. Objetivos: o segundo passo consiste no estabelecimento dos objetivos que a empresa tem para a iniciativa. De forma geral, é possível enfatizar quatro tipos de objetivos: (1) excelência operacional; (2) ampliação de portifólio; (3) cultura; (4) reputação. Podemos dividir os objetivos de excelência operacional e ampliação de portifólio como objetivos de negócios e cultura e reputação como ganhos complementares.

3. Maturidade de startup: o terceiro passo envolve priorizar o grau de maturidade das startups a serem selecionadas. Podemos dividir as startups em quatro fases: ideação, validação, tração e escala. (1) Ideação é uma startup ainda pré-operacional e, muitas vezes, sequer formalmente constituída. O tempo até a disponibilidade de uma solução comercial tende a demorar entre oito e 18 meses, a depender da natureza do assunto. (2) A fase de validação é quando a startup está construindo e testando seu MVP. Nessa fase o risco ainda é relevante, mas a flexibilidade também. (3) A fase de tração ocorre quando a startup encaixou seu produto no mercado e prioriza o crescimento das vendas. Nesse estágio, a flexibilidade de alteração da solução, assim como o risco são menores. (4) Na fase de escala a startup tende a ampliar mix de produtos e mercados. Nesse momento o risco tende a ser baixo, o preço mais alto e a flexibilidade reduzida.

4. Modelo de conexão: o quarto passo trata da escolha da melhor forma de se relacionar com as startups em função das escolhas anteriores. O quadro apresenta seis alternativas que variam de formatos de maior ou menor intensidade de envolvimento. A incubação, por exemplo, é um modelo interessante para relacionamento com startups em estágios de ideação e validação, mas inadequado para startups mais maduras. O investimento em startups cumpre objetivos de criação de novos negócios. O modelo de parceria oferece tanto oportunidades para H1 quanto H2.

5. Oferta de valor: o último passo dessa construção envolve a definição do que a empresa oferta em contrapartida para as startups. Mais de 2.500 empresas brasileiras se relacionam atualmente com startups. Não adianta querer estabelecer conexões sem ter uma proposta clara do que pretende aportar. Há diferentes ativos da empresa que são únicos para as startups. Rede de distribuição, conhecimento, relacionamentos, capital e marcas são algumas das possibilidades.

Dominando as ferramentas

Estratégia definida

Na empresa de Fernando, a discussão com os conselheiros e executivos que formam o comitê de estratégia foi realizada tendo por base o corporate-startup engagement board. Estabeleceu-se um protocolo de interação e uma linguagem comum para o debate. A coisa fluiu muito bem. As discussões foram intensas. No entanto, ao invés de discutir detalhes táticos, os conselheiros conseguiram fazer um debate estratégico e no ordenamento adequado para que a iniciativa tenha coerência.

Ao final, foi possível definir uma primeira estratégia para a proposta trazida por Fernando. Um programa focado em reforçar o negócio existente, para gerar excelência operacional, priorizando startups em fase de tração. Para tanto, o formato de conexão selecionado foi a contratação e a oferta de valor se concentrou em POC/piloto, acesso aos fornecedores, clientes e ativos da empresa.

Coerência, agilidade e experimentação

Atualmente, mais de 3 mil empresas brasileiras têm relacionamento estabelecido com startups. O amadurecimento dessa jornada passa pela clareza do que cada empresa esperada e da coerência com que se organiza e aloca recursos necessários. A nova economia é sobre agilidade e experimentação. A inovação aberta é uma jornada que também precisa de estratégia, e o framework apresentado pode ajudar nessa viagem.

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Colunista

Colunista Maximiliano Carlomagno

Maximiliano Carlomagno

É sócio-fundador da Innoscience, consultoria de inovação corporativa que trabalha com empresas como Roche, Coca-Cola, Duratex, Hypera Pharma. SLC Agrícola, Sicredi, M. Dias Branco, Braskem, Nestle, Ipiranga e Avon. É autor do livro “Gestão da Inovação na Prática”.

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