Há anos, o pequeno país báltico é referência em tecnologia. Laços com o Brasil se estreitaram, o que aumenta as chances de parceria e aprendizado
Realizar um processo de transformação digital já é difícil em uma empresa, imagine em um país inteiro? Agora, imagine em um país saindo de um período de 50 anos da União Soviética? E o que torna tudo ainda mais fascinante é que o país não só se transformou digitalmente como virou referência em tecnologia, saúde e educação.
Essa revolução na Estônia começou após a independência, em 1991. O país se viu livre, porém pobre e com sérios problemas estruturais.
Em 1991, os estonianos compararam sua renda per capita com a da Finlândia (país que não foi parte da URSS). Em 1940, era de 1:1. Ou seja, um estoniano podia se considerar tão rico quanto um finlandês. Porém, 50 anos depois, esse mesmo comparativo evidenciou o abismo: a Finlândia era 15 vezes mais rica.
Em nosso modelo de transformação holística da Estônia, destacamos uma série de elementos como vontade política, legislação, educação, saúde, ambiente de negócios e investimentos, tecnologia e, principalmente, sociedade civil.
É possível também destacar que todo este esforço estava direcionado a alguns objetivos, entre eles o aumento da renda per capita. Para tanto, seria indispensável dispor de uma nova geração de cidadãos e profissionais altamente educados.
Nessa jornada de reinvenção do país, o caminho natural seria reconstruir a estrutura tradicional de administração pública. Porém, a Estônia, à época, não dispunha de recursos nem tempo para tanto. Nesse momento, uma convergência de fatores resulta em uma ousada (e acertada) decisão: sair do passado, pular o presente e ir direto para o futuro.
A estratégia para a transformação digital (e econômica) foi batizada de “”e-Estonia”” e tinha os seguintes objetivos:
– Aproveitar a mão de obra capacitada: o país possuía uma alta concentração de profissionais de TI – seu Institute of Cybernetics, (que se tornou a empresa Cybernetica posteriormente) era o principal hub de P&D da União Soviética e serviu de pool de talentos e know-how de 1991 em diante;- Desenvolver soluções de baixo custo: com a recente independência, o país não tinha recursos. Até tentou contratar a IBM, mas optou pela estratégia de parceria público-privada com agentes nacionais;- Experimentar com inovações;- Aprender com erros e acertos de outros países;- Não melhorar o que não deve existir: a Estônia vinha de mais de 50 anos sob regime soviético e, em vez de redesenhar processos dentro dessa estrutura burocrática e centralizada, começou com uma folha em branco. “”Digitalizar sem desburocratizar é transformar um computador em uma máquina de escrever”;- Desbravar a internet desde o princípio. O país teve a oportunidade de redesenhar sua estrutura junto com o surgimento da internet, que seria uma força motora para sua transformação digital;- Crescimento econômico: o objetivo era viabilizar desenvolvimento por meio de oportunidades e produtividade, com a tecnologia como meio e tendo como resultado final o aumento da renda per capita;- Ecossistema (e inovação aberta): programa e-residency, 20 mil empresas no país, receita de R$ 500 milhões.
Ao compararmos os dados da década de 1990 com os de hoje, vemos que a Estônia foi muito bem-sucedida em seu desenvolvimento econômico e na construção de um ecossistema digital, inovador e empreendedor, alcançando o 29º lugar no índice de competitividade global do Fórum Econômico Mundial.
As conquistas da Estônia tornaram o país reconhecido mundialmente por seus feitos. “Nação digital mais avançada do mundo”, segundo a revista Wired, a Estônia atraiu personalidades importantes de todo o mundo para seu programa de e-Residency, com o intuito de aproveitar o seu ecossistema. Desde políticos, como Shinzō Abe (ex-primeiro-ministro do Japão), Angela Merkel (ex-chanceler alemã), e Barack Obama (ex-presidente americano) até celebridades e outras figuras importantes, como Trevor Noah (apresentador americano), Edward Lucas (editor da Economist), Bill Gates e o papa Francisco.
A Estônia se destaca em várias frentes tecnológicas. Entre elas podemos citar a interoperabilidade de dados, viabilizada pelo X-Road, o sucesso em user experience, com foco na governança pró-ativa nos portais do governo e na identidade e assinatura digitais, a cibersegurança, sendo inclusive sede do Centro de Cooperação para o tema da Otan, e a inteligência artificial, promovida por meio da estratégia KRATT, que permitiu seu uso em mais de 50 casos no setor público.
Diversos players do Brasil já conheceram e se conectaram com o ecossistema estoniano, como Banco Itaú, Grupo Boticário, Oi e a RD Station. Ainda são os primeiros passos de uma relação que pode ser muito mais extensa e proveitosa para o Brasil.
Outro fato que evidencia o estreitamento da relação Brasil-Estônia, é o estabelecimento de escritórios do e-Residency no Brasil, como um ponto de coleta do cartão e-residency. Para as empresas do Brasil, a Estônia representa uma janela de oportunidades. O programa de e-Residency permite aproveitar o ambiente de negócios estoniano e a possibilidade para estabelecer relações comerciais com a UE, de forma mais fácil e simplificada.
A combinação de pessoas altamente capacitadas em TI, com a melhor performance empreendedora e competitiva da Europa e um ambiente pró-negócios com infraestrutura digital ideal para a inovação tornam a Estônia um mercado aberto para ideias, crescimento e investimento globais.
É por essa combinação que o visto de startup já atraiu tantos empreendedores do mundo todo, o que já permitiu que empresas brasileiras, como a OriginalMy, expandissem sua atuação para o Báltico. O país com o maior número de unicórnios per capita do mundo é o destino perfeito para empreendedores que buscam expandir seus negócios.
A Estônia é sede, hoje, de nove unicórnios. Quer ter 25 até 2025. Com a estratégia de inteligência artificial Kratt, o país busca elevar sua transformação digital a outro patamar, com o incentivo ao uso e ao desenvolvimento de IA nos setores público e privado e a criação de um ambiente legal para o uso de I.A.
Em termos de infraestrutura, a Estônia, junto com outros países, está investindo na Baltic Railway, uma linha ferroviária verde que tem como objetivo integrar os Países Bálticos à malha ferroviária europeia.
No entanto, a Estônia vem enfrentando alguns desafios. Um deles é a demanda por talentos. Para driblar esse problema, o país busca a atração de estrangeiros, com iniciativas como o “”Study in Estonia””, o “”Work in Estonia”” e o próprio Startup Visa. Segundo o Statistics Estonia, mais de 19 mil pessoas imigraram para a Estônia, enquanto aproximadamente 12 mil pessoas deixaram o país.
Com a chegada de tantos novos imigrantes, a adaptabilidade social se torna outro desafio. Segundo o Ministério do Interior da Estônia, o maior desafio é a falta de comunicação entre os imigrantes e os locais. Dessa forma, o governo busca soluções para promover o contato significativo e a integração, a fim de promover o senso de pertencimento a uma fatia que já representa mais de 15% da população.
Outro desafio é a diversificação dos parceiros. A Estônia tem como principais parceiros de comércio exterior a Finlândia e a Rússia, que representam um terço das transações. Com a recente guerra na Ucrânia, esse movimento ficou mais urgente, o que gera oportunidades para outros países em potencial, como é o caso do Brasil.
O ambiente inovador estoniano se tornou conhecido, primeiramente, por sua transformação e pelo governo digital. O “”Vale do Silício da Europa”” é pioneiro em novas tecnologias e temáticas, como blockchain, cibersegurança e web3. Nunca foi tão fácil para brasileiros estabelecerem negócios no país e aprenderem com o modelo de transformação digital. As portas estão abertas para eles se encantarem com a Estônia, um país pequeno em território mas gigante em tecnologia.”