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Estônia: país dos unicórnios abre portas para startups brasileiras

Baixa burocracia, ecossistema inovador e governança digital fazem da nação báltica uma referência para startups; evento Missão Digital Brasil-Estônia acontece em setembro e conecta empresas brasileiras ao país

Raphael Fassoni e Gabriela Sinnecker

24 de Agosto

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Artigo Estônia: país dos unicórnios abre portas para startups brasileiras

A Estônia é considerada hoje o país com mais unicórnios per capita do mundo. No total, são sete startups, com valor de mercado a partir de 1 bilhão de dólares, fundadas na Estônia ou por estonianos, sendo elas, por ano de fundação: PlayTech, a única do século passado (1999), Skype (2003), Wise (ex-TransferWise), Pipedrive e ID.me (fundadas em 2010), Bolt (2013) e Zego (2016).

A lista chama a atenção principalmente pelo fato de que a Estônia, localizada nos países bálticos, tem uma pequena população de 1,3 milhão de habitantes. De modo geral, isso reflete o dinâmico e vibrante ecossistema de startups da Estônia, o qual conta com aproximadamente 1.200 startups, as quais levantaram 440,9 milhões de euros em funding somente no ano passado.

A partir disso, é importante organizar as informações em duas partes: (1) entender a visão sistêmica de como a Estônia e suas startups têm prosperado, tanto nos fatores diretos e quanto indiretos de crescimento; (2) detalhar as oportunidades para startups brasileiras que queiram se conectar à Estônia e à União Europeia visando explorar novos mercados, inovação e funding.

Fatores diretos

Facilidade para abrir empresas: atualmente, é possível abrir empresas sediadas na Estônia de forma remota, simples e com baixo custo. O processo em si leva em média 2 horas, podendo ser feito à distância e com um valor de 190 euros para empresas do tipo ltda. Até 2014, isso se restringia para residentes no país. Desde então, o governo da Estônia lançou o programa de residência eletrônica (e-residência). O programa está disponível para brasileiros e será abordado mais adiante neste artigo.

Expansão física da startup para a Estônia: por meio do programa Startup Visa, é possível abrir escritório e obter visto de residente para conduzir as operações da startup, além de usar o mesmo tipo de visto para contratação de talentos estrangeiros.

Gestão de empresas: de forma remota, por conta do ID digital e assinatura eletrônica com validade jurídica, em termos burocráticos, o cumprimento de obrigações administrativas leva em média de uma até duas horas por mês, reduzindo a complexidade e o tempo gasto, fora os custos, pois não é obrigatória a contratação de contadores, por exemplo. Em questões de impostos, o sistema tributário da Estônia foi elencado pela OCDE como o mais simples do mundo pelo 7º ano seguido. Na prática, a regra do jogo é simples e o principal é que a taxação de imposto sobre pessoas jurídicas ocorre quando a empresa realiza a distribuição de lucros e dividendos.

Crescimento internacional: a partir do estabelecimento na Estônia, é possível explorar a rede de apoio para o crescimento de startups, sejam elas oportunidades de aceleração, mentoria ou até mesmo em programas do governo. Além disso, a expansão natural de startups estonianas é para os mercados europeus e dos Estados Unidos.

Um exemplo do crescimento internacional é a expansão da startup Tutor.id, fundada na Estônia pela brasileira Karen Ordones. Segundo a empreendedora, “o ambiente de negócios da Estônia oferece diversas facilidades para expansão internacional de startups, seja na União Europeia ou em outros países. Já tivemos a oportunidade de participar de eventos internacionais representando o país, em parceria com o governo da Estônia”.

Fatores indiretos

Se a Estônia apresenta quatro fatores diretos de prosperidade entre startups, quais são as referências indiretas que ajudaram a viabilizar a estrutura favorável ao surgimento e crescimento de empresas de tecnologia?

Basicamente, a questão pode ser respondida pela forma de atuação do governo estoniano perante o setor privado. A Estônia é considerada atualmente a nação mais digital do planeta, contando com 99% dos serviços em formato digital e um algo grau elevado de desburocratização (ou até mesmo aversão à burocracia).
Há um consenso por parte de lideranças políticas de que, caso o governo não cumpra seu papel de prestar bons serviços às empresas, as organizações privadas simplesmente mudarão sua jurisdição para outro país europeu mais atrativo, o qual coletará seus impostos.

Isso se evidencia se entendermos brevemente a estrutura e história recente da Estônia: trata-se de um país com menos de 1,5 milhão de habitantes, com território equivalente ao estado do Rio de Janeiro, com poucos recursos naturais e clima temperado (estações bem definidas – inverno rigoroso por vezes). O país conta ainda com uma história de dominação por outros impérios, como Dinamarca, povos germânicos, Suécia, Império Russo e URSS.

Se focarmos na história recente, a Estônia readquire sua independência em 1991, inclusive, celebrando feriado no último dia 19 de agosto. Contudo, o fato marcante é a análise de renda per capita com o país vizinho, a Finlândia. Em 1940, ambos os países tinham a mesma proporção de riqueza. Passados 50 anos, abre-se um abismo de 15:1, pois a Finlândia se manteve como nação independente.
Isso foi um forte gatilho para a direção de uma série de reformas feitas pelos primeiros governos da Estônia na década de 1990, que culminaram no ambiente pró-empreendedorismo que mencionamos e com resultado positivo: de 1991 a 2020 a renda per capita anual na Estônia cresceu de meros 1.200 Euros para aproximadamente 20 mil euros, um aumento exponencial raramente visto de 20 vezes em 27 anos.

A Estônia ainda é reconhecida por outros fatores. Em termos educacionais, o país ocupa a 4ª posição no ranking do PISA e em Janeiro de 2021 se tornou o primeiro país do mundo a ter duas mulheres nos mais altos cargos políticos: Kersti Kaljulaid, como presidente, e Kaja Kallas, como primeira-ministra.

Segundo o ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Talin (capital e maior cidade da Estônia), Paulo Roberto Palm, "a jovem nação da Estônia tem alcançado grandes feitos como país digital e com foco em empreendedorismo tecnológico. Entendemos que há um potencial de parceria e complementaridade com o Brasil e suas startups. As relações entre os países nunca foram tão intensas e a missão digital no âmbito do Programa Diplomacia da Inovação visa abrir portas para explorar estas oportunidades”.

Oportunidades para empresas brasileiras

Fazendo a ponte com o ecossistema da Estônia descrito acima, vale destacar algumas oportunidades para startups brasileiras:

O programa e-Residency permite que empreendedores, nômades digitais e freelancers de qualquer país abram e operem uma empresa na Estônia por meio da jurisdição da União Europeia. A entrada de novos players no mercado estoniano ocorre de maneira simples e com baixo custo. Enquanto esse processo ocorre, os empreendedores podem se conectar com o ecossistema local (ex: participar de programas de mentoria, eventos, rodadas de funding, inovação) ou expandir o trabalho para mercados internacionais.

Como mencionado, a iniciativa do governo estoniano visa fomentar o crescimento de sua economia pela abertura de seu ambiente de negócios digitalizado e desburocratizado. Desde 2014 em funcionamento, atualmente são 80 mil empreendedores digitais que já abriram mais de 16 mil empresas na Estônia. Em 2020, foi anunciada abertura de escritório do e-Residency no Brasil, permitindo a retirada do chamado “kit e-Residency", contendo a identidade digital e um leitor do cartão.

"O interesse do Brasil pelo e-Residency existia muito antes de abrirmos nosso pickup location no país. Agora, com um parceiro local em São Paulo, o ambiente de negócios totalmente digital da Estônia pode realmente tornar os mercados globais mais acessíveis para startups e freelancers brasileiros", declarou Ülane Vilmets, team lead business development do programa e-Residency.

Atualmente, são mais de 700 brasileiros “e-residentes”, os quais já abriram mais de 100 empresas na Estônia. Adicionalmente, o e-Residency criou um marketplace com o objetivo de facilitar o acesso de e-residentes a serviços necessários para suas operações, tais como escritórios virtuais e contadores. Dentre os prestadores de serviços está o CCQ Advogados, escritório brasileiro focado em prestar assistência jurídica a e-residentes sobre questões sujeitas à legislação brasileira.

"Através do marketplace, somos capazes de auxiliar e-residentes brasileiros que tenham dúvidas jurídicas sobre a abertura de empresas remotamente, especialmente em questões tributárias, bem como e-residentes de outros países que queiram oferecer serviços ao mercado brasileiro", disse Isabela Vilhalba, Head de Direito Digital no CCQ Advogados”.

Sobre o braço do e-Residency funciona em um escritório em São Paulo/SP desde o início de maio deste ano. O passo a passo para obter um e-Residency pode ser conferido aqui.

Missão Digital Brasil-Estônia

Para abrir as portas do ecossistema estoniano ao Brasil e explorar oportunidades de internacionalização, networking e conteúdo, de 21 a 30 de Setembro acontece a segunda edição da Missão Digital Brasil-Estônia com foco em startups e empreendedorismo. A iniciativa é realizada pelo Estônia Hub, com apoio da Embaixada do Brasil em Talin e do Ministério das Relações Exteriores no âmbito do Programa de Diplomacia da Inovação (PDI).

Ao todo, serão 6 encontros ao vivo com as principais lideranças e instituições estonianas. Na edição deste ano traz algumas várias novidades, incluindo o formato aberto (qualquer interessado poderá participar) e a programação será estendida, incluindo sessão com mentores da Estônia nas áreas de produto e vendas.

Em 2020, a Missão Digital Brasil-Estônia contou com a participação de 49 startups brasileiras. As empresas puderam conhecer e se conectar com o ecossistema estoniano, explorando oportunidades de expansão, inovação e de negócios.

Uma das startups participantes foi a Rocket.Chat. A empresa se tornou, inclusive, fornecedora do governo Estoniano. “A Missão Digital Estônia-Brasil foi valiosa para a Rocket.Chat, pois pudemos não só conhecer o vibrante ecossistema da Estônia e suas oportunidades como também fechar negócios com clientes locais”, afirmou Leandro Coletti, VP of Sales da Rocket.Chat.

Para saber mais sobre a iniciativa, acesse o site oficial do evento. O aftermovie da primeira edição da Missão Digital Brasil-Estônia está disponível no Youtube.

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Autoria

Raphael Fassoni e Gabriela Sinnecker

Raphael Fassoni é empreendedor e consultor de negócios internacionais. Formado em relações internacionais pela UNESP e Universidade de Dresden (Alemanha), tem especializações em consultoria estratégica em Harvard University e liderança pela Stanford University. No Brasil, foi diretor comercial da TOTV e atualmente como cofundador do Estonia Hub, empresa focada em acelerar a transformação digital e gerar novos negócios e parcerias entre Brasil e Estônia nos setores público e privado.

Gabriela Sinnecker atua com gestão de projetos internacionais no Estonia Hub, apoiando iniciativas bilaterais com clientes e parceiros do setor público, privado e terceiro setor. Formada em relações internacionais na ESPM, com especialização em internacionalização de empresas, trabalhou com business development na Câmara de Comércio Brasil-Alemanha.

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