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Finanças e ESG

5 min de leitura

Liderança de si: você é seu primeiro case de sucesso

Uma reflexão sobre a jornada de uma líder negra e travesti em busca do reconhecimento do alto potencial de impacto do seu propósito no ambiente corporativo e na sociedade.

Colunista Líderes do Futuro

Líderes do Futuro

10 de Junho

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Artigo Liderança de si: você é seu primeiro case de sucesso

Quando olho para trás, vejo uma jornada marcada por desafios, questionamentos e, acima de tudo, crescimento. Acredito firmemente que a liderança começa com a valorização da nossa própria história, pois é dela que extraímos as lições mais preciosas para guiar nossos passos no mundo corporativo.

Ainda me lembro de uma entrevista de emprego, aos 23 anos, quando me perguntaram sobre o que eu fazia fora do trabalho. Mencionei minha inserção no movimento social de pessoas trans. Ao final da conversa, o entrevistador - um homem branco cisgênero, de camisa social - questionou se eu daria conta de um trabalho em uma multinacional daquele porte, afirmando que “no fim do dia, somos capitalistas e o que importa é o lucro”.

Por um momento, acreditei que não haveria espaço para alguém como eu em uma multinacional: uma travesti negra, com o propósito de tornar a sociedade menos normalizadora do gênero binário e mais compreensiva com relação às contribuições únicas das pessoas trans e travestis para a construção de um mundo justo e sustentável.

Busca pela autenticidade

Continuei perseverando em minha busca por um novo emprego e, desta vez, decidida a apresentar minha trajetória no movimento social como um diferencial. Havia adquirido resiliência ao trabalhar com poucos recursos em uma pequena empresa de tecnologia e desenvolvido a habilidade de dialogar com pessoas muito diferentes – de travestis em situação de vulnerabilidade social a CEOs.

E foi a partir desse profundo autoconhecimento que compreendi meu lugar: sou uma pessoa do interior de São Paulo, filha de pais nordestinos que investiram muito em minha educação até que eu chegasse a uma boa universidade. Parei de ter vergonha de quem sou.

Vulnerabilidade para ser quem sou

Tudo isso me faz pensar sobre o poder de aceitar nossa história e de bater no peito para defender o compromisso com a mudança.

Meu propósito nunca foi incompatível com o de organizações preocupadas em ir além de extrair recursos do mundo. Estou falando de empresas que não vão fazer apenas uma campanha para consumidores reciclarem mais seus produtos, mas que vão refletir sobre como colocar produtos menos poluentes e mais circulares nas gôndolas.

No entanto, certamente não sou compatível com empresas que operam no modo capitalista do século passado – extrativistas da sociedade e do planeta. Hoje precisamos mais do que organizações que ofereçam apenas serviços e produtos – do contrário, em breve, podemos não ter um planeta para vender nada.

Dessa forma, entendi que expor meu propósito e tudo o que vem com ele – minha história, identidade, raízes e vulnerabilidades – não é um problema. O que preciso, sim, é saber liderar, fazer boas perguntas para a inteligência social, ler e compreender a mudança de forma sistêmica e fazer networking.

E, mais que isso, tenho que compartilhar o que aprendi com a filosofia africana: em uma relação, se recebemos e não damos de volta, é roubo. Cada relação é uma troca, e abraçar quem sou me permite ser genuína em todas as interações.

Lideranças são cases de si

Todos esses aprendizados me conduziram ao papel de liderança, seja informalmente no ambiente corporativo, seja como diretora de uma organização da sociedade civil (OSC) premiada. Meu propósito, o reconhecimento das minhas habilidades e a razão por trás das ações me impulsionar a ser propositiva dentro das organizações.

Hoje sou uma referência em “Liderança de Si”, como apontado pelo Prêmio Young Leaders 2023, que me concedeu uma menção honrosa neste tema. E o motivo?

Sou o meu primeiro case de sucesso como líder. A Antonia de 17 anos sonhava em ser uma mulher forte, com um bom emprego, uma boa faculdade no currículo e dona de si. Hoje sou tudo isso e mais um pouco. Trabalhei minha eloquência, saí do backstage para o palco e fiquei confortável com isso. Moldei minha voz como ativista no coletivo e no individual. Entendi quem sou no todo e no particular. Realizei meus sonhos, com orgulho de onde vim e do que é importante para mim. Sei escutar e estou aberta a me transformar. Sou capaz de cometer erros como qualquer outra pessoa “líder”, mas me coloquei no lugar de aprender e, acima de tudo, de trocar com as pessoas de forma a criar relações de mão dupla.

Não teria chegado até aqui se tivesse cedido ao que o sistema esperava de mim: uma profissional contratada para representar diversidade, mas com poucas ideias próprias.

Ser liderança é mais do que apenas ter pessoas para liderar, inspirar, engajar ou coordenar. Hoje, precisamos de lideranças que primeiro implementem em si mesmas as mudanças que desejam ver no mundo.

Iniciei a mudança por mim mesma, e isso transformou profundamente a maneira como lidero. Minha convicção me permite crescer em rede e colaborar com um projeto político – o das travestis brasileiras – que visa novas formas de habitar este mundo. Propósitos ousados não são irrelevantes; são exatamente o que o mundo precisa hoje.


Artigo assinado por Antonia Moreira, finalista no prêmio Young Leaders 2023, no qual recebeu menção honrosa. É escritora, estrategista criativa e ativista brasileira. Atualmente é diretora de operações e coordenadora de projetos no Ateliê TRANSmoras, organização da sociedade civil (OSC) que utiliza a moda e as artes como formas de advocacy para gerar empoderamento econômico de pessoas trans, além de analista sênior de marca na CI&T, especialista digital global. Antonia tem ampla experiência com design e gestão de projetos de impacto social, planejamento estratégico, captação de recursos e construção de marcas inclusivas. Já palestrou e deu cursos na Uber, Instituto Elos, EBAC, Senac São Paulo, Cidade Matarazzo e Pixel Show. Tem trabalhos publicados no UOL e revistas Piauí, Terremoto (México) e Palais de Tokyo (França). Em 2023, foi pesquisadora visitante no Human Rights Advocates Program da Columbia University em Nova York. Em 2003, foi indicada nos prêmios de Excelência LGBTQ América Latina da Out & Equal. Em 2024, iniciou seu mestrado em Mudança Social e Participação Política na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP). https://www.linkedin.com/in/antoniamoreira/

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Esta coluna é assinada rotativamente por membros da Comunidade Young Leaders, que reúne finalistas do Prêmio Young Leaders e participantes do programa de formação de lideranças do Instituto Anga.

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