Mais do que oferecer oportunidades ou eliminar preconceitos, as organizações devem criar ambientes onde pessoas com potencial de liderança se sintam capacitadas a se ver como líderes, independentemente do gênero. Confira quatro estratégias para isso
Sarah, gestora em uma movimentada empresa de tecnologia, apresenta consistentemente os melhores resultados. Sua equipe supera as outras, seus insights estratégicos impulsionam a inovação e sua inteligência emocional permite que ela navegue facilmente em relacionamentos complexos com as partes interessadas. Seja por qualquer escala de avaliação, Sarah é uma líder exemplar. No entanto, quando perguntada se ela se vê como uma líder, Sarah hesita. “Estou apenas fazendo meu trabalho”, diz ela com um encolher de ombros.
Sarah não está sozinha. De fato, a pesquisa revela uma desconexão surpreendente: embora as mulheres muitas vezes superem os homens em eficácia de liderança, elas são menos propensas a se identificarem como líderes.
Não se trata apenas de modéstia ou síndrome do impostor: é um desalinhamento invisível entre competência e identidade, que distorce intensamente o cenário de liderança. Ver-se como líder é muitas vezes um passo preliminar para ser visto pelos outros como um, mas esse processo de identificação é mais complicado para mulheres do que para homens, particularmente no ambiente de trabalho.
O abismo entre o que elas são capazes de realizar e como se veem levanta questões críticas. Por que mulheres altamente competentes evitam ser chamadas de líderes? Como essa relutância afeta suas trajetórias de carreira e resultados organizacionais? E, o mais importante, como as empresas podem preencher essa lacuna de identidade para aproveitar, ao máximo, seus bancos de talentos em liderança?
Uma análise da eficácia da liderança realizada por Jack Zenger e Joseph Folkman, respectivamente CEO e presidente da consultoria de desenvolvimento de líderes Zenger Folkman, oferece evidências convincentes das capacidades de liderança das mulheres.
Em seu estudo, eles examinaram dados de mais de 60 mil líderes por meio de avaliações 360 graus e identificaram que as mulheres superaram os homens em 17 das 19 competências-chave de liderança. Por exemplo: iniciativa, desenvolvimento de novas capacidades, alta integridade e honestidade, geração de resultados, desenvolvimento de pessoas, inspiração e motivação de outros, construção de relacionamentos, colaboração e trabalho efetivo em equipes, estabelecimento de metas ambiciosas e defesa da mudança. Elas se destacaram especialmente em autodesenvolvimento, integridade e iniciativa.
Nossa pesquisa revela ainda que, apesar dessas descobertas, as mulheres se sentem consistentemente menos confortáveis do que os homens para aplicar a si mesmas o rótulo de “líderes”.
Dados que coletamos recentemente de um estudo da University of Michigan (EUA) com 275 adultos que trabalham em tempo integral quantificam essa disparidade. Este usou uma escala de 7 pontos para mensurar o nível de identidade de liderança dos participantes. Os que tiveram 6 pontos ou mais de média nas respostas a quatro perguntas foram classificados como lideranças com forte identidade. As questões avaliavam o grau de concordância deles com afirmações como “sou um líder”, “me vejo como um líder”, “se tivesse que me descrever para os outros, incluiria a palavra líder” e “prefiro ser visto pelos outros como um líder”. Os resultados revelaram que 32% dos homens demonstraram ter uma forte identidade de líder, em comparação com apenas 25,5% das mulheres.
Porém as disparidades mais intensas entre homens e mulheres na identidade de liderança e nas aspirações para a função parecem surgir mais tarde em suas trajetórias profissionais, segundo um estudo da Bain & Company, uma das principais consultorias de gestão global.
Nos primeiros dois anos de empresa, 43% das mulheres aspiram alcançar cargos de alta gestão, em comparação com 34% dos homens. Depois de dois anos, o deles fica no mesmo patamar e o delas cai para 16%. De modo semelhante, a confiança das mulheres de que podem chegar à alta liderança também cai pela metade à medida que ganham experiência, enquanto a deles segue igual.
O estudo da Bain, que ouviu mais mil homens e mulheres nos EUA em todos os níveis de carreira, identificou vários fatores que contribuem para esse cenário, entre eles: falta de apoio e feedback do superior, ausência de modelos em cargos de liderança sênior, conflitos entre trabalho e responsabilidades externas e percepção de preconceito de gênero nas decisões de promoção. Juntos, é possível que ainda omitam um fator cognitivo que está em jogo: as mulheres ainda não se sentem confortáveis em se ver como líderes.
Pesquisas de Olga Epitropaki e Robin Martin, professores e pesquisadores de liderança organizacional e comportamento no trabalho, mostra que em todas as culturas as pessoas tendem a aplicar o rótulo de “líder” a indivíduos em que se observam certos atributos, como dedicação, dinamismo, inteligência e sensibilidade.
Em nossa pesquisa com 202 indivíduos, descobrimos que as pessoas se sentiam significativamente mais à vontade para se autodescrever usando esses quatro adjetivos atribuídos a líderes do que usando a própria palavra “líder”. Isso se deu principalmente entre as mulheres. Esse desconforto com o rótulo de líder não é meramente semântico – tem implicações tangíveis.
Em uma segunda pesquisa, envolvendo 324 participantes de várias funções e setores, identificamos que quanto mais desconfortáveis os indivíduos se sentem com a nomenclatura, menor a probabilidade de se verem como tais e, consequentemente, buscarem oportunidades de liderança. Quando mulheres qualificadas hesitam em se ver como líderes, as organizações perdem talentos de liderança.
Essa autopercepção influencia a forma como as mulheres se apresentam. Alan Benson, professor e pesquisador de economia do trabalho e economia de recursos humanos, analisou mais de 10 milhões de perfis públicos no LinkedIn em vários setores e cargos, usando técnicas de processamento de linguagem natural para identificar e categorizar habilidades autorrelatadas. Ele isolou fatores como cargo, empresa, setor e tempo de experiência e descobriu que as mulheres são 16% menos propensas a relatar ter habilidades de liderança, mesmo quando ocupam os mesmos cargos que colegas homens na empresa.
Essa lacuna de gênero nas habilidades de liderança autorrelatadas foi maior em estados socialmente conservadores e em empresas com baixas classificações de equilíbrio entre vida profissional e pessoal no Glassdoor.
Mas a liderança não é a única habilidade em que as mulheres se subestimam. No LinkedIn, elas são 12% menos propensas a relatar habilidades de negociação. Por outro lado, são 9% mais propensas a destacar o trabalho em equipe e 13%, em mencionar suas habilidades de apoio, mesmo quando ocupam as mesmas funções que seus colegas do sexo masculino.
As palavras que as mulheres usam para se definirem têm consequências sobre suas carreiras, uma vez que os recrutadores costumam usar habilidades autorrelatadas para identificar potenciais candidatos a cargos de liderança. Quando mulheres qualificadas hesitam em se ver como líderes, as organizações ignoram esse talento, o que estreita o pipeline da liderança e perpetua os desequilíbrios de gênero em níveis organizacionais mais altos.
Então, o que as organizações e os indivíduos podem fazer para preencher essa lacuna?
Nossa pesquisa demonstra que as crenças dos indivíduos sobre a natureza da habilidade de liderança também influenciam sua disposição em adotar uma identidade de líder. Descobrimos que as pessoas geralmente se dividem em dois grupos: as que acreditam que a habilidade de liderança é uma característica inata e imutável – ou seja, que têm um mindset fixo – e aquelas que creem que as habilidades de liderança podem ser desenvolvidas e aprimoradas ao longo do tempo – que têm um mindset de crescimento [no conceito de Carol Dweck].
Identificamos também que indivíduos com mindset fixo são mais suscetíveis à crença de que uma falha no ato de liderar pode prejudicar sua imagem com os outros – o que chamamos de risco de imagem. Por outro lado, aqueles com mindset de crescimento são mais resilientes diante do risco de imagem, vendo os desafios da liderança como oportunidades de crescimento.
Mais importante ainda: descobrimos que os mindsets podem ser influenciados. Quando os participantes da pesquisa foram expostos a informações que promoviam uma visão flexível da capacidade de liderança, a relação negativa entre o risco de imagem e a identidade de liderança foi significativamente atenuada.
As organizações podem usar este insight das seguintes maneiras:
Marjorie Rhodes, Amanda Cardarelli e Sarah-Jane Leslie, professoras e pesquisadoras de psicologia do desenvolvimento e filosofia, estudaram outro rótulo que também pode ser assustador para algumas pessoas, o de “cientista”.
Elas descobriram que alunos que foram incentivados a se envolver em comportamentos científicos específicos – com mensagens como “vamos fazer ciência” ou “fazer ciência significa explorar o mundo e descobrir coisas novas” – mostraram níveis mais altos de engajamento em comparação com aqueles que foram apresentados à ciência com marcadores linguísticos de identificação – como “seja um cientista”.
A pesquisa também sugere que tais rótulos linguísticos podem inadvertidamente reforçar a ideia de que as identidades são fixas e estáveis ao longo do tempo e que apenas certos indivíduos – aqueles que “nasceram para isso” – podem legitimamente adotar o termo.
Portanto, em vez de aplicar o rótulo de líder, as organizações podem utilizar uma linguagem mais específica ligada a comportamentos. Isso pode reduzir a relutância das pessoas em adotar tal identidade.
Considere as seguintes ações:
Dado que muitas mulheres relutam em se identificar como líderes, a validação externa é crucial. Scott DeRue e Sue Ashford, professores e pesquisadores em desenvolvimento de habilidades de liderança e identidades de líderes respectivamente, argumentam que estas últimas são cocriadas por meio de um processo de reivindicação e concessão.
Enquanto alguns indivíduos desempenham o papel de líderes, outros lhes atribuem essa identidade ao decidir segui-los. Essa concessão é especialmente crítica à luz da relutância identificada entre lideranças femininas em adotar uma identidade de líder.
Reconhecer essa identidade por meio de uma validação externa ou designação formal pode ser especialmente importante para mulheres que, de outra forma, hesitariam em reivindicá-la para si próprias. Para tanto, as organizações podem tomar as seguintes medidas:
A forma como as organizações definem e avaliam a liderança pode impactar significativamente quem se identifica como líder. Se elas repensarem seu entendimento de liderança e passarem a valorizar habilidades e tarefas tradicionalmente subestimadas, mais pessoas poderão se ver como líderes.
As pesquisadoras e professoras Linda Babcock, Maria P. Recalde, Lise Vesterlund e Laurie Weingart, especializadas em desigualdades de gênero no ambiente de trabalho, mostraram que as mulheres costumam, mais do que os homens, ser convidadas a assumir tarefas como organizar festas no escritório ou registrar atas de reuniões. (Tarefas essas que beneficiam a organização, mas não promovem avanços na carreira de ninguém.)
As pesquisadoras descobriram que as mulheres se voluntariam para essas tarefas 48% mais frequentemente que os homens e têm 44% mais chances de serem solicitadas a realizá-las. Essas atividades podem consumir tempo e energia que poderiam ser dedicados a trabalhos mais estratégicos e promocionais.
As organizações podem reconhecer essas tarefas como oportunidades para demonstrar comportamentos críticos de liderança, enquadrando-as como exemplos de liderança servidora.
Há iniciativas que podem ajudar as organizações a ampliar a definição de líder e aumentar a diversidade de talentos considerados para posições de liderança, tais como:
A FORMA COMO DEFINIMOS A LIDERANÇA É CRUCIAL. Se não se enxergarem na palavra “líder”, as mulheres não desenvolverão uma identidade de líder, o que impactará negativamente seu engajamento em atividades de desenvolvimento de liderança e em papéis reais de liderança. Além disso, se tiverem um mindset fixo sobre liderança, também terão menos participação no aprimoramento de suas habilidades para liderar.
As organizações que ainda vinculam a liderança apenas a determinadas atividades ignorando outras, e que associam o envolvimento nesses tipos de tarefas ao gênero, terão dificuldade em reconhecer e conceder a identidade de líder às mulheres que realmente se qualificam para isso.
Juntas, essas questões de conceituação representam um obstáculo sutil, mas significativo, para alcançar a paridade de gênero na liderança. Abordar essa lacuna requer mais do que oferecer oportunidades ou eliminar preconceitos. É necessário enfrentar as barreiras que impedem mulheres talentosas de abraçar uma identidade de liderança e expandir as visões das organizações sobre o que constitui uma liderança.
Ao implementar as estratégias que descrevemos neste artigo, as organizações podem criar ambientes nos quais todos os indivíduos talentosos, independentemente do gênero, se sintam capazes de se verem como líderes.