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Coluna: Cássio Pantaleoni

4 min de leitura

O poder secreto da ficção

Liderança que inspira vem da boa comunicação, que se fundamenta na legitimidade. E esta nasce de um lugar impensado, como ensina a história de três executivos: a leitura não de livros gestão, mas de Kafkas, Guimarães Rosas e afins

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Cássio Pantaleoni

19 de Março

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Artigo O poder secreto da ficção

É raro encontrar dentre os executivos aqueles que ainda dedicam tempo para revisitar seus trejeitos de comunicação. Seja diante de um grupo de colaboradores, diante de um público heterogêneo ou por via escrita, a consistência da mensagem é sempre o primeiro atributo analisado.

Para comunicar de modo legítimo, é preciso aperfeiçoar-se continuamente. Quando bem executada, a comunicação baseada nas crenças efetivas e com expressão emocional ajustada à realidade encoraja as equipes a articular os temas com mais transparência, propiciando produtividade.

Frequentemente, os gurus da comunicação sugerem três aspectos para sermos bem-sucedidos frente a qualquer audiência: uma linguagem corporal que sugira receptividade, a escuta efetiva das opiniões emitidas pelo público, e um envelopamento motivacional. Dizendo-o de outro modo, seja aberto e positivo.

Entretanto, muitos líderes, executivos ou palestrantes profissionais deixam a desejar. Uma pesquisa do Gartner de 2019 registra que 46% dos comunicadores consideram que evitar o excesso de informação para uma audiência é seu principal desafio. A pesquisa da Smarp informa que apenas 33% dos colaboradores acham eficiente a comunicação de seus líderes.

Nos meus mais de 35 anos de experiência em empresas de variados portes, tive a oportunidade de encontrar três executivos que verdadeiramente inspiravam quando se dirigiam ao público. Apesar de apresentarem traços de vários bons comunicadores, eles tinham uma capacidade motivacional acima da média.

Veja só. Grandes universidades mundiais e várias organizações de pesquisa que abordam a comunicação dos líderes defendem que a comunicação, para ser efetiva, precisa alcançar ao menos os seguintes efeitos: 

  1. Engajar os colaboradores.
  2. Manter uma boa estratégia de comunicação interna.
  3. Promover o alinhamento de metas estratégicas.
  4. Promover boas relações entre os colaboradores.
  5. Produzir conteúdo relevante.
  6. Desenvolver a confiança e a transparência em toda a organização.
  7. Alcançar toda a organização.
  8. Criar e manter uma cultura de colaboração.

Francamente, creio que todos esses aspectos podem ser resumidos numa única expressão: legitimidade.

Como é possível entregar legitimidade às audiências?

No caso dos três executivos que mencionei antes, o que havia em comum era a capacidade de rapidamente produzir associações livres que davam corpo à mensagem principal. Essas associações livres em geral eram sustentadas por um storytelling muito instigante. Porém, o elemento-chave é que eles desenvolviam esse storytelling sempre em consonância com fatos que faziam sentido para o grupo.

Desenvolver associações livres em tempo real (ou seja, improvisar uma história durante o discurso) não é tarefa simples. Como aquele seleto trio conseguia?

Tive a oportunidade de manter conversas muito descontraídas com todos os três executivos durante o período em que trabalhamos juntos. O que encontrei em comum entre eles foi o hábito de ler literatura. Aliás, um hábito que cultivo desde os meus 13 anos e que, provavelmente, foi o que me permitiu admirá-los.

Contudo, nesse ponto, você deve estar se perguntando: por que a literatura daria algum fortalecimento à legitimidade da comunicação?

Um artigo recente de uma pesquisadora do tema, Christine Seifert, destaca que, ao ler ficção, você desenvolve empatia, teorias sobre a mente e pensamento crítico. Esse tipo de texto fortalece distintos elementos cognitivos.

Segundo Seifert, as pesquisas mais recentes sugerem que ler ficção proporciona mais benefícios do que textos de não-ficção. Dentre os exemplos que ela fornece estão o aumento da acuidade social e o refinamento da habilidade de compreender as motivações dos outros. Além disso, a leitura de ficção é uma maneira efetiva de aprimorar nossa habilidade para manter a mente aberta enquanto processamos informações – um skill fundamental para o processo efetivo de tomada de decisão.

Ora, quando falamos de legitimidade, assumimos essencialmente aquilo que é conforme à equidade, à razão e à moral. Assentar nossa qualidade comunicacional nesses três pontos exige a capacidade de mudar de ideia quando novas informações nos chegam.

Um estudo de 2013, da University of Toronto, examinou o que se denomina “bloqueio cognitivo” – um traço daqueles indivíduos que se esforçam para chegar a uma conclusão rapidamente e que tem aversão à ambiguidade ou confusão. São indivíduos que produzem poucas hipóteses para cenários alternativos, tornando-os confiantes de suas crenças próprias. Eles tendem a resistir a novas informações. Já os indivíduos que resistem a esse bloqueio tendem a ser mais considerativos, mais criativos e mais tranquilos diante de narrativas contrastantes.

A legitimidade requer empatia, criatividade (a capacidade de produzir histórias a partir de associações livres), pensamento crítico e engajamento. Ler ficção mostra-se um dos melhores métodos para alcançar tais habilidades.

É claro que muitos executivos relutarão em investir tempo em literatura de ficção. Mesmo aqueles executivos que dizem ler recorrentemente leem, na verdade, não-ficção, ensaios e notícias. Porém, é importante ressaltar: a ficção revigora aquilo que esquecemos, ou seja, a realidade.

E para uma boa comunicação, é preciso estar legitimado pela realidade. Então, comece a buscar a realidade em algum livro de Kafka ou Guimarães Rosa. Escolha as histórias curtas para começar, porque um bom hábito se desenvolve aos poucos.

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Cássio Pantaleoni

Cássio Pantaleoni é managing director da Quality Digital e membro do conselho consultivo da ABRIA (Associação Brasileira de Inteligência Artificial). Tem mais de 30 anos de experiência no setor de tecnologia, é graduado e mestre em filosofia, e reúne experiências empreendedoras e executivas no currículo. Vencedor do prestigioso prêmio Jabuti, com a obra Humanamente Digital: Inteligência Artificial centrada no Humano.

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