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O realinhamento da indústria de alimentos pós-pandemia

Nova coluna mensal acompanhará estratégias e gestão em um dos principais negócios do País; este artigo de estreia aponta sete tendências que são grandes oportunidades

Colunista Suelen Schneider

Suelen Schneider

10 de Julho

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Artigo O realinhamento da indústria de alimentos pós-pandemia

É ponto pacífico que a pandemia acertou em cheio grande parte dos setores de atividade, seja pela mudança no comportamento dos consumidores, pela redução do volume de vendas ou pela reconfiguração dos canais de atendimento.

Ao contrário do que muitos pensam, a indústria de alimentos está entre as que sentiram bastante os efeitos da Covid-19. Houve players que tombaram.

Aqueles que reagiram com maior rapidez puderam controlar as perdas financeiras. Alguns poucos até aumentaram seus resultados. De modo geral, o setor precisou, mais do que nunca, acelerar seus processos de transformação.

No Brasil, percebemos os tombos na indústria de alimentos de várias maneiras, como no descarte de toneladas de hortifrúti e de leite, a interdição de abatedouros, a expectativa de fechamento de 40% dos bares e restaurantes na capital paulista. São alguns exemplos que resultam na redução do PIB e dos empregos.

Vários supermercados e restaurantes adaptaram-se ao modelo de delivery. Novas pequenas empresas de food-service para entregas por aplicativos surgiram e, consequentemente, a ampliação dos serviços de last-mile delivery (entrega de última milha) foi necessária para suprir toda essa demanda nascente.

Entre os supermercadistas, também testemunhamos o surgimento dos espaços de pick-up, onde o consumidor faz seu pedido online e apenas retira nos pontos de vendas, ou click-and-go, segundo o qual o próprio consumidor faz os registros de suas compras e passa por um caixa diferenciado, sem filas e com risco reduzido de exposição a outros clientes do mesmo estabelecimento. Todos se esforçaram para tornar o ato de comprar mais rápido e prático.

A nota mais positiva se viu nas empresas relacionadas ao agronegócio – como as produtoras de proteínas animais e de grãos -, segmento bastante relevante para as exportações brasileiras, beneficiaram-se com a alta do dólar e com a retomada da demanda externa, sobretudo da China, que havia reduzido seus estoques durante seu período de lockdown.

Nesta pandemia, o setor de alimentos ilustra bem os dois lados da moeda dos negócios em períodos de crise: ao mesmo tempo que há empresas falindo, outras captam resultados excelentes. A indústria alimentícia ainda ilustra como funciona o processo de adaptação.

Se lembrarmos do início da pandemia, houve uma verdadeira corrida aos mercados na busca de alimentos e produtos essenciais, com as pessoas temendo exageradamente a escassez.

Essa “demanda pandêmica” criou uma ruptura na cadeia de abastecimento. De um lado, presenciávamos prateleiras vazias, do outro, indústrias estocadas, concedendo férias coletivas ou descartando produtos perecíveis antes de perecerem em seus estoques.

A primeira reação foi um cenário caótico, em que toda a cadeia perdeu, do produtor ao consumidor. Com o tempo, começamos a ter clareza do que estava realmente acontecendo, e as cadeias produtivas e de distribuição passaram a se realinhar.

Ficaram mais evidentes, também, as mudanças de comportamento dos consumidores, que já aderiram a esse tão falado “novo normal”, preocupando-se com sua saúde e de seus familiares e vivendo uma nova recessão, diante do desemprego, redução de salários ou medo do futuro.

Entendemos que a população – brasileira e mundial – continua crescendo e precisa ser alimentada. A demanda por alimentos não vai cair, portanto. Os consumidores podem até fazer substituições por produtos mais “baratos” ou “seguros”, mas não podem deixar de comer.

Todo esse cenário contribui para acelerar algumas tendências transformacionais e abre portas a novas mudanças no setor. As que causam impactos de curto e médio prazos estão relacionadas aqui:

Venda online

Falar de comércio eletrônico agora é quase chover no molhado. Porém, é necessário entender a realidade que se impôs, principalmente as vendas por aplicativos, de restaurantes a supermercados.

As organizações que já se adaptaram estão criando sua base de clientes fidelizados através desse canal. Aquelas que não iniciaram estão atrasadas e precisam acelerar.

Os novos modelos de restaurantes

O delivery ganhou força, funcionários foram reduzidos e, na retomada, a capacidade de atendimento também será encolhida para se cumprirem as regras de distanciamento. Isso cria uma necessidade de se reverem modelos e espaços físicos dos restaurantes. E, com essa queda, os investimentos no setor ficaram ameaçados.

Cadeia de suprimentos de alimentos mais resiliente e responsiva

É evidente que há um descompasso entre cadeia produtiva, distribuição e supermercadistas. A prova disso está no descarte de alimentos. O mapeamento da cadeia de fornecedores e de distribuição, bem como uma atuação integrada, são essenciais para que as organizações possam reagir melhor às crises e se tornar mais responsivas às demandas.

Aumento dos cuidados sanitários

O medo do contágio da Covid-19 fez os consumidores preferirem alimentos processados, rechaçando alimentos frescos ou mais expostos ao manuseio e contato humano.

Não é possível afirmar que o consumo de mais alimentos processados seja uma tendência, mas isso abre oportunidade ao aumento das frutas e verduras já higienizadas, embaladas e prontas para o consumo, e para pratos prontos mais saudáveis.

Embalagem dos produtos mais sustentável

Quando um produto vai para a prateleira, a embalagem precisa ser resistente ao manuseio e atrativa ao consumidor. Com a compra online, essas necessidades são questionadas e surge uma grande oportunidade de se reduzir o consumo de plástico e pigmentos.

Ambos são poluentes e oferecem custos à cadeia produtiva e ao consumidor. Se a plataforma online trouxer tais informações, a necessidade de essas estarem nos produtos perde o sentido.

Redução de custos

Diante da recessão, o consumidor buscará opções de produtos mais econômicos. Esse é um movimento comum que mobiliza produtores de alimentos a identificar formas de reduzir seus custos fabris, de transportes e armazenagem e de eliminar desperdícios – ainda altos no Brasil – para se tornarem mais sustentáveis.

Ainda assim, haverá consumidores que optarão por substitutos. Um caso clássico na indústria de proteína animal é a troca do consumo da carne bovina por proteínas mais acessíveis, como o frango ou suíno.

Automação

O parque fabril da indústria de alimentos é, em grande parte, anterior ao início da década de 1990. As indústrias brasileiras ainda utilizam mão de obra intensiva, o que lhes oferece inúmeros riscos.

As interdições de abatedouros devido às contaminações é um grande exemplo de risco. Agora se vê claramente que, se estes possuíssem estruturas modernizadas, com maior nível de automação e menor dependência de mão de obra, possivelmente os riscos seriam reduzidos ou mitigados.

Parte dessas tendências já estava visível antes da pandemia e se acelerou, outra parte foi fomentada pelo novo coronavírus. A pergunta que fica é: com qual velocidade a indústria de alimentos brasileira, tão estratégica para o País, e definidora da marca Brasil no mundo, irá se adaptar?

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Autoria

Colunista Suelen Schneider

Suelen Schneider

Especialista em liderança, estratégias e operações. Suelen Schneider tem experiência de mais de 20 anos, onde ocupou posições-chave de liderança em uma das maiores empresas do Brasil. Hoje, é consultora empresarial e mentora de líderes na empresa que ajudou a fundar, a MultiConcept. Suelen é doutoranda em Liderança e Mudanças Globais pela Pepperdine na Califórnia, tem mestrado pela FGV e especializações pela University of Califórnia em Irvine, Indian Institute of Management Bangalore na Índia, Yale School of Management nos EUA e Koç Universiti na Turquia. Já conduziu diversas pesquisas relacionadas ao futuro da liderança, participação feminina na liderança e inclusão.

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