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Fórum: A era da hiperpersonalização - Coprodução MITSMR + Capgemini

7 min de leitura

Os limites da microssegmentação

Dados geográficos e sociodemográficos não são mais suficientes para empresas que desejam chegar ao seu consumidor ideal

Mauricio Andrade de Paula

06 de Dezembro

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Artigo Os limites da microssegmentação

O conceito de segmentação se originou nos Estados Unidos por volta da década de 1920, mas desde então a técnica evoluiu drasticamente para ser mais refinada, contemporânea e factual. Nos últimos anos, as empresas conseguiram colher grandes quantidades de dados de clientes. Isso permitiu que os profissionais de marketing refinassem continuamente seus segmentos de clientes, adicionando mais e mais critérios, com o mais alto nível de precisão.

Antes do advento de novas técnicas de enriquecimento de dados, os segmentos baseavam-se principalmente em dados geográficos e sociodemográficos, como idade, sexo, ocupação etc. Novas técnicas de segmentação se concentram em complementar o conjunto básico de dados com elementos complexos, como informações comportamentais (como na segmentação RFM, sigla em inglês que se refere a última compra, frequência de compra e valor monetário) ou mesmo informações psicográficas (personalidade, estilo de vida, grupos de referência, valores estimados etc.), embora sejam mais desafiadores de avaliar, devido à subjetividade.

Dada a necessidade constante dos clientes de serem reconhecidos como únicos, agora se tornou mais complexo entendê-los e/ou segmentá-los. Hoje, eles também são caracterizados pelo que fazem e não apenas por quem são. Os dados coletados podem ser usados para configurar ferramentas de pontuação que identificam clientes de alto valor e alto potencial, que são os mais propensos a fazer uma nova compra ou mudar para um concorrente.

O crescente número de segmentos de clientes possível dá origem a cada vez mais gamas de produtos, com múltiplas variantes, que buscam ir ao encontro das necessidades e expectativas de cada segmento e, assim, satisfazer o mais vasto público possível. É a microssegmentação.

No entanto, existem ao menos três limites à microssegmentação:

1. Microssegmentos contêm um paradoxo. Depois de a empresa atingir o mais alto nível de precisão no processo, ela não busca mais priorizar; em vez disso, tenta cobrir todo o espectro do cliente, fazendo o máximo para atender às necessidades de todos.

2. Os clientes não podem mais ser classificados. A microssegmentação entende que ficaram para trás o clichê “dona de casa com menos de 50 anos”, a expressão "executivo júnior dinâmico", o típico “aposentado rural”. Esses perfis não se enquadram mais em um cluster segmentado relevante; são, na verdade, caricaturas mundanas. Mas microssegmentar executivos que ouvem rap, por exemplo, continua sendo uma rotulação, e os clientes não desejam ser rotulados como tal. O “egocentrismo” entre os indivíduos é bastante prevalente hoje, o que obriga as marcas a repensar sobre como elas interagem com seus exigentes clientes ativos ou potenciais, que querem que os holofotes sobre si. Você está sempre com o mesmo humor? Não. E o cliente também não. Seus padrões de consumo podem variar significativamente dependendo da hora do dia ou mesmo do local. Um cliente pode alternar entre um segmento e outro no mesmo dia.

3. A emancipação dos clientes não é contemplada. Os clientes não são mais passivos e agora interagem ativamente com as marcas, o que faz com que a comunicação de cima para baixo das marcas não seja mais suficiente. Os consumidores se transformaram em “prosumidores”: selecionam ofertas que se adaptam bem às suas necessidades, optam por produtos ou serviços que parecem ter sido pensados para eles, além de os desenhar sempre que possível e, por fim, até os customizar quando necessário. Eles exigem soluções sob medida e uma experiência personalizada de cliente que a microssegmentação não consegue oferecer.

A armadilha mais perigosa

Imagine a seguinte situação: você trabalha em uma grande multinacional e precisa viajar para diferentes estados. A agenda está cheia e, talvez, seja preciso estar em três capitais diferentes na mesma semana. As passagens áreas certamente vão custar caro – talvez alguns milhares de reais por uma poltrona econômica. Mas a empresa onde você trabalha pode arcar com o investimento. Então, não é preciso se preocupar.

O problema chega depois. Quando for tentar tirar férias com a família, é possível que a mesma companhia aérea cobre um valor mais alto do que o normal. Ainda que a compra seja realizada com antecedência. Isso porque ela identificou o seu perfil como alguém que provavelmente desfruta de alta remuneração e está disposto a pagar mais. É a customização atuando exclusivamente em favor do lucro – sem levar em conta a experiência realidade do usuário.

Esse caso levanta um questionamento importante. O consumidor dá o consentimento para o compartilhamento de um conjunto de dados inúmeras vezes ao longo da vida. Mas será que tem noção do quanto se pode ir longe com essas informações? É provável que não. Quando falamos de personalização, o céu é o limite. Essa afirmação pode ser bastante positiva. A menos que saiamos do campo da hiperpersonalização e entremos no terreno da intimidade.

Um modelo “preditivo”?

Um case famoso que envolveu a Target é um exemplo interessante. Em 2012, a equipe de analytics desta que é uma das maiores varejistas dos EUA notou que havia certo padrão de consumo no evento de uma gravidez. Loções sem essência, sabonetes sem cheiro e suplementos alimentares faziam parte dos produtos que mulheres grávidas costumavam comprar. Ao mapear esse comportamento, era possível estimar a probabilidade de gravidez (de 0% a 100%) e até mesmo descobrir o estágio (em semanas) da gestação.

A partir disso, a Target enviava cupons de desconto e ofertas exclusivas para as possíveis mamães. A empresa conseguiu criar um modelo preditivo de enorme utilidade. Por outro lado, uma situação constrangedora mostrou que essa forma de estatística também poderia gerar desconforto.

Um pai enfurecido de Minneapolis entrou em contato com a varejista. O motivo? Sua filha, ainda adolescente, estava recebendo anúncios de roupas para gestantes e móveis para recém-nascidos. Segundo o homem, a comunicação poderia servir de incentivo à gravidez precoce. No entanto, com o tempo, descobriu-se que a menina realmente estava grávida.

Depois do incidente, a Target decidiu transformar sua estratégia de segmentação. A empresa passou a combinar a oferta de produtos relacionados com o momento de vida do cliente com outros que não tinham nenhum vínculo aparente. Dessa maneira, o consumidor perceberia a publicidade de maneira mais natural e, acima de tudo, menos intrusiva. Como resultado, a empresa percebeu uma maior intenção de compra.

Hiperpersonalização e ciclo de vida

A verdade é que a hiperpersonalização da jornada se mostrou inadequada a partir do momento em que feriu a intimidade daquela família. Construir soluções sob medida para os consumidores não pode atropelar o andamento dos fatos. O relacionamento com o cliente deve estar baseado na relação comercial, nada mais do que isso. Mesmo que a tecnologia seja capaz de lidar com toneladas e toneladas de informação, o acontecimento também comprova a importância da ação humana. Esse é o ponto crucial na era da hiperpersonalização.

Embora tenhamos dito que os consumidores mudaram muito, o consumidor, em essência, não muda. O que é atualizado de tempos em tempos é seu conceito de conveniência. Este ora está associado ao preço, ora ao tempo de entrega, ora aos atributos da marca. Vai variando a equação e o rol de variáveis que ela combina.

Quarenta anos atrás, o conveniente era ter o que você precisava o mais perto possível. No armazém da esquina, o Seu Manoel poderia conhecê-lo pelo nome. Talvez saber o que você gosta de comprar aos fins de semana, até mesmo abrir uma conta que viria a ser fechada apenas no fim do mês. Havia uma certa personalização a nível individual. Isso porque Seu Manoel conseguia dar conta da sua clientela.

Com a crescente urbanização das cidades, nasce o conceito de hipermercado (ou a cultura do One Stop Shop). A partir desse momento, a conveniência ficou associada à atratividade do preço, bem como ao sortimento de produtos e à economia de tempo, mesmo com a personalização caindo por terra. Agora, a megaloja deixou de ter charme, e a ideia do que é conveniente mudou mais uma vez.

O varejista, que nunca perdeu a vontade de atender individualmente, agora tem como fazer isso. O marketing, que nunca perdeu a vontade de personalizar, agora está recuperando a capacidade de fazê-lo com uma gestão orientada por dados e apoiada em tecnologia. E é por isso que nove entre dez profissionais acreditam que o marketing personalizado representa o futuro.

O Fórum: A era da hiperpersonalização é uma coprodução de MIT Sloan Review Brasil e Capgemini.

Se você deseja falar com um dos especialistas Capgemini, entre em contato aqui.

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Autoria

Mauricio Andrade de Paula

É diretor de soluções para as indústrias de varejo e bens de consumo na Capgemini Brasil e Argentina. Atua também como diretor vogal do Ibevar, liderando o comitê de varejo digital. Professor na FIA e na UniUDOP, graduado em engenharia eletrônica, com pós-graduação em criatividade e inovação e MBA em tecnologia, possui vasta experiência construída através de funções de liderança em empresas nacionais e estrangeiras.

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