Sua empresa tem head de futuros inclusivos? A FA.VELA tem – João Souza – e, neste artigo, ele escreve sobre uma nova visão de transformação digital, importante para todos, você inclusive
“Polegares opositores”. A evolução humana como espécie é marcada pelo impacto direto do surgimento de polegares opositores – sabe o “joinha”?
Dele que estamos falando. Mas de lá pra cá a gente começou a usar teclados, mouses, mesas digitalizadoras e telas. Sim, telas; hoje elas estão por toda parte. Do painel do elevador aos nossos bolsos com os smartphones – companheiros de vida, trabalho, diversão – e também plataformas digitais atualmente.
Mas toda essa (r)evolução tecnológica como fenômeno antropológico deixa o que os evolucionistas chamariam de “elo perdido”. Um estudo realizado com 37 mil voluntários em 2019 por pesquisadores da universidades de Aalto (Finlândia), Cambridge (Reino Unido) e ETH de Zurique (Suíça), mostrou como o uso de polegares na era digital está redefinindo nosso modo de pensar e também fala da forma como as gerações não “nativas digitais”, como baby-boomers e a geração X, que hoje estão com seus 40-60 anos ainda seguem usando seus indicadores para tocar, digitar e o gostoso “swipe” (passar pro lado), tão presente em posts de redes sociais e sites.
É sério, gente! Eu tenho 39 anos, faço quarentão este ano. Nascido em 1980, eu sou um “link” entre gerações. Quando eu tinha 14 anos a internet começou a bombar no Brasil. Bate-papo da Aol, ICQ (MirC para os saudosos) e o (ainda resistente) bate-papo do Uol eram febre e o que podemos chamar aqui de “primeiro marco da transformação digital brasileira”, na perspectiva sociológica mesmo. Me lembro que eu tinha uma motocicleta, modelo RD 250 da Yamaha e, para um jovem da minha geração com 18 anos, eu tinha alcançado o auge, mas o nerd em mim era mais forte do que pensei. Contrariando todas as estatísticas e conselhos de amigos, lá fui eu anunciar no jornal a venda da minha motoca. Lembro que, à época, era muito comum aqui em Belo Horizonte terem uns galpões que vendiam peças de computadores para montagem.
Nesse período eu trabalhava como ajudante de um tio que fazia instalação de portões eletrônicos, interfones e manutenções em telefonia, e com a ajuda dele, que já tinha tido a experiência de montar sua primeira máquina, eu fiz a melhor lista de componentes que um jovem nerd da favela poderia sequer sonhar e fomos lá fazer a tão sonhada compra.
Se me arrependo da escolha entre a moto e o primeiro PC?
Tô aqui escrevendo para vocês sobre transformação digital, né? Já dá pra imaginar como meus caminhos seguiram.
Dados de acesso à internet no Brasil
De lá para cá, a internet virou ADSL, 2G, 3G, fibra óptica e a “unicorniosa” 5G, esbarrando na questão do acesso de uma internet “quase discada”. Gerações como os boomers, “Xís” e a minha Z são a base da sociedade digital de hoje, como consumidores, fornecedores e sem uma inclusão digital efetiva.
Segundo dados da pesquisa contínua _Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC_ (2018) do PNAD/IBGE, divulgada no último dia 29 de maio, uma em cada 5 pessoas não tem acesso à internet no Brasil, um número aproximado de quase 50 milhões de brasileiros. Não estamos falando da precariedade de acesso, mas nenhum mesmo. O estudo também apresenta dados relevantes sobre o número de pessoas que fazem acesso somente pelos smartphones – lembra do “joinha”? Polegares a postos…
O maior desafio para o processo de transformação digital é a inclusão multidimensional, que trata de desigualdades analógicas e reforça as digitais. Um cenário como a pandemia ao Covid-19 expôs diversas desigualdades sociais do Brasil, relacionadas à pobreza multidimensional – que inclui necessidades básicas de saneamento, alimentação e acesso a saúde básica – mas também à conectividade e internet. Item básico no pensar a cesta básica do século 21 na vida dos brasileiros.
Transformação digital inclusiva “João, espera aí… Você está dizendo que não existem oportunidades no campo da economia digital?” Muito pelo contrário, acredito que os dados e pontos apresentados acima mostram que existem mais que oportunidades de negócios com mais valor social. É também um momento em que o isolamento social faz surgir e acelerar mudanças na forma como navegamos por novas economias. Em especial a digital, que na perspectiva do impacto social positivo e sistêmico tem um longo caminho pelo vale das desigualdades analógicas.
Isso traz também a urgência de um debate sobre o campo dos negócios digitais, na perspectiva da transformação digital inclusiva. Toda construção de um modelo de negócios digitais sem este olhar do acesso é falho. Vivemos numa sociedade de consumo que é convertido em inclusão. Estamos falando de oportunidades de crescimento sustentável de toda uma cadeia de valor compartilhada, de acelerar a inclusão digital plena de semi-analfabetos digitais no uso, de profissionais no campo do desenvolvimento técnico destas soluções com linguagens e interfaces acessíveis a nativos e não nativos digitais. Acredito que haja espaço para diversas ações colaborativas, consorciadas e individuais integrando setor privado, público e sociedade. O FA.VELA, negócio de impacto no qual sou fundador e hoje estou como head de futuros inclusivos, tem foco de atuação no campo da pesquisa, inovação social e transformação por meio da educação e aprendizagem inclusiva. No atual cenário de isolamento social, estamos tendo a oportunidade de construir um programa de transformação digital inclusiva para nano e microempreendedores com o FA.VELA Escola Digital. Desde 2018, quando criamos o programa, identificamos a necessidade de oferecer ferramentas, mentorias e pequenas consultorias para os empreendedores que já haviam passado pelos nossos processos de pré-aceleração e aceleração. Um dos paradigmas que a gente vem debatendo e validando hipóteses para criar caminhos inclusivos é o da “digitalização” versus “transformação digital”; numa última live com os empreendedores fizemos o debate “Ser digital é para todo mundo?!” Muitos deles estão sendo forçados por necessidade de manutenção e sobrevivência de seus negócios a se inserir ou ampliar sua presença digital, para além de também se adaptar às não tão novas tecnologias. Para os nativos digitais elas já são o passado, mas para uma grande massa de pequenas empreendedoras e empreendedores é o surgimento do “polegar opositor”. A gente tem observado também o crescimento de negócios das plataformas digitais que oferecem o marketplace e também a logística entre produtos/serviços e o consumidor final. São oportunidade para digitalização do processo de vendas de pequenos empreendedores, que ainda ficam com a dificuldade de lidar com as questões mais analógicas de seus negócios no dia a dia, seja de matéria-prima a mão de obra quando a demanda aumenta com as novas demandas. São essas pontes que queremos construir, criando ambientes saudáveis entre o produzir analógico e o ofertar digital.
É disso que se trata a transformação digital inclusiva, não apenas como conceito ou causa da qual fazemos um advocacy no FA.VELA, mas com olhar atento à aplicabilidade e diversidade de gerações, acessos e necessidades reais.
Pequenas e médias organizações também têm suas dores com este processo. Nós mesmos aqui no FA.VELA tivemos que acelerar muito este processo da digitalização, com olhar atento à transformação digital no nosso modelo de negócio (que vai das entregas e ofertas que fazemos aos nossos públicos a colocar nossas rotinas de trabalho institucionais e dos projetos com um @ na operação). A gente vira meio que “faz tudo”: aprende, aplica, adapta, ensina… Repeat!
“Shoppers” e outras profissões
Outra coisa legal que tenho observado é que a transformação digital como fenômeno tem impactado no surgimento de novos postos de trabalho, que se reinventam ou nascem. Outro dia mesmo estava em um supermercado aqui de Belo Horizonte observando uma quantidade imensa de jovens com jaquetas iguais e com seus smartphones à toda nos “polegares opositores” (rs). Para quem não conhece, estou falando dos “shoppers” ou compradores, que hoje estão presentes nas maiorias das plataformas de pick-up e delivery.
Engraçado esse termo “shopper”, porque na minha época eu era apenas o neto da minha avó ou o filho da minha mãe que ouvia:
“Olha só, presta atenção… Você vai comprar 1 litro de leite e 1 pacote de café 3 corações, viu! Não traz do outro que eu não gosto. E confere o troco. Ah, pode comprar uma bala pra você.” Hoje, falando de certa perspectiva, futuro do trabalho é uma profissão. Eu ali, um menino de recado, hoje seria um “shopper”. Pensando agora aqui, acho que vou colocar no meu LinkedIn.
Com a tecnologia, este processo hoje é uma oportunidade de trabalho, que no cenário do isolamento social vira uma demanda e que no pré e pós pandemia é um serviço que atende a uma parcela da população com mobilidade reduzida por motivos de doença e/ou deficiências, mas também a correria do dia a dia que nos deixa com pouco tempo.
Acredito que ainda existam muitos caminhos a se olhar no que concerne às oportunidades da transformação digital, e claro, pensar a construção coletiva de como queremos que ela impacte social e economicamente o todo. O aumento considerável do acesso à internet e gerações já nascidas digitais nos mostram caminhos do mercado e potencial de crescimento das oportunidades do surgimento de novos negócios. Mas como este acesso é feito e a quem ele contempla são ainda desafios, não só de empresas e startups que puxam fortemente o movimento da economia digital, mas também de profissionais com olhar e sensibilidade para entender fatores sociológicos e antropológicos destas evoluções.
Tem se falado muito de democracia digital, mas será que já temos a cidadania digital? Essa é uma das perguntas que estou engajado em buscar respostas coletivamente usando meus “polegares opositores”.
E você? Já se transformou digitalmente hoje?