
A pesquisa "DEI sob pressão" escancara o descompasso entre intenção e ação nas empresas brasileiras e evidencia a urgência de uma cultura inclusiva real
Diversidade, equidade e inclusão (DEI) nunca estiveram tão expostas às tensões do presente. Em um contexto sociopolítico polarizado, muitas lideranças organizacionais encontram-se diante de um dilema: manter a coerência com valores de inclusão ou ceder à pressão externa e reverter avanços?
A pesquisa “DEI sob pressão: adaptar, resistir ou desistir?“, liderada pela TeamHub, ouviu 120 lideranças empresariais brasileiras para entender como está a percepção e a prática em torno da pauta. Conselheiros, presidentes e diretores revelaram um cenário de contradições: embora 85% dos respondentes reconheçam DEI como estratégico para a inovação, uma parte significativa ainda não transformou esse discurso em ação.
Não se trata mais de perguntar se DEI é importante, mas de compreender por que tantos reconhecem seu valor e, ainda assim, hesitam em implementá-la de forma consistente. O abismo entre narrativa e prática escancara um paradoxo corporativo que enfraquece a legitimidade institucional. Quando 23% das empresas afirmam que DEI não é prioridade estratégica e 16,6% dos líderes sequer sabem responder, o que está em jogo não é apenas uma política, é o futuro da cultura organizacional.
Nessa mesma direção, a ausência de políticas formais em 23% das organizações — e em 50% no setor da saúde — revela que, apesar do discurso avançado, a prática ainda é frágil. A formalização não é um fim, mas um marco de comprometimento. Quando ela não ocorre, o que se tem são esforços pontuais e sujeitos à mudança de ventos políticos ou lideranças.
O movimento anti-woke, embora muitas vezes tratado como uma questão externa, já produz efeitos internos. Se 42,5% das empresas ajustam suas práticas diante das pressões sociais e políticas, e outras 40,83% permanecem inertes, o que se evidencia é uma divisão estrutural no tecido empresarial brasileiro. Essa polarização cria ambientes incertos, em que a neutralidade é usada como escudo. Mas a verdade é que a neutralidade, em tempos de crise, tem lado: o da omissão.
A resistência à diversidade tem muito a ver com dinâmicas de poder. Pautas raciais, por exemplo, raramente estão no centro das decisões estratégicas. Ao contrário, são frequentemente tratadas como questões periféricas ou sensíveis demais para serem enfrentadas com transparência. O que está em jogo não é apenas a representação, mas a redistribuição simbólica e material de poder dentro das estruturas organizacionais. E isso incomoda.
A fragilidade também se manifesta na governança da reputação. Apenas pouco mais da metade das empresas discute com regularidade os riscos associados ao posicionamento (ou à ausência dele) em DEI. É como se navegássemos um mar revolto sem considerar a possibilidade de tempestade. E nesse ponto, empresas sem estruturas formais para a diversidade também são as que menos discutem riscos reputacionais. É um círculo vicioso: onde não há prioridade, não há prevenção.
A liderança é um dos pontos de inflexão mais críticos. Se 45,83% se sentem despreparados para lidar com resistências, é sinal de que a transformação precisa começar do topo. Não basta inserir DEI em manuais ou programas: é preciso formar lideranças aptas a sustentar essa agenda diante das adversidades. O setor de tecnologia, por exemplo, mostra que a capacidade de inovar não garante maturidade inclusiva. É um retrato do descompasso entre avanços técnicos e estagnação humanizada.
Se o preparo é escasso, a comunicação é ainda mais: 34,17% das empresas não comunicam com clareza suas práticas de diversidade, equidade e inclusão. Quando isso ocorre, a empresa corre o risco de ser percebida como incoerente, ou pior, indiferente. Comunicar é se posicionar. E a ausência de voz, em tempos de posicionamento, é um ruído.
O estudo não apenas mapeia os desafios — ele os nomeia. Mostra uma resistência estrutural da alta gestão, uma cultura conservadora enraizada, dificuldade de conectar DEI aos indicadores de negócio, escassez de talentos diversos e falta de estrutura e continuidade. Tudo isso amparado por uma comunicação desconectada da cultura.
Mas há também um horizonte de possibilidades para aquelas que escolhem seguir firmes, mesmo quando os ventos são contrários. As empresas que mantêm a coerência fortalecem sua reputação, aumentam sua capacidade de inovação e constroem ambientes mais seguros para talentos diversos prosperarem. A resiliência reputacional se torna não apenas uma defesa, mas um ativo estratégico.
O futuro não é neutro. E as empresas que hoje escolhem se posicionar com coragem estarão mais bem preparadas para os próximos ciclos.
Como canta Gilberto Gil: “Queremos viver confiantes no futuro”. Para isso, é necessário compromisso e intencionalidade. E intencionalidade, em tempos de incerteza, é a mais revolucionária das estratégias.