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Futuro

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Reforma longa, cobertor curto

Para falar de Previdência, é preciso falar de automação e a uberização do emprego. Como se concebe uma rede de proteção sólida em um mundo líquido?

Herman Bessler

10 de Julho

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Artigo Reforma longa, cobertor curto

A existência da reforma da Previdência prescinde de defesa. Desacelerar o ritmo de crescimento do déficit a fim de prevenir um colapso fiscal de proporções épicas é suficiente.  Problemático é o cobertor curto da proposta: resolve hoje o problema de ontem, mas deixa o de hoje para amanhã. Pensa, corretamente, na conta da inversão demográfica - há cada vez mais inativos, o que significa aumento nos gastos com aposentadoria e menos receita da contribuição laboral - mas não vislumbra a “uberização” do emprego e a automação em massa. 

“Uberização” é como apelidamos o fenômeno da terceirização e do aumento de autônomos na chamada economia freelancer, ou “economia gig”, na qual contratam-se tarefas sob demanda. Plataformas de serviço como Uber, 99 e ifood já são, sob ótica agregada, o maior “patrão” do país. Os profissionais não são efetivamente empregados, não contribuem com o INSS e têm ganhos reduzidos, truncando o sistema de capitalização. Os efeitos? Precarização, instabilidade e rotatividade. Autônomos são hoje 23% da força de trabalho, número que cresce a galope.  Somos 8,2 milhões de empresas, das quais 4,2 milhões não possuem empregados. Nesses casos, as relações empregatícias viraram relações empresariais.

Além da uberização do trabalho, temos a automação. A tecnologia sempre trouxe ganhos de eficiência, choques de oferta e menos trabalho braçal. Saltos de produtividade deslocaram humanos de suas funções e fizeram florescer a prática da arte, religião, política, esportes e ciência. Nos últimos 50 anos, fábricas robotizadas cortaram milhões de posições, mas no mesmo ritmo emergiram novas carreiras, com as indústrias criativas e o setor de serviços cobrindo a diferença de posições. 

Agora é diferente. Com uso de inteligência artificial, software bots são capazes de aprender e já substituem contadores, médicos e advogados, assim como funções da indústria de transporte, a que mais emprega no planeta. No varejo, vemos a ascensão de modelos de consumo desassistido (self-checkout) e da compra online. A velocidade da obsolescência humana é que assusta. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) falam no fim de algo entre 30% e 40% dos empregos nas próximas décadas. A substituição será completa ou parcial em funções de baixa e média qualificação, o que agrava a situação de países emergentes como o Brasil. Em especial pelo protagonismo de setores passíveis de automação a baixo custo como agronegócio, óleo & gás, varejo e finanças, por exemplo. 

Desempregados, como se sabe, não contribuem com a Previdência Social. Aqui temos 13,4 milhões deles, mas sobram vagas no setor tecnológico. A velocidade das mudanças do mundo digital supera a capacidade de reação política. 

A reforma proposta tem suas virtudes, como o ataque a privilégios outrora intocáveis e o equilíbrio do déficit no médio prazo por mecanismos sensatos. No entanto, peca em não vislumbrar os impactos sociológicos e antropológicos – disciplinas ironizadas pelo presidente em infeliz tweet recente dos avanços tecnológicos no trabalho. 

Há quem proponha o financiamento da diferença com o aumento radical do imposto sobre herança, que aqui é o menor do mundo, e a taxação de grandes fortunas ou dividendos. E não faltam especialistas para levantar a bandeira da renda básica universal (UBI). A questão central que afeta milllenials e geração Z  permanece: como conceber uma rede de proteção social sólida, em um mundo onde o trabalho é líquido?

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Autoria

Herman Bessler

Herman Bessler é estrategista, empreendedor em série e fundador do Templo.cc, da Malha.cc e do Journey.cc. Entre 2018 e 2019 foi diretor do RioCriativo incluindo o programa de incubação de startups e a formação de mais de 10.000 empreendedores criativos em 13 cidades. Hoje, é facilitador, advisor e diretor-executivo do grupo Templo.cc.

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