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A geopolítica dos alimentos (parte 1 de 3)

Na primeira parte da nossa trilogia, falaremos neste artigo sobre os principais riscos geopolíticos que envolve a indústria de alimentos, detalhando seus impactos e causas principais

Colunista Suelen Schneider

Suelen Schneider

03 de Março

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Artigo A geopolítica dos alimentos (parte 1 de 3)

Tensões e disputas entre governos, barreiras protecionistas, oscilações de preços e falta de alimentos para pessoas e povos que mais precisam. Essa lista corresponde às consequências de uma geopolítica dos alimentos mal executada. No entanto, antes de aprofundarmos a discussão sobre o tema, precisamos levantar uma pergunta essencial: afinal, o que são riscos geopolíticos?

Apesar do nome, geopolítica não é um fenômeno meramente político. Na verdade, geopolítica é um jogo orquestrado por diversos atores, como os líderes políticos, governamentais, de organizações e de corporações. Nesse jogo, eles acessam informações diversas e testam como suas ações podem afetar uns aos outros.

Comparativamente, geopolítica funciona como um grande tabuleiro de xadrez: os atores fazem suas jogadas, testam suas estratégias e analisam as reações e possíveis impactos. A diferença é que, em vez de dois jogadores, esse tabuleiro tem espaço para inúmeros. Assim, alianças e acordos são importantes para conseguir hegemonia e, às vezes, um xeque-mate.

Apesar de o jogo ser interessante, quase atraente sob a perspectiva político-organizacional, ele traz diversos riscos, relacionados às guerras declaradas ou veladas, aos atos terroristas, às tensões entre países, aos bloqueios e sanções.

Um país sempre lutará tanto pelos interesses de riqueza e poder quanto pelo bem-estar da população. Assim como uma organização privada lutará pelos interesses de rentabilidade e de seus acionistas.

Entretanto, quando esses atores não se organizam na tentativa de buscar um denominador comum, a balança penderá para algum lado. Quando isso ocorre, alguém sai perdendo. Quem sofre as consequências de tudo isso? A sociedade e, principalmente, os menos favorecidos.

Como é esse mapa

Mas o que isso tem a ver com a indústria dos alimentos? A resposta curta é: tudo, e os impactos são grandes. Afinal, alimentação é necessidade básica para sobrevivência e para o avanço de qualquer nação. Sem pessoas saudáveis, não há sustentabilidade de produção, não há consumo e não há geração de riqueza. Portanto, não há relação de poder. Essa é uma resposta curta e direta.

No entanto, para as pessoas que trabalham com essa indústria, ou que buscam uma resposta plena para o tema, precisamos avaliar todos os motores do “sistema dos alimentos”, apresentado na figura abaixo. A imagem foi adaptada por esta autora a partir das informações do Food System Dashboard (GAIN & Johns Hopkins University).

Sistema dos alimentos

Compõem o sistema econômico interno dos alimentos: a cadeia de suprimentos, os ambientes alimentares (ou ambientes de vendas), razões individuais, o comportamento dos consumidores e as dietas seguidas por esses.

Nesse sistema, a configuração da cadeia de suprimentos em conjunto com os ambientes de vendas são influenciados pelos fatores relacionados ao consumidor, como motivações individuais, comportamentos e dietas. De um lado, vemos a demanda, determinada por esses consumidores e que sofrem influência dos elementos a eles relacionados. Do outro, a oferta, dada pela cadeia de suprimentos e pelos ambientes alimentares.

Num sistema econômico simples, que desconsidera fatores externos, a relação entre oferta e demanda é autorregulada, equilibrando capacidades de produção com necessidade de produtos.

Entretanto, não vivemos neste mundo mágico. Estamos inseridos num mundo complexo, influenciado também por condições externas. Nesse sentido, o sistema dos alimentos sofre interferências diversas, como: mudanças climáticas, efeitos da globalização e dos acordos comerciais, crescimento e distribuição de renda, urbanização, crescimento e migração populacional, políticas governamentais, lideranças (dos setores público e privado) e contexto sociocultural.

Variação nesses fatores desequilibram o sistema, ocasionando falta de alimentos em algumas regiões e excesso em outras. Esse desequilíbrio impacta os preços dos alimentos e, por consequência, a acessibilidade à nutrição adequada fica comprometida para parte da população.

Riscos reais

Os riscos da geopolítica dos alimentos são reais e estão presentes em diversos contextos mundiais atuais. Vamos analisar alguns dos casos existentes:

Crescimento populacional: há diversos países onde a necessidade de alimentos é maior que a produção. Um exemplo relevante é a China, que não consegue produzir todo o alimento de que necessita. Por isso, o país mais populoso do mundo estabelece acordos de importação de alimentos com outros países. O Brasil é um de seus parceiros comerciais para o fornecimento de produtos agrícolas – base da cadeia produtiva de alimentos. Um risco geopolítico que a China sofra, por eventuais tensões ou desentendimentos com seus parceiros, pode motivar a ruptura do fornecimento.

Guerras: Em 2019, os efeitos de guerras recorrentes no Sudão e no Iêmen deslocaram milhares de pessoas para a faixa da fome. Quando há conflitos desta natureza em países, vias de acessos são destruídas ou bloqueadas, plantações são dizimadas. Como consequência, o alimento não chega às pessoas que mais necessitam. As guerras têm dois grandes impactos: a desnutrição ou morte de pessoas e a redução de parte das atividades industriais. Quando um país importa seus alimentos, há também impacto no país exportador.

Impactos climáticos: o clima, combinado com acesso à água, impacta diretamente as atividades agrícolas, podendo reduzir drasticamente a produtividade ou ainda inviabilizar uma produção. Esse fenômeno pode ser agravado quando o país não possui infraestrutura adequada ou tecnologia. São exemplos de países que apresentam esses riscos a Índia e alguns do Oriente Médio. Para mitigar esses efeitos, os países partem para a importação. O Oriente Médio, por exemplo, é grande importador de carne de frango brasileira. Com a iminente piora do aquecimento global, os riscos geopolíticos tendem a se agravar.

Sanidade: as gripes aviárias, gripe suína e, mais recentemente, a pandemia da Covid-19 são exemplos de crises sanitárias que ameaçam o fornecimento dos alimentos. Relembrando o início de 2020, os portos chineses fecharam, interrompendo a importação de alimentos, unidades fabris ao redor do mundo (inclusive no Brasil) decretaram férias coletivas ou reduziram produções. Houve descompasso entre abastecimento e entrega dos alimentos aos supermercados e, ainda hoje, estamos sofrendo impactos de preços, sobretudo nas commodities agrícolas.

Outra consequência dos riscos geopolíticos dos alimentos, mais grave e difícil de ser tratada, é a insegurança alimentar, já observada em outro artigo desta coluna.

Oportunidades emergem dos riscos

Riscos geopolíticos sempre existirão. Os líderes governamentais e do setor privado precisam ajustar suas lentes para enxergar o meio copo cheio e agir de maneira proativa. Sempre que há um problema, oportunidades emergem.

O crescimento populacional, por exemplo, cria oportunidades para que o setor privado produza mais, expandindo suas capacidades, criando empregos e gerando riquezas. Os impactos climáticos, por sua vez, abrem as portas para que os inovadores tragam opções de aumento de produtividade ou alternativas para o tradicional plantio agrícola.

As possibilidades são inúmeras, mas, para enxergá-las, é preciso ajustar as lentes e mudar a postura.

Na próxima coluna, na segunda parte da nossa trilogia: uma discussão analítica sobre a configuração da produção mundial dos alimentos.

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Autoria

Colunista Suelen Schneider

Suelen Schneider

Especialista em liderança, estratégias e operações. Suelen Schneider tem experiência de mais de 20 anos, onde ocupou posições-chave de liderança em uma das maiores empresas do Brasil. Hoje, é consultora empresarial e mentora de líderes na empresa que ajudou a fundar, a MultiConcept. Suelen é doutoranda em Liderança e Mudanças Globais pela Pepperdine na Califórnia, tem mestrado pela FGV e especializações pela University of Califórnia em Irvine, Indian Institute of Management Bangalore na Índia, Yale School of Management nos EUA e Koç Universiti na Turquia. Já conduziu diversas pesquisas relacionadas ao futuro da liderança, participação feminina na liderança e inclusão.

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