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Inovação

8 min de leitura

Sistemas imunológicos contra a inovação

Bem-vindos ao sistema imunológico organizacional, que luta constantemente para deixar as posições, os processos e as pessoas estagnadas; contudo, neste artigo, apresento também os antídotos em prol da inovação

Colunista Juliana Proserpio

Juliana Proserpio

19 de Agosto

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Artigo Sistemas imunológicos contra a inovação

Já faz algum tempo que o mundo da inovação fala da resistência das organizações à inovação, uma espécie de resposta do sistema imunológico lutando contra um corpo estranho. Pense, se uma organização é vista como um ser vivo, onde os seus colaboradores são as células que trabalham por manter aquele sistema vivo, as mudanças (vindas de fora ou até de dentro) são observadas como um corpo estranho que deve ser barrado e expelido.

Trabalho com inovação há anos, e todo o início de projeto vejo o mesmo filme passando na minha frente e as mesmas barreiras de inovação acontecendo. O engraçado é que não importa a indústria e o tamanho da empresa, ou se é uma empresa privada, pública, de produto ou de serviço, as barreiras sempre seguem o mesmo padrão.

Uma coisa que tenho percebido é que a inovação não acontece por falta de vontade dos colaboradores, ou dos seus gestores. Os líderes muitas vezes estão animados e entusiasmados em fazer acontecer, mas conforme o projeto ou a iniciativa vai se tornando realidade, o sistema imunológico começa a agir e se torna maior do que o ensejo de mudança. Neste último mês, por exemplo, comecei um projeto novo aqui na Austrália, onde resido. Logo que começamos as primeiras interações com o time, essas mesmas barreiras apareceram.

Ações do sistema imunológico anti-inovação

Vou contar uma história abaixo para ilustrar o cenário, se você se reconhecer, não assuste, isso é o que venho encontrando na maioria das organizações do Brasil, de Singapura, Austrália, entre outros países. Aliás, nós brasileiros não precisamos ter síndrome de vira-lata. Esses problemas acontecem em todo lugar. No entanto, podemos aprender, reconhecer os desafios e agir para contê-los e superá-los. Feito esse registro, vamos para a história:

Depois de muito esforço e alinhamento interno, a sua área finalmente conseguiu juntar esforços e puxar uma iniciativa de inovação. O escopo da iniciativa está bem definido e a estratégia para fazer a inovação acontecer também. A iniciativa começa, está todo muito entusiasmado e aberto para experimentar processos novos, mas de repente parece que pisamos no calo de alguém (ou de todo mundo?) e aquele projeto que era uma iniciativa que ia mudar as coisas como fazemos por aqui se torna um incômodo, que está forçando muitas mudanças que não são possíveis de acontecer por aqui.

Aos poucos o projeto perde força, ainda ficam alguns entusiastas tentando fazer o projeto acontecer, mas depois de um tempo a iniciativa morre e tudo o que se tentava mudar se torna ainda mais difícil porque a iniciativa "não deu certo". Essa é a história do sistema imunológico organizacional.

Barreiras contra a inovação

Vou descrever abaixo, quais são as principais barreiras de inovação que encontramos. Em seguida, descrevo algumas estratégias para que você possa superar esses desafios.

1. Medo de constrangimento

Num projeto de inovação, estamos navegando em um campo totalmente novo. Ou seja, estamos inseridos num cenário de muita ambiguidade. Fomos treinados a trabalhar e saber exatamente o que estamos fazendo, buscando prever o resultado das ações. Num processo de inovação, nós não sabemos o que vai acontecer ou desconhecemos a maioria das respostas. Assim, o colaborador que foi contratado para saber e para performar no seu conhecimento se sente constrangido de estar atuando num projeto onde ultrapassa a sua competência.

2. Medo de ser responsável

Como descrevi acima, no início de um projeto de inovação há muitas incertezas. Para o colaborador, ou para o time, se o projeto der errado, significa que a responsabilidade era de quem estava envolvido na iniciativa. O sistema imunológico então ataca novamente, pois o medo de ser responsável por algo que nunca foi testado prejudica e mina a iniciativa. Em outras palavras, intuitivamente o sistema entende que uma iniciativa pode gerar risco e, caso o projeto dê errado, a ação pode minar a reputação do time ou do colaborador.

3. Desconexão com a estratégia

Normalmente, as pessoas não se importam com aquilo que não traz uma sensação mínima de satisfação. Uma iniciativa de inovação é normalmente algo para além do seu escopo de trabalho tradicional (business as usual), por isso não há conexão ou visão de benefício com o propósito do projeto.

Muitas vezes, vejo times perdidos sem entender o porquê daquela iniciativa ser crucial para o modelo de negócio ou para a melhoria dos processos e serviços oferecidos pela organização. A visão limitada e enviesada de um modelo mais industrial, que segmenta o trabalho em partes, acaba deixando quem está dentro da organização míope, portanto, desconectado com as possibilidades, oportunidades ou ameaças que o negócio está sofrendo.

Se o projeto não traz benefício direto para o seu escopo de trabalho ou sobre como a sua performance de trabalho é medida, não há conexão estratégica. Desse modo, quando se encontra a primeira pedra no caminho, a iniciativa que era supostamente divertida e interessante se torna um fardo.

4. Em time que está ganhando não se mexe

O sucesso nos traz uma sensação de segurança e invencibilidade. Muitas vezes, o maior problema de uma organização é o seu sucesso, pois o sucesso reforça a ideia de manter as coisas como estão. Não estou dizendo para jogar tudo para os ares. É importante manter aquilo que está funcionando bem, mas dentro daquilo que está funcionando bem, o que podemos melhorar? E ainda dentro do seu sistema, o que realmente é o fator de sucesso e quais são todos os outros pontos que podemos inovar e nos diferenciar ainda mais?

As barreiras acima demonstram que o seu time tem um baixo nível de autonomia e confiança. Provavelmente, esse time é bem tático e está acostumado a operar tarefas muito bem descritas. Durante o exercício criativo da iniciativa de inovação, eles sentiram que não podiam cometer erros. O experimento que deveria ser encantador e divertido, logo se tornou muito próximo da realidade e então o time volta a fazer as coisas como faziam antes. A confiança diminui e então começaram a buscar aprovações e encontrar alguém que seja responsável para lhes dar permissão para realizar as diferentes tarefas e abordagens que lhes foi solicitada.

Antídotos em prol da inovação

No projeto que comecei há mais ou menos um mês, três desses fatores estavam acontecendo. Você provavelmente vai se reconhecer em um deles. Agora que já conhecemos algumas barreiras comuns à inovação, vou trazer três antídotos. Os dois primeiros são opostos entre si. Portanto, analise o que pode funcionar melhor dentro da sua organização.

1. Disciplina para a inovação

Criar uma disciplina para a inovação pode parecer um pouco estranho, pois inovar significa fazer diferente. Entretanto, a disciplina na inovação não significa enrijecer processos, mas criar um sistema que dê resiliência para que se ultrapasse as barreiras da inovação.

Crie limites e estruturas específicas para os processos de inovação para que o seu time se sinta seguro durante o processo. Treine a sua confiança criativa e comece pequeno nas iniciativas.

Esse modelo é mais interessante quando se quer criar um protótipo de inovação mais distribuído, mas que ao mesmo tempo demanda um desenvolvimento contínuo e constante nutrição do time para fazer a inovação acontecer. Nesse modelo, o "músculo da inovação" precisa ser usado e praticado. Essa estratégia, aliás, é usada para forjar um músculo inovador dentro da organização e fomentar a confiança criativa dentro da equipe.

2. Crie um espaço invisível para a inovação acontecer

Criar um espaço invisível significa gerar uma área livre de burocracia e de hierarquia dentro das organizações. Como um espaço invisível, a área trabalha com processos de inovação com liberdade para inovar e agir de forma diferente do resto da organização, permitindo mais experimentações e possíveis falhas.

Somente quando essa área obtém uma solução bem-sucedida, o resultado deve ser promovido internamente para manter a solução protegida dos desafios culturais e processuais do negócio.

3. Criar especulações para além do seu sucesso

Parabéns, seu produto ou serviço é um sucesso, mas para mantê-lo pense nesse sucesso somente como um ponto de sucesso. Investigue o que exatamente está gerando valor e especule caminhos para melhorar todos os outros pontos que não estão indo tão bem. Pense na cadeia de valor do seu negócio, do seu produto e do seu usuário, especulando e "prototipando" ações de inovação. Mexa no time que está ganhando ao identificar o fator específico do sucesso e, em seguida, aumente as possibilidades de sucesso ao testar melhorias e transformações naquilo que não é o fator específico de sucesso.

Tripé da inovação

Com esses antídotos você articulará uma estratégia de inovação e ativando a cultura e processos de inovação, bem como fomentando uma nova solução. Esses fatores são o tripé da inovação.

Você terá que lutar contra o sistema imunológico organizacional. E como bem escreveu o Gary Pisano em seu último livro, Creative construction: the DNA of sustained innovation, a “inovação é uma capacidade que deve ser construída, não comprada. É incrivelmente difícil e muito arriscada. Mas cria valor real e vantagem, alavancando os pontos fortes de uma grande empresa de uma forma que nenhuma pequena startup pode igualar”.

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Autoria

Colunista Juliana Proserpio

Juliana Proserpio

Juliana Proserpio é empreendedora e educadora. Ela é cofundadora e chief design officer da Echos, um laboratório de inovação e suas unidades de negócios, da Echos - Escola Design Thinking - uma escola que coloca a inovação na prática, e da Echos - Innovation Projects, uma consultoria de inovação. De 2011 para cá, Juliana tem trabalhado para desenvolver um ecossistema de inovação e a criação de futuros desejáveis no Brasil, em Portugal e na Austrália, onde reside.

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