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Evolução empresarial 10 min de leitura

Você não precisa de uma estratégia. Você precisa de um portfólio de estratégias

Porque a complexidade dos novos tempos exige líderes capazes de operar múltiplos planos ao mesmo tempo — e abandonar a lógica do pensamento único

Daniel Martin Ely
Você não precisa de uma estratégia. Você precisa de um portfólio de estratégias
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Durante décadas, o pensamento estratégico dominante nos dizia que organizações bem-sucedidas deveriam adotar uma única estratégia vencedora. Era preciso escolher entre liderança em custos ou diferenciação. Defender ou atacar. Crescer ou consolidar. E, naturalmente, planejar de três a cinco anos — como se o futuro fosse uma linha reta previsível e estável.

Essa abordagem trouxe resultados em contextos mais estáticos. Mas esse tempo passou. Hoje, a transformação que enfrentamos não é apenas digital, cultural ou tecnológica. Ela é estratégica. Ou, mais precisamente, multiestratégica. E é essa a provocação que guia este artigo: você não precisa de uma estratégia. Você precisa de um portfólio de estratégias.

A falência da estratégia única

A futurista Amy Webb resume bem o desafio contemporâneo em seu livro The Signals Are Talking (2016): “Estratégia hoje é menos sobre decidir o futuro e mais sobre detectar o presente.”

Em um ambiente de disrupções constantes — sociais, econômicas, regulatórias, ambientais e geopolíticas — estratégias únicas, lineares e de longo prazo tornaram-se insuficientes e até perigosas. Ainda assim, muitos líderes seguem tentando ajustar seus contextos a modelos ultrapassados como SWOT ou análise de gaps.

O problema não está nas ferramentas em si, mas em usá-las como se ainda estivéssemos no mesmo jogo, com as mesmas regras. Mais do que planejar um futuro idealizado, o novo imperativo é detectar os sinais do presente — sutilezas emergentes que já moldam o que virá a seguir. Esses sinais não apenas alertam para ameaças; eles inspiram novas rotas de crescimento. Especialmente quando pensamos em modelos de negócios baseados em ecossistemas empresariais.

Como destaquei em meu artigo anterior na MIT Sloan Review Brasil (“Competição em rede: por que o próximo peixe grande será um ecossistema”), empresas já não competem mais isoladamente. Elas competem como parte de ecossistemas interdependentes — onde colaboração e concorrência coexistem em um mesmo ambiente. E ecossistemas não se guiam por um único plano. Eles exigem múltiplas estratégias operando em paralelo: alianças, fusões, spin-offs, investimentos minoritários, testagens rápidas, governança em rede.

Liderança para um mundo multiestratégico

Essa nova abordagem estratégica demanda também uma nova atitude. Não é mais possível liderar com base apenas na lógica da previsibilidade e do controle. Em o “O Líder em Transformação”, livro que lancei em 2023, proponho uma reflexão sobre uma nova jornada de desenvolvimento para a liderança, estruturada em três pilares:

  • Buscar a autoconsciência — para reconhecer a obsolescência de modelos mentais dominantes;
  • Definir um novo repertório de competências — como fluência digital, visão ecossistêmica, storytelling estratégico e agilidade contextual;
  • Ampliar o portfólio de estratégias — que permita operar com simultaneidade, sustentar tensões criativas e adaptar-se continuamente.

Este artigo aprofunda justamente o terceiro pilar. Porque não é mais possível vencer com um único plano, mesmo que ele tenha funcionado bem no passado. A realidade exige coexistência estratégica: abordagens complementares, contraditórias, experimentais — que precisam de convivência, tempo e contexto para se provar.

Não é mais possível vencer com um único plano, mesmo que ele tenha funcionado bem no passado. A realidade exige coexistência estratégica.

Addiante: um laboratório vivo de múltiplas estratégias

Na RandonCorp, temos vivenciado essa realidade na prática. Um exemplo emblemático foi a criação da Addiante, nossa joint venture com a Gerdau voltada ao mercado de locação de veículos pesados. A Addiante nasceu de uma constatação simples e poderosa: nenhuma das duas empresas, isoladamente, teria a agilidade, a escala ou o modelo operacional necessário para capturar a nova demanda por soluções integradas de mobilidade pesada.

Ao invés de adotar um modelo tradicional de aquisição ou controle majoritário, optamos por uma JV 50%-50%, onde nenhuma parte possui domínio unilateral. Essa decisão estrutural foi o primeiro passo de uma lógica mais ampla: a de operar com flexibilidade estratégica e prioridade situacional. Na prática, embora exista preferência por produtos da marca Randon em implementos rodoviários, a decisão final de qual unidade será locada cabe ao cliente. Isso significa que, dependendo do timing de entrega ou da preferência do operador logístico, a solução pode incluir produtos de outras marcas. O foco saiu da defesa de uma marca isolada e passou para a construção de uma proposta de valor mais robusta, ágil e centrada nas necessidades reais do cliente.

Mais do que uma política comercial, trata-se de uma mudança de mentalidade. Requer competências de orquestração, negociação com múltiplos stakeholders, gestão de marca em um ambiente interdependente e — principalmente — capacidade de conviver com tensões estratégicas sem recorrer ao velho impulso de controle total. 

A Addiante também se conecta com outros parceiros do ecossistema. Um exemplo é a startup Motorista PX, especializada na locação de motoristas e ajudantes. Por meio de uma participação minoritária via Randon Ventures (nosso veículo de Corporate Venture Capital), conseguimos oferecer uma solução de transporte integrada — combinando veículos, gestão e operação — sem precisar verticalizar ou internalizar todo o processo.

Esse tipo de iniciativa não aparece nos planos estratégicos tradicionais. Ela emerge, se adapta e se consolida a partir da interação entre múltiplos agentes, da escuta ativa do mercado e da disposição para atuar em rede. Em outras palavras: é o retrato de um portfólio de estratégias em ação.

O caso Rands e o valor da convivência estratégica

Outro exemplo é a criação da Rands, nossa plataforma de soluções financeiras e digitais. O que começou como um consórcio e banco de montadora, hoje se tornou uma plataforma com mais de 40 soluções integradas para os mercados de transporte, agro, varejo, reposição e outros.

Esse salto não foi linear. Exigiu convivência entre estratégias com níveis distintos de maturidade, desde iniciativas ainda em MVP até plataformas consolidadas com operação de larga escala. Contou também com storytelling estratégico, visão de futuro, e um time com disposição para lidar com ambiguidade — e aprender com ela.

Em muitos momentos, tivemos que equilibrar exploração com eficiência, algo que os professores Charles O’Reilly e Michael Tushman chamam de “ambidestria organizacional”, que é a capacidade de explorar o novo sem destruir o que já funciona.

Casos internacionais: Tencent e a lógica do portfólio em rede

Um exemplo internacional que ilustra bem esse raciocínio é o da Tencent, gigante chinesa da tecnologia. Mais do que uma empresa de produtos, a Tencent atua como um orquestrador de ecossistemas, com um portfólio que inclui desde o superapp WeChat até participações minoritárias em centenas de startups, como Tesla, Epic Games, Reddit, Spotify e Nubank.

Segundo artigo publicado pela McKinsey, a Tencent usa esse portfólio para criar opções em mercados em rápida evolução, reduzindo o risco de depender de uma única via.

O portfólio de estratégias, nesse caso, não é apenas uma prática defensiva. É um mecanismo ativo de criação de futuro.

Reeducar o sistema imunológico da organização

No entanto, operar com múltiplas estratégias exige mais do que processos e estruturas. Exige uma transformação cultural profunda.

Como alertou Clayton Christensen em “The Innovator’s Dilemma (1997)”: “Empresas fracassam não por fazerem coisas erradas, mas por fazerem tudo certo de acordo com sua lógica passada.” 

As corporações, como organismos vivos, possuem um sistema imunológico interno — que tende a rejeitar tudo aquilo que é “diferente demais”. O problema é que, muitas vezes, o que parece estranho é justamente o que carrega o DNA do futuro.

Cabe ao líder de hoje atuar como arquiteto da diversidade estratégica — alguém capaz de proteger ideias emergentes, sustentar tensões saudáveis e cultivar um ambiente onde estratégias incipientes possam florescer antes de mostrar resultados.

As corporações, como organismos vivos, possuem um sistema imunológico interno — que tende a rejeitar tudo aquilo que é “diferente demais”. O problema é que, muitas vezes, o que parece estranho é justamente o que carrega o DNA do futuro.

Uma nova cartografia para tempos complexos

Você não precisa de uma estratégia. Você precisa de um portfólio de estratégias — adaptáveis, conectadas e atentas aos sinais do contexto. 

E, mais do que isso, precisa de uma liderança capaz de abandonar a segurança do planejamento único e operar com plasticidade, escuta e coragem em um mundo onde a complexidade deixou de ser uma anomalia — e passou a ser a regra.

A pergunta que deixo é: sua organização ainda busca uma estratégia ideal? Ou já aprendeu a orquestrar múltiplas possibilidades em movimento?

Daniel Martin Ely
Daniel Martin Ely é vice-presidente executivo da Randoncorp, COO da Rands, conselheiro do CNEX (Centro de Excelência Humana e Organizacional) e do Instituto Hélice de Inovação e presidente do conselho do Instituto UniTEA do Autismo. Mestre em estratégias organizacionais e especialista no desenvolvimento de lideranças, é também autor da obra O Líder em Transformação (2024).

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