Pensamento de curto prazo sozinho pode deixar sua marca na sarjeta. Ter uma visão orientada para o futuro é obrigação, além de ter consistência e resiliência para enfrentar crises
E de novo os marqueteiros brasileiros invadindo Austin, no Texas, para assistirem as palestras do South by Southwest (SXSW), aquele evento de mídia e tecnologia que acontece no meio de março, desde 1987, que se reformulou e se tornou a coqueluche dos gestores de marketing e agências de publicidade desde a década passada.
O evento é uma espécie de pot-pourri de áreas – música, cinema, educação, marketing, tecnologia, negócios – que discute temas sobre o mundo pop e a contemporaneidade do presente, aponta seus canhões para o futuro, com aquela certeza soberana de que ele vai acontecer. Verdade seja dita, às vezes acontece. Muitas vezes não. No entanto, tem a virtude de trazer reflexões do mundo pop contemporâneo.
Figuras da melhor qualidade palestram por lá. Uma delas é a futurista-celeb Amy Webb, professora e fundadora do Future Today Institute, que faz previsões sobre a tecnologia e sua influência em nossas vidas. Ela faz tudo num tom sempre meio apocalíptico, marqueteiramente bem articulado, mas que sempre encanta e realmente impacta todo mundo.
Sua palestra é sempre muito cheia, lotada. O SXSW é sua grande plataforma de divulgação dos reports anuais de sua consultoria. E a razão para isso é muito clara: prever ou antecipar os próximos acontecimentos para a sociedade, para empresas e para o planeta.
Uma observação que faço sobre o evento e seus participantes é que a avalanche de informações sobre o futuro recebida pela audiência feita lá, acaba quase sempre “ficando por lá” ou nos posts de Instagram dos participantes.
O moedor de carne do mercado brasileiro expulsa a maior parte de nossos pensamentos de longo prazo porque a vida dos negócios do presente está difícil demais, seja porque seu negócio está aquém do budget planejado, seja porque a crise – sim, a crise constante acéfala e sem nome – não deixa a gente pensar mais longe do que no próximo quarter.
É bem verdade que o mundo está em alerta. Crise é uma constante. Não aparece mais de vez em quando. As duas certezas que tínhamos antigamente eram a de pagar impostos e de morrer. Ouso somar uma terceira que é a presença das crises em nossas vidas.
De acordo com o Cascade Institute, uma entidade que é um centro de pesquisa no Canadá que ajuda gestores, empresas, governos e seus países a entender de forma científica as origens e os destinos das crises de todas as ordens, estamos vivendo – e devemos viver nas próximas décadas, o que eles chamam de Polycrisis 4.0.
O instituto afirma que de agora em diante, os gestores públicos e privados deverão enfrentar ondas de crises conjuntas como é o caso desta que estamos passando hoje. Se iniciou com a pandemia global, que gerou disrupção nos processos de produção e consequente falta de produtos nas prateleiras, gerando a inflação, que se soma à guerra na Ucrânia, que faz a energia da Europa subir de preço em média 30% e daí em diante.
O Cascade Institute afirma que é uma espécie de “”crise em rede”” que deverá assolar o mundo nos próximos anos. Esqueça a chamada single crisis como era a crise do petróleo, como foi a dos países árabes, a do subprime americano em 2008. As crises, de agora em diante, terão camadas sobre camadas de complicação.
E, o que você, gestor, aprendeu em um momento de crise? Olhar para os fatos do presente e pegar as rédeas nas mãos e executar hoje o que você tem de melhor, certo? Só que isso pode estar desviando a atenção daquilo que a gente falou logo no início do texto: o futuro.
O universo do marketing, por mais críticos que possamos ser com a disciplina, nos traz uma verdade absoluta sobre o tempo: resiliência e consistência constroem estruturas empresariais (e de marcas) inabaláveis, que são praticamente à prova de crises.
Vamos deixar de lado por um momento os tropeços do dia a dia. E o budget “”do dia seguinte”” que ainda não foi alcançado. Esse exercício de esquecimento da rotina não quer dizer que eles não sejam importantes, mas vai servir para que a reflexão do longo prazo apareça de forma mais clara.
A teoria é clara. Percepção de valor alta gera margens maiores. Na cabecinha do usuário é meio que “”ah, vale a pena pagar tudo isso por essa marca””. No final do dia, é isso que o gestor deseja e sempre coloca como “”o”” objetivo a se alcançar no plano de cinco anos (5YP, na sigla em inglês) que está sob sua responsabilidade – 5YP que por acaso, já está bem ultrapassado, mas muita empresa ainda usa.
Reflexão rápida: o que você está fazendo hoje para que no futuro o seu usuário compre seu produto mais caro sem reclamar? Quais as ofertas emocionais e relacionais que você está elaborando hoje com ele para que ele ultrapasse as barreiras do preço no futuro? Que engajamento está sendo construído com o cliente que o faça defender sua marca?
Se as respostas foram “”estou presente nas mídias sociais””, “”faço campanhas digitais e offline”” ou “”uso influenciadores””, eu te pergunto de novo: falando sobre o que? Produto? Serviços? Preço? Apenas aparecendo para não ser esquecido? Sinto informar, mas se for isso que você está fazendo, você só está pensando no curto prazo (quiçá, na vala comum do clichê do marketing atual).
Pense em você como consumidor ou usuário de sua marca. Se ela deixasse de existir, o que você sentiria falta? Se a resposta for apenas transacional como “”perderia o melhor produto da categoria”” ou “”puxa, perdi esse custo-benefício com a categoria””, meu amigo, você está no modo sobrevivência.
Olha só o que você está perdendo com o pensamento “”curto prazista”” no seu negócio e na sua marca: margens mais altas, menor impacto negativo quando precisar aumentar o preço, maior facilidade de negociação de crédito, diminuição do impacto da entrada de novos concorrentes, desejabilidade de seu produto ou serviço (marca) nas prateleiras do varejo, maior comprometimento dos colaboradores, incremento do índice de reputação interno e externo, aumento de reputação de imagem e, por fim, a sustentabilidade do negócio.
Não há caminho fácil ou fórmula pronta para o atingimento das estratégias de longo prazo, além é claro dos atributos de valor que já mencionei que são a consistência e a resiliência. As estratégias são sempre individuais para cada empresa ou marca. No entanto, vale pavimentar aqui a ideia de que uma marca contemporânea deve estar sempre alinhada com o chamado zeitgeist contemporâneo que está geralmente embutido nos valores e atitudes das faixas etárias de 18 a 24 anos, no caso, no território de atuação da tal Geração Z.
E por que essa faixa etária? Chamamos essa faixa de “”foco de influência””. Se o indivíduo é mais novo ele se inspira no que esse grupo está fazendo e se você é mais velho, você os admira no sentido de que há uma novidade atitudinal ali, e, portanto, um novo jeito de encarar a vida. Logo, não se perca do foco de comportamento e das atitudes da Geração Z, por mais que eles não representem os seus usuários.
Uma outra dica importante para o longo prazo é cultivar o pensamento estratégico nos colaboradores ao mesmo tempo que investir – palavra difícil nos dias de hoje – em inovação. A combinação destas duas alavancas para o negócio, por meio de constantes workshops e reuniões de ideação dentro das quatro paredes da companhia tem eficácia comprovada na trajetória de médio e longo prazo das empresas.
Desde que comecei meus primeiros passos no mercado da comunicação e marketing vivi dentro das crises. Da inflação galopante dos anos 80, a maxidesvalorização da moeda nos anos 90, as falências em massa nos planos cruzados, a corrupção endêmica e a política duvidosa de algumas figuras públicas ao longo destes 40 anos, enfim, “you name it””. Crise nunca foi desculpa. Sempre foi combustível para mim.
Nos momentos de crise, uma visão orientada para o futuro não é mais diferenciação. É uma obrigação. Aliás, momentos de crise, de acordo com o Cascade Institute, serão todos os momentos daqui para frente: do curto ao longo prazo. Portanto, será que não vale aproveitar as falas no evento SXSW deste ano para colocar em prática uma estratégia de curto prazo que respeite o longo prazo?”