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Sobre a síndrome do armagedom nuclear

A solução é polêmica, mas precisa ser discutida honestamente: a energia nuclear é a segunda menor fonte de emissão de gases de efeito estufa na geração de eletricidade, depois da eólica, e mais barata. Não vamos mesmo usá-la para atingir as metas de 2050?

Carlos de Mathias Martins
30 de julho de 2024
Sobre a síndrome do armagedom nuclear
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Alguns poucos amigos comentaram candidamente que meu último artigo sobre energia nuclear continha parágrafos instigantes e parágrafos muito bem escritos. Infelizmente, segundo esses amigos, os parágrafos instigantes não eram os mais bem escritos e por sua vez, os parágrafos bem escritos não eram instigantes. Como eu nunca fui convidado para um grupo de discussão sobre energia nuclear no Clubhouse, resolvi esclarecer tais questionamentos com outro artigo, este.

Risco existencial x Risco de ruína

As mudanças climáticas impõem risco existencial à humanidade. Fonte: Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, também conhecido pelo acrônimo em inglês IPCC.

A energia nuclear é a segunda menor fonte de emissão de gases de efeito estufa na geração de eletricidade em termos de intensidade de carbono por unidade de energia produzida. Quando avaliado todo o ciclo de vida da produção de eletricidade – incluindo, por exemplo, a mineração do ferro que é insumo na manufatura do aço para construção das plantas de geração –, a energia nuclear emite 12 gramas de CO2 por unidade de energia, a fonte eólica emite 11 gramas de CO2 , a hidroelétrica 24 gramas, a solar emite 48 gramas, o gás natural 490 gramas e o carvão 820 gramas. Fonte: anexo III, página 1335 do Quinto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, também conhecido pelo acrônimo em inglês IPCC.

Adicionalmente, segundo o relatório da IEA (a agência internacional de energia) publicado em dezembro de 2020, o custo de geração de energia nuclear é o mais baixo de todas as fontes que operam na base do sistema – isto é, plantas de geração que produzem eletricidade continuamente. Não é o caso das fontes renováveis de padrão intermitente, tais como a solar e a eólica, que, obviamente, não produzem eletricidade sem a radiação solar e sem a força do vento.

O mais instigante é que, ainda segundo o relatório da IEA, a extensão de prazo de operação das plantas nucleares comissionadas há décadas produz a eletricidade mais barata de todas as fontes de energia – o custo é de US$ 32 por MWh. Vou repetir: a energia mais barata de todas as fontes de energia elétrica. A pergunta honesta que deve ser feita é: dado que a energia nuclear não oferece risco de ruína para a humanidade, qual o sentido em desligar as plantas que estão em operação?

Zero significa zero

O estereótipo do ambientalista europeu é aquele sujeito de barba que usa bermudas e sandália com meia de lã. Nada mais falso. O ambientalista europeu típico é o burocrata que defendeu desligar as plantas de energia nuclear da Alemanha após o terremoto em Fukushima mas manteve operando as termoelétricas movidas a carvão. O típico burocrata europeu usa terno e invoca o principio da precaução falaciosamente para desligar plantas de energia nuclear e justificar a suspensão da vacinação quando, por mais severo que possa parecer, coágulos sanguíneos não se espalham como o vírus.

A civilização que presenteou a humanidade com as óperas de Richard Wagner emitiu em 2020 o equivalente a 8 toneladas de CO2 per capita enquanto que a civilização que presenteou a humanidade com o bate-estaca de Pierre David Guetta emitiu 4 toneladas de CO2 per capita. A conta é simples, basta consultar a tela de abertura do site da IEA na rede mundial de computadores: a França produz 71% da sua eletricidade a partir da fonte nuclear, 15% a partir de fontes renováveis e somente 14% a partir da queima de combustíveis fósseis, enquanto a Alemanha produz 40% da sua eletricidade a partir de combustíveis fósseis, 47% de fontes renováveis e 13% de energia nuclear.

Para chegar a zero emissões de gases de efeito estufa em 2050, como estabelecem as metas mais ambiciosas de diversos países, não vai ser fácil. Um observador honesto não pode sofismar. As fontes renováveis terão um papel relevante nessa transição energética, mas não faz sentido abdicar da fonte nuclear por critérios ideológicos. “

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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