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Transformação digital: uma conversa com líderes da Kimberly-Clark

Amadurecimento, cultura, gestão e projetos de transformação digital foram analisados por Alessandra Morrison e Silvio Veloso num encontro com alunos da Cesar School

Eduardo Peixoto
6 de agosto de 2024
Transformação digital: uma conversa com líderes da Kimberly-Clark
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“Aprender com quem está fazendo sempre nos poupa algum tempo, pelo menos, ou recursos, no mínimo. Foi isso que fizemos no último dia 20 de maio. Em evento fechado para a comunidade dos alunos de gestão de negócios na era digital da Cesar School, convidamos os líderes da transformação digital Alessandra Morrison, human resources director, e Silvio Veloso, CIO, digital transformation executive e advisory board member, ambos da Kimberly-Clark, para falar um pouco conosco sobre o tema.

A nossa curiosidade, o plano inicial da entrevista, girava em torno da importância, das barreiras e dos desafios da dimensão cultura e pessoas no processo de transformação digital. Mas fomos além.

Adianto que a sua leitura não será fiel ao diálogo construído, pois não se trata de uma transcrição, tendo em vista que o evento não foi gravado. É tão somente uma tentativa de reproduzir a discussão entre os participantes do encontro a partir de extensas notas produzidas por Ricardo Mendonça, aluno da turma 2018.2, a quem somos muito gratos. Então, nesse material, tem um pouco da minha memória e interpretação, para preencher as poucas lacunas das anotações. Confiram abaixo o que aconteceu:

Sinais maduros de desenvolvimento

Eduardo Peixoto: Alessandra, como evoluiu o entendimento do que é transformação digital na Kimberly-Clark? Quais são as histórias que agora ficaram engraçadas? Foi a pandemia mesmo, ou o CIO Silvio Veloso que catalisou o amadurecimento?

Alessandra Morrison: Começamos antes da pandemia. No final de 2017, começamos a introduzir o tema na organização. A primeira ação foi criar repertório. A gente não sabia o que era transformação digital. Então, de maio a dezembro, realizamos vários workshops com a diretoria e depois iniciamos um movimento para identificar 25 formadores de opinião. Todos eram voluntários, aliás. De 127 inscrições, selecionamos 25, que passaram inclusive por teste de perfil (MBTI) e preencheram um formulário justificando porque gostariam de participar da ação.

Os 25 participaram de uma jornada de capacitação, tendo a diretoria como patrocinadores. O objetivo era (re)trabalhar a mentalidade. No entanto, o mais importante consistia em entender que as necessidades são humanas. E as necessidades humanas são atendidas através do digital. Compreendemos também que a conexão com o consumidor era fundamental para entender todas as tribos, que se multiplicam, chegar quase no individual. Antes, as pessoas assistiam os mesmos canais de TV, por exemplo. Hoje esse cenário já é diferente.

Silvio Veloso: A transformação digital é mesmo sobre pessoas e cultura, maior aprendizado da jornada, pedra fundamental da agenda. Em 2018, atuamos em meio à greve dos caminhoneiros. Foi naquele momento que percebemos que precisávamos criar uma organização mais aberta e flexível.

Escolhemos embaixadores – “os transformers”, depois outros se juntaram à causa. Hoje, temos uma agenda de transformação digital intimamente ligada à estratégia da empresa. Transformação digital é meio, não fim. Desenvolvemos fluência digital sim, mas para atingir KPIs de negócios.

A principal medida de sucesso do programa é fundamentalmente o impacto no negócio. O produto digital precisa gerar impacto no bottom line (lucro), entregar um serviço melhor ao nosso consumidor. Transformação digital é sobre tecnologia sim, sobre cultura sim, mas precisa começar por mudança de mentalidade, como olhar para fora e tolerar o erro.

O processo de transformação digital

E. Peixoto: O que vocês já sabem que não podemos fazer e o que devemos executar?

A. Morrison: Aprendemos, humildemente, que não sabemos o que não sabemos. É uma busca constante por novos aprendizados. No início, fizemos diversos roadshows com a alta liderança para poder mostrar a visão que estávamos querendo implementar.

Era necessário quebrar o antigo ciclo. Adotamos uma estratégia de, ao invés de vender o sonho grande, conquistar os quick wins, para construir business cases e usar para montar essa rede de stakeholders. E atingimos a meta anual que propusemos em setembro em apenas um trimestre, antes de fechar o ano.

Sim, internamente, trabalhamos com aprendizagem através do erro. No entanto, foi difícil numa organização, que tem qualidade como valor, entender que se aprende com erros. Fizemos uma pesquisa para sabermos se na Kimberly-Clark as pessoas são encorajadas a errar. Os gestores diziam que sim, mas outros colaboradores diziam que não. Então lançamos o “feito é melhor que o perfeito”, para dar espaço à experimentação. Passamos a valorizar mais o ato de fazer perguntas do que dar as respostas.

Levamos projetos que não deram certo para reuniões de avaliação trimestral, e passamos a falar mais de erros, MVP, teste e aprendizado, de jornada. Treinamos mais 50 embaixadores de cultura (test & learn), para multiplicarem o repertório, e os incentivamos através de programas de reconhecimentos. E tudo isso com a agenda de diversidade andando em paralelo.

S. Veloso: Talvez o mais difícil é desconstruir a mentalidade de não errar. Quando caminhamos em territórios mais novos, a tendência é que a organização utilize as mesmas regras conhecidas, as regras do negócio atual, como, por exemplo, querer saber qual o resultado desse projeto daqui a três anos ou cinco anos. Precisamos reduzir as expectativas e colocar objetivos em horizontes mais curtos, mais factíveis.

Gosto de navegar e comparo a jornada com sair de Santos (SP) para Noronha (PE). Pode-se usar um barco menor e sair costeando ou usar um barco maior e navegar direto. A pandemia tornou tudo mais difícil, aumentou a restrição de recursos. Se não encurtar um pouco o horizonte de tempo, se não for muito ambicioso, será mais difícil a jornada.

Hoje existe muita ansiedade nas organizações. O nível de cobrança é alto, uma percepção de que minha organização não está nesse nível de maturidade, atrasada em relação as demais. Entretanto, cada organização constrói o seu caminho. Não existe uma única receita. O importante é nunca perder de vista que a transformação digital é meio, e não fim. É para ter um cliente mais satisfeito, ter mais e melhores notas fiscais. O resto é meio, e o meio você adapta.

Não acertamos de primeira. Saímos muito frustrados do primeiro roadshow. Não dá para liderar a transformação digital se você não incorporar aos próprios princípios errar, aprender, melhorar.

E. Peixoto: A metáfora da viagem até Fernando de Noronha lembrou-me do livro As Grandes Estratégias, de J. L. Gaddis, que narra o diálogo entre Xerxes e seu tio e conselheiro ao se aproximar do Helesponto. É sobre o dilema de todo líder diante do desconhecido: avançar e resolver os problemas à medida que aparecem, ou atrasar a ação até obter completo conhecimento sobre o desconhecido. E é sempre um meio-termo, a experiência de vocês demonstra isso. Deixa eu dizer que não gosto da palavra erro, porque não leva a canto nenhum. Prefiro experimentos, que resultam em aprendizado. Como vocês trabalham essa diferença na Kimberly-Clark?

As grandes estratégias
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A. Morrison: Sim, precisamos qualificar os tipos de erro. Não estamos falando de inconformidade ou ineficiência de processos. Estamos falando do mesmo conceito, do erro que gera aprendizado. No começo, falávamos de trabalhar uma cultura do erro. Depois, corrigimos para uma cultura do aprendizado através do erro. A gente buscou reprogramar essa crença nas nossas cabeças, entendendo que a vida é imperfeita, que aprendemos muito mais nos baixos do que nos altos. A jornada dentro da organização nada mais é do que uma replicação das jornadas nas nossas vidas. O tema precisa ser muito dialogado.

Gestão organizacional sustentável

E. Peixoto: E sobre motivação; como resolveram essa questão? Que outras dimensões do sistema de gestão organizacional tiveram que atuar, para que o nada quebrasse, para que o todo reproduzisse o que buscavam?

A. Morrison: Nos projetos, as barreiras foram sendo tratadas pontualmente. Decidimos que não íamos tombar todas as estruturas da organização para uma nova forma de trabalho, porque a gente está numa estrutura tradicional, e o nosso desafio era transformá-la. Usamos a metáfora do lego: colorida, diversa, divertida. Tiramos o jateado das salas, os lugares fixos para sentar. Modificamos as letras para lego types. Fizemos de tudo para passar a mensagem de coexistência de modelos, que a gente não estava ali pra brigar.

S. Veloso: Não subestime o poder orgânico da transformação. Tem que arquitetar a agenda. E não separar os caras que inovam dos demais, para trazer a organização inteira. Um dos pilares foi a agilidade. Para um dos produtos, o “mais abraços” – chá de bebê,a etc, criamos uma squad multifuncional dedicado e com autonomia para tocar esse produto digital. Isso tudo gerou dois efeitos. Começaram a questionar (1) porque esse pessoal consegue ser mais ágil (nos squads)? (2) iniciou-se uma transformação orgânica. Descobrimos depois, ao longo da jornada, que outras squads foram criadas voluntariamente, inspiradas no exemplo criado e deliberado.

O outro pilar é a cultura de dados. Criamos uma agenda, uma comunidade, uma rede, que permitisse colaboração. Descobrimos muitos núcleos de excelência em dados na organização. E promovemos colisões positivas. Agenda, pode começar, mas não pode depender apenas do estímulo central, que promove apenas a faísca inicial, os estímulos para que a organização responda.

A. Morrison: Existe muita energia mal aproveitada dentro da organização. As pessoas foram convidadas a participar. Todos eram voluntários. Concedemos espaço, empoderamos as pessoas. Temos parceiros (nos ajudando) sim, mas o maior esforço tem sido explicitar o conhecimento coletivo.

Quick wins e envolvimento

F. Arruda (aluno da turma 2019.2 e CEO do CESAR): Sobre a importância dos quick wins, a sensação é sempre que o primeiro projeto malsucedido pode comprometer o sucesso da jornada inteira. Vocês optaram começar pelas bordas? Ou por um problema central da organização?

S. Veloso: É trajetória de longo prazo. Perto do lançamento do “Mais Abraços”, por exemplo, foi importante mostrar à organização o que era um MVP, para convencer que não precisa estar 100% pronto, que íamos lançar e ajustar em uso. Lançamos, e problemas ocorreram, é claro, mas foi um movimento necessário para gerar uma mudança na forma como lidávamos os projetos anteriormente. Uso sempre o exemplo das primeiras versões do WhatsApp, que chegou sem áudio, fotos, sem troca de arquivos. E sempre, sempre, é necessário alimentar a organização com progresso e notícias positivas.

E. Moretti (aluno da turma 2021.1): Estou desesperado com esse assunto de transformação digital (risos). Vocês escolheram 25 transformers que estão full time no negócio. Quem foram os grandes patrocinadores dessa turma? Como ficou a média gerência, que faz o EBITDA?

A. Morrison: Os 25 não tinham dedicação integral. Não queríamos criar uma área separada de inovação. Envolvemos gente de operações, vendas, tecnologia, RH… A Diretoria precisa estar muito envolvida porque chega um momento que precisa ter a agenda estratégica conectada ao movimento.

S. Veloso: Tem que vir de cima. CEO e c-level. E o c-level e a diretoria tem que saber usar o poder que tem, com muita sensibilidade. Eu tinha muito cuidado em dar opiniões junto às squads, para que não se sentissem na obrigação de seguir a opinião de um diretor. Quando entrava na sala, deixava o crachá do lado de fora e buscava atuar apenas como um facilitador, um removedor de obstáculos.

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Eduardo Peixoto
Eduardo Peixoto é CEO do CESAR Centro de Inovação e professor da CESAR School. Mestre em comunicação de dados pela Technical University of Eindhoven-Holanda, com MBA na Kellogg School of Management e na Columbia Business School, atua há 30 anos na área de tecnologias da informação e comunicação (TICs). Trabalhou como executivo no exterior, na Philips da Holanda e na Ascom Business System AG (Suíça).

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