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Usando o home office para construir resiliência

Confira três conquistas para alcançar hoje, quatro mudanças para construir no longo prazo e três perguntas para responder nos próximos meses

Lynda Gratton
29 de julho de 2024
Usando o home office para construir resiliência
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Muitos de nós estamos trabalhando em casa, mesmo que as quarentenas tenham sido suspensas. Estamos vivenciando um novo experimento em massa do trabalho virtual: trabalhando com (e em torno) das tecnologias virtuais, aprendemos como nos conectar com os colegas virtuais, e experimentar com colaboração virtual e a nova distribuição de tarefas.

Para pais que trabalham, o trabalho virtual tem pontos desafiadores específicos. Numa webinar sobre trabalho virtual que ministrei para a London Business School dia 14 de março, 10% de quase 3 mil pessoas que responderam a uma pesquisa afirmaram que estão distraídas com suas famílias.

Depois de muitas semanas de confinamento, essa distração está se tornando ainda mais óbvia. Isso é real para pessoas com uma variedade de responsabilidades como cuidadoras – de crianças, de parentes idosos ou de pessoas com deficiências.

Eu acredito que a distração da família que temos agora com a realidade do trabalho em casa é uma das questões de gestão mais urgentes nessa crise da Covid-19. É uma distração que, se não tomarmos cuidado, pode levar a uma queda brusca na produtividade e na criatividade. Nós – tanto líderes como empresas – precisamos agir rápido para ter conquistas rápidas que ajudem os funcionários a lidar com suas vidas profissionais. Também precisamos nos preparar para mudanças a longo prazo.

O desafio: limites inexistentes

No dia 9 de abril, fiz um webinar focado nos desafios e oportunidades de equilibrar o trabalho e a família, interessada em descobrir que estratégias estão funcionando. Executivos de mais de 30 empresas na Europa, nos Estados Unidos, no Japão, Austrália e Nova Zelândia participaram e mais de 60% deles estavam trabalhando de casa com suas responsabilidades familiares (essa porcentagem é a média de muitos países). Para entender as circunstâncias deles mais profundamente, fizemos uma plataforma de hackathon de sete dias depois, em que executivos podiam falar uns com os outros sobre suas experiências e discutir soluções.

O que essas formas intensas de trabalhar em casa estão revelando com muita clareza é o que alguns psicólogos sabem há algum tempo – que limites são importantes. Uma das maneiras com que executivos lidam com suas vidas profissionais, especialmente quando suas identidades de vendedor competente e pai amoroso são distintas é criar limites entre esses dois aspectos. Eles criam fronteiras mentais entre essas duas esferas,  e atividades de “rito de passagem” costumam facilitar essa divisão. Elas podem incluir objetos e ações como vestir um terno, ou atividades como pegar o metrô, tomar um café antes de uma reunião ou ler o jornal. Pessoas que têm trabalhado de casa por anos costumam criar limites parecidos, assim como rituais, tais como fazer um escritório em casa e manter horários que separam a vida profissional da vida familiar.

Essas transições ajudam a separar e preservar nossas identidades distintas e fornecer os ferramentas necessárias para mudanças temporais, cognitivas e sociais. Manter limites em vez de deixar que os papeis profissionais e familiares se misturem diminui essas distrações. A criatividade e o fluxo funcionam rapidamente.

Com famílias inteiras em quarentena, os limites para os trabalhadores estão se desfazendo. Em vez de duas transições (da casa ao trabalho, do trabalho a casa), existem várias transições (trabalhar, cuidar do filho, trabalhar, fazer o almoço, trabalhar, brincar com o filho etc.). Cada transição afeta a concentração e a produtividade e, no fim das contas, a criatividade.

A venda da ignorância é removida

Baseada no que eu tenho ouvido, executivos estão se tornando mais empáticos a esses desafios do que jamais foram. As tensões relacionadas ao trabalho e a casa existem, é claro, há décadas, mas o que faltava era a disposição para fazer algo em relação a essa tensão. Isso está começando a mudar conforme executivos vivenciam essas tensões em primeira mão.

 Não é que um executivo sênior numa casa grande com jardim tenha a mesma experiência que uma mãe solteira num pequeno apartamento sem espaço externo, porém, no passado, existia uma venda da ignorância sobre esses desafios, no sentido de que o executivo podia ter uma equipe de apoio (uma babá, uma faxineira, um jardineiro).

Agora desprovido dessa equipe, graças a ordens externas ou decisões internas de trabalhar de casa, os executivos estão experimentando na pele as tensões e tensões do desafio da casa e do trabalho. Isso está criando um senso de compreensão e empatia que muitos não tinham anteriormente.

Projeto que executivos, agora, tem maior chance de apoiar tanto conquistas rápidas quanto mudanças a longo prazo.

Três conquistas rápidas para alcançar

Os líderes empresariais têm noção de que os limites normais para gestão não estão funcionando, e estão sensíveis aos desafios de trabalhar em casa. Em nossa hackathon, três ideias que caem na categoria de conquistas rápidas se destacaram – o que significa que elas são rápidas de implementas com menos obstáculos ou gastos:

Tenha empatia pelo contexto de cada funcionário. Algumas empresas estão tendo insights profundos sobre situações específicas que seus funcionários enfrentam ao fazer pesquisas com quem está trabalhando em casa. Quando elas fazem isso, elas descobrem uma variedade de circunstâncias e estresses. Ser uma pessoa solteira e trabalhar na quarentena é uma experiência muito diferente que ser membro de uma família trabalhadora com filhos. Uma multinacional, por exemplo, descobriu que mais de 60% de seus funcionários eram solteiros e ou moravam sozinhos ou com um pai ou parceiro e sentiam a dor do isolamento social. Uma conquista rápida foi criar pausas virtuais para o café todo dia às 11h30. Outra empresa descobriu que mais de 60% dos seus funcionários estavam cuidando dos filhos, e seus problemas eram a exaustão e o desafio era se manter focado durante o horário normal de trabalho. Um sinal da liderança indicando que é possível trabalhar em horários incomuns pode fazer uma diferença grande no nível de estresse deles.

Encoraje seus funcionários a se comunicarem de novas formas. Algumas empresas estão ativamente co-criando novos horários com os funcionários. Por exemplo, executivos de uma empresa de tecnologia multinacional estão trabalhando com funcionários para identificar períodos de tempo quando eles estão trabalhando e quando não. Esses horários são compartilhados com membros da equipe para lidar com as expectativas deles sobre quando devem esperar respostas prontamente. Ao criar novas normas de trabalho, esses períodos de tempo também limitam o número de transições entre trabalho e casa para os indivíduos. Executivos dizem que os dois benefícios ajudaram a reduzir a ansiedade do funcionário.

Reúna comunidades que pensam de forma semelhante. Como a vida doméstica existe de várias formas, as necessidades das pessoas e o apoio de que necessitam são idiossincráticos. A mesma resposta não vai funcionar para todo mundo da mesma forma. Por isso algumas empresas criaram plataformas de colaboração que possibilitam aos funcionários em situações semelhantes se descobrirem, para que possam ser mentores e motivadores uns dos outros, e para compartilhar ideias e experimentos interessantes. Tão importante quanto, as plataformas possibilitam que comunidades canalizem suas necessidades e ideias específicas à gestão. Os resultados podem ser muito criativos: Por exemplo, um executivo de uma seguradora multinacional descreveu como uma comunidade de pais de crianças pequenas incentivaram a empresa a fornecer recursos na rede interna da empresa para ajudar no ensino em casa delas.

Quatro mudanças no longo prazo

Um dos tópicos importantes de conversa durante a hackathon foi como sobre o futuro das práticas de trabalho vai mudar por conta da experiência com a Covid-19. Com o potencial de trabalhar em casa por meses, as pessoas inevitavelmente desenvolvem novos hábitos e expectativas. Alguns desses hábitos serão abandonados assim que o distanciamento social acabar, mas outros terão benefícios tão claros que serão adotados na vida profissional diária.

Este é um bom momento para se preparar para esses hábitos resilientes. Aqui estão quatro deles que provavelmente irão durar:

Reconheça que reuniões virtuais estão aqui para ficar. A mudança que une 10 ou mais pessoas do mundo inteiro numa reunião virtual – tanto com membros de uma equipe quanto com clientes – ocorreu com uma rapidez e destreza extraordinárias. Esse é um hábito que provavelmente não será abandonado. Executivos precisam se preparar para mais tecnologia virtual e menos deslocamentos e viagens.

Aceite a flexibilidade do tempo. Administrar diversos limites no lar é algo tão estressante quanto complicado. Mas ajustes a curto prazo (como dividir o tempo em períodos) diminuem essas pressões e têm se tornado o alicerce para criação de novas formas de trabalhar. Ao fazer isso, eles estão quebrando a norma de trabalhar oito horas por dia, cinco dias por semana. Vamos voltar rapidamente a esse modelo de tempo tradicional? Eu duvido, e executivos devem se preparar para entender e aprender a lidar melhor com o tempo, de forma flexível. Eles deveriam se preparar para experimentar com semanas de trabalho de quatro dias, e criar ajustes para funcionários que pedem para trabalhar até tarde da noite (ou até cedo, nas manhãs), em vez das 09h00 às 05h00.

Seja estratégico em relação às maravilhas de trabalhar cara-a-cara. Ficou claro que muitas pessoas trabalham em casa sentem falta de seus colegas. É improvável que, num mundo pós-pandemia, elas queiram ficar exclusivamente em casa. Em uma pesquisa de Stanford, o economista Nicholas Bloom acompanhou as experiências de funcionários de call centers de uma empresa de viagens chinesa que tiveram a permissão de trabalhar em casa em 2010 e 2011 por nove meses. No final do experimento, metade queria voltar a trabalhar no escritório, mesmo com um deslocamento diário de 80 minutos. Eles sentiam falta da interação social. Executivos precisam pensar com mais cuidado sobre o que a interação cara-a-cara contribui para a empresa e buscar maximizar esses benefícios.

Espere que mais homens se envolvam na criação dos filhos. Em famílias trabalhadoras, normalmente são as mães que assumem a maior parte das responsabilidades no cuidado dos filhos. Várias pesquisas indicam que apesar dos pais assumirem mais da quantidade de trabalho doméstico e das tarefas que envolvem cuidar dos filhos, mulheres que trabalham ainda fazem mais das duas coisas. Nas nossas discussões na hackathon, ouvimos debates fervorosos sobre como pais e mães estão experimentando uma divisão mais igualitária de tarefas e como alguns pais estão apreciando o tempo que possuem com os filhos. As emoções positivas do cuidado que eles vivenciam podem ser algo que eles querem manter consigo. Isso tem implicações profundas para executivos em relação a como as questões de licença de paternidade e horas flexíveis devem ser abordadas.

Três perguntas para os próximos meses

Vejo várias questões que precisarão ser discutidas ao longo dos próximos meses. O que um desempenho ótimo significa num mundo pós-pandemia se muitas horas de trabalho era o normal? Se as pessoas estão trabalhando com maior flexibilidade, o salário deveria estar mais ligado aos projetos que elas completam em vez das horas que trabalham? (Bloom descobriu, na sua pesquisa na China, por exemplo, que pessoas trabalhando de casa eram 13% mais produtivas). E como garantimos que pessoas com alto desempenho que também querem ser pais ou mães não são penalizadas?

Os próximos meses serão, sim, cruciais. Temos uma oportunidade, agora, para criar empresas mais resilientes e seguir adiante com uma programação de mudança.

Lynda Gratton
Lynda Gratton é professora de práticas de gestão na London Business School e fundadora da HSM Advisory. Seu último livro publicado é *Redesigning Work: How to Transform Your Organization and make Hybrid Work for Everyone* (MIT Press, 2022).

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