Maior agilidade de processos, redução de custos e melhoria da qualidade de atendimento ao paciente são alguns dos benefícios do processo. Mas é preciso ter cuidado com suas limitações
O setor de saúde tem passado por transformações intensas, com mudanças de modelos de pagamentos, movimentos de consolidação e uma tendência à verticalização, gerando discussões a respeito das suas vantagens e desvantagens. A verticalização de um setor ocorre quando uma determinada empresa adquire outras que atuam em fases diferentes da cadeia de produção, assumindo o controle de diferentes etapas, a partir da produção até a distribuição e venda dos produtos. No caso da saúde, a verticalização acontece quando uma instituição assume o controle desde o atendimento de um paciente até o seu tratamento, passando pela etapa diagnóstica, com a aquisição de hospitais, clínicas, centros de imagem e laboratórios. Por exemplo, uma operadora de saúde pode comprar um hospital, tornando-se responsável a partir de então não só pelo pagamento dos custos envolvidos no atendimento, mas também de todo o atendimento hospitalar. O mecanismo inverso também pode ocorrer; um grupo de hospitais pode adquirir uma operadora, tornando-se proprietário, a partir de então, do ciclo de receita e desembolsos do atendimento de pacientes e empresas.
Este processo vem avançando no Brasil desde 2010, com redução do número das operadoras de saúde, mas sem diminuição significativa do número de beneficiários. Ou seja, a redução do número de operadoras tem sido promovida pela consolidação no setor, a partir da aquisição de empresas menores pelas operadoras de maior porte, que passam então a deter uma maior participação no mercado. O mesmo processo é mais avançado em outros países, especialmente nos Estados Unidos, de onde podemos aprender com as oportunidades e desafios enfrentados nessa jornada.
A verticalização pode trazer inúmeros benefícios, principalmente na agilização de processos e na oferta de um conceito de “one-stop shop” para os pacientes. Ao integrar diferentes etapas do diagnóstico e tratamento em um único local, é possível reduzir significativamente o tempo que o paciente leva para receber o tratamento adequado. Por exemplo, imagine um paciente que precisa realizar um exame de imagem, depois uma consulta com o médico especialista e, por fim, realizar um procedimento cirúrgico. Em uma empresa verticalizada, todas essas etapas podem ser realizadas em um único local, com uma equipe de saúde trabalhando de forma mais eficiente e coordenada.
Essa integração também pode reduzir a burocracia e atrasos na comunicação entre diferentes provedores de serviços, aumentando a eficiência geral do atendimento e tratamento. Como sabemos, de forma geral diagnósticos e tratamentos mais precoces estão associados a melhores prognósticos. Com a verticalização da saúde, os pacientes podem ter acesso a um tratamento mais rápido e eficaz, contribuindo para um resultado mais positivo. Além disso, a verticalização pode permitir que instituições de saúde controlem seus custos com maior precisão, reduzindo o risco da operação e o custo do capital. Ao assumir o controle de várias etapas do processo de diagnóstico e tratamento, como a aquisição de equipamentos médicos, a gestão de suprimentos e a contratação de médicos e outros profissionais, as empresas de saúde podem aproveitar economias de escala e melhorar a eficiência. Uma empresa verticalizada que possui muitos hospitais e clínicas pode negociar preços melhores na compra de equipamentos e insumos em comparação com uma clínica ou hospital independente e posteriormente optar por reinvestir o valor economizado em melhorias da qualidade do atendimento, aquisição de novos equipamentos ou preços melhores para os seus clientes.
A verticalização também permite a padronização de procedimentos e operações dentro da instituição, o que leva a um maior controle de qualidade e à prestação de um atendimento mais consistente aos pacientes. Por exemplo, imagine que uma empresa verticalizada desenvolveu um protocolo padrão para o tratamento de uma determinada condição médica. Essa padronização pode levar a um controle de custos mais eficiente, aumento da qualidade do atendimento e maior satisfação dos pacientes, uma vez que todos os profissionais envolvidos no tratamento seguirão o mesmo protocolo e conduta, fornecendo um atendimento consistente e de alta qualidade.
Porém, existem também algumas limitações a serem consideradas no processo de verticalização da saúde. Um dos maiores problemas é a dificuldade de regulação por parte das agências, já que a mesma instituição pode ser fornecedora e compradora em diferentes situações, gerando complexidades no entendimento das interações entre as diversas instituições dentro de um sistema verticalizado. A consequência dessa avaliação míope da regulação é levar a formação de monopólios, dificultando a concorrência, reduzindo as opções no mercado e consequentemente aumentando os preços e diminuindo a escolha de prestadores para o consumidor final.
Precisamos também considerar outro desafio da verticalização, que é a redução da competição entre prestadores e, consequentemente, da inovação e investimentos em iniciativas para aumentar a qualidade do atendimento para os pacientes. Com menos concorrência no mercado, há um incentivo menor para as empresas investirem em pesquisa e implantação de novas tecnologias e tratamentos, o que pode levar a uma estagnação na eficiência e a uma diminuição da qualidade de serviços prestados.
Além disso, existem algumas pesquisas, como um novo estudo de março deste ano, liderado por Soroush Saghafian, professor associado de políticas públicas da Harvard Kennedy School, em Massachusetts, nos Estados Unidos, que apontam que a integração vertical em hospitais leva médicos a mudarem a forma como abordam o cuidado com os pacientes, com efeitos adversos na saúde e aumento nos custos. Neste estudo, realizado por pesquisadores da Universidade de Harvard, Harvard Medical School e University College London, em Londres, na Inglaterra, foram analisadas interações entre médicos e pacientes em um período de sete anos, de 2008 a 2015, envolvendo gastroenterologistas que realizavam colonoscopias. Os autores relatam que os médicos mudaram suas práticas de cuidado aos pacientes ao se integrarem a um sistema verticalizado, com redução do uso de sedação profunda e aumento no número de pacientes atendidos, levando a um incremento significativo das complicações pós-procedimento dos pacientes.
Em conclusão, a verticalização da saúde pode trazer diversos benefícios, como maior agilidade de processos, redução de custos e melhoria da qualidade de atendimento ao paciente. No entanto, é importante considerar suas possíveis limitações, como a dificuldade de regulação, a redução da competição e da inovação, a limitação da escolha do prestador pelos pacientes e a percepção de redução de qualidade de atendimento e serviço por parte destes.
Para enfrentar tais desafios, é fundamental que haja uma discussão entre a sociedade, prestadores de serviço, operadoras e governo, e que as instituições reguladoras considerem as peculiaridades do setor da saúde na hora de avaliar movimentos de fusões e aquisições, levando em conta não apenas aspectos financeiros, mas também os efeitos na qualidade de atendimento, opções de escolha de prestadores e a eficiência do serviço prestado aos pacientes. A verticalização da saúde pode trazer diversos efeitos positivos, mas é preciso cuidado e atenção para garantir que a competição entre prestadores, a opção de escolha por parte dos pacientes e a qualidade do serviço não sejam prejudicadas.
Artigo escrito em parceria com Igor Austin, médico radiologista e empreendedor, que atualmente atua no mercado norte-americano e utiliza seu MBA pela Johns Hopkins para fornecer uma perspectiva médica sobre os negócios do setor de saúde.