Não basta ter uma boa ideia: mudanças radicais exigem uma adaptação cultural nas organizações
Mudar é essencial para qualquer organização que queira crescer e se destacar no seu mercado. Qualquer processo de mudança pode ser incremental ou disruptivo. Ambas as formas são importantes, porém desempenham diferentes papéis em relação ao resultado esperado. Enquanto o processo incremental desenvolve musculatura para sustentar os desafios de curto prazo, a mudança disruptiva objetiva saltos quânticos em relação ao status quo dos atuais modelos de negócio.
Como executivo, nos últimos anos venho dedicando a maior parte do meu tempo a liderar e formar equipes que conduzam transformações mais disruptivas. Hoje, identifico quatro imperativos para o sucesso de qualquer processo que exija uma mudança mais radical. Neste artigo, compartilho quais são eles e destaco alguns autores(as) que são referência em cada imperativo, e quero dar ênfase a algo relativamente novo e bem desafiador – o pensamento não linear.
Transformações disruptivas, como o próprio nome diz, são momentos de mudança em que você lidera pessoas para realizar ou conquistar algo até então não realizado. Logicamente, as certezas oriundas de suas experiências anteriores ou do uso de fórmulas mágicas não irá garantir o sucesso da mudança.
Quando iniciamos a jornada de transformação cultural e digital da Randoncorp em 2014, não sabíamos onde iríamos chegar, mas tínhamos a clareza de que essa era a direção que precisávamos seguir.
Novos conceitos foram incorporados, muitos projetos foram iniciados a partir de uma folha em branco, e vários profissionais foram desafiados a implementar processos que não conheciam ou não dominavam plenamente. Os riscos e as incertezas sempre foram, significativamente, maiores do que gostaríamos ou sabíamos administrar.
E o que sustenta essas mudanças disruptivas é a existência de uma clareza de direção, compartilhada por todos os envolvidos. O que é diferente de existir um direcionamento ou certeza de onde vamos chegar. Isso é algo muito diferente.
Quando temos uma clareza de direção, ficamos mais flexíveis e maleáveis para ajustes de rota, bem como para absorver novas oportunidades que surgem ao longo da própria jornada.
Salim Ismail, em seu livro Organizações Exponenciais, reforça a ideia de que, durante transformações disruptivas, a clareza de direção é essencial para alinhar e motivar todos os envolvidos, permitindo que a organização se mantenha focada e coesa, mesmo diante de incertezas e novos desafios. Ele chama isso de propósito transformador massivo:
“Um MTP (a sigla em inglês de propósito transformador massivo) fornece uma direção clara e inspiradora que pode alinhar e motivar todos os membros da organização. Sem essa clareza, as organizações podem facilmente perder o foco e a coesão necessária para navegar em tempos de disrupção.”
Esse é o imperativo mais complexo de ser colocado em prática. Ele está sendo tão importante e significativo em minha jornada pessoal que o detalhei com mais profundidade no primeiro artigo da minha coluna no MIT Sloan Management Review Brasil.
Não existe forma de alcançar resultados significativamente diferentes se não começarmos essa mudança por nós mesmos. A lógica de repetir modelos e fórmulas de sucesso do passado nos limita a apenas alcançar resultados iguais ou inferiores aos já obtidos.
É fácil explicar isso, porque as transformações mais disruptivas são resultantes no meu roteiro prático de esforço coletivo e extramuros + pensamento não linear ou circular + capacidade de execução não convencional. Desse último, falarei no terceiro imperativo.
O esforço coletivo e extramuros é a forma que encontrei para enfatizar que tentar fazer sozinho/a ou apenas com os recursos de sua organização não irá criar as condições de velocidade e capacidades de que você necessita para criar as disrupções nos modelos já existentes.
Em vez de seguir uma sequência linear de causa-e-efeito, o pensamento não linear considera múltiplos caminhos e feedbacks que podem influenciar os resultados.
Saber orquestrar e conectar outras organizações, entidades, startups e atores específicos para resolver desafios complexos é um real exemplo dessa nova forma de pensar e agir.
Já o pensamento não linear ou circular é uma abordagem que reconhece a complexidade e a interconexão dos elementos dentro de um sistema, permitindo uma visão mais holística e adaptativa dos desafios e oportunidades. Em vez de seguir uma sequência linear de causa e efeito, o pensamento não linear considera múltiplos caminhos e feedbacks que podem influenciar os resultados.
Essa perspectiva é especialmente valiosa em contextos de transformação disruptiva, em que a flexibilidade e a capacidade de ajustar a rota são cruciais. Como Margaret J. Wheatley, autora de “Leadership and the New Science”, destaca:
“Neste novo mundo, você não pode continuar aplicando as mesmas soluções para novos problemas. Você precisa pensar em círculos, não em linhas retas.”
Para avançar nesse terceiro imperativo e criar uma capacidade de execução não convencional, uma nova forma de se organizar é mandatório.
Um modelo organizacional que privilegie, além da capacidade de execução, a capacidade de inovação. Que conecte todos os atores que precisam estar conectados, mas fundamentalmente potencialize em cada indivíduo e equipes essa nova forma de pensar e agir tratada no segundo imperativo.
É muito desafiador criar ambientes que reduzam os atritos hierárquicos e façam com que os departamentos se conectem fluidamente ao extramuros e não percam a obsessão pela execução. Via de regra, as organizações tendem a optar por uma capacidade ou outra.
O sistema dual de operação consiste em dois componentes principais: a hierarquia tradicional e uma rede ágil.
John P. Kotter, um dos maiores especialistas em liderança e mudança organizacional, introduziu o conceito de sistema dual de operação como uma abordagem para ajudar as organizações a navegarem em ambientes de rápida mudança e alta complexidade. Ele em dois componentes principais: a hierarquia tradicional e uma rede ágil. A hierarquia tradicional é responsável pelas operações diárias, garantindo eficiência, controle e previsibilidade por meio de estruturas e processos bem definidos.
Em contraste, a rede ágil é composta por equipes multifuncionais e dinâmicas que trabalham de forma colaborativa e flexível para explorar novas oportunidades, inovar e responder rapidamente às mudanças do mercado.
Essa rede opera paralelamente à hierarquia, permitindo que a organização seja simultaneamente estável e adaptável. Kotter argumenta que essa dualidade é essencial para o sucesso em um mundo cada vez mais volátil e incerto, pois permite que as empresas mantenham a eficiência operacional enquanto cultivam a inovação e a agilidade necessárias para prosperar em um ambiente de constante transformação.
É principalmente no quarto imperativo que damos o protagonismo ao papel da liderança. Somente elas serão capazes de potencializar o melhor de cada indivíduo e das equipes.
No artigo “Jornada de liderança: do comando e controle à inspiração e influência”, faço uma reflexão sobre a diferença entre comandar e controlar versus inspirar e influenciar movimentos pessoas e movimentos.
Precisamos urgentemente avançar de bons gestores a verdadeiros líderes. No entanto, essa é uma disciplina que não estava no conteúdo programático da maioria dos cursos de graduação, MBAs e desenvolvimento de lideranças.
Leia também: “Cinco reflexões para desapegar do sucesso e continuar crescendo”, de Daniel Martin Ely
A nova forma de potencializar as pessoas é fundamental para a realização dos demais imperativos em nossa jornada de transformação. Sem capacitar e empoderar os indivíduos, a visão compartilhada pode se tornar apenas uma declaração vazia, a cultura de inovação pode estagnar e a rede ágil pode falhar em sua execução.
Empoderar as pessoas significa fornecer ferramentas, conhecimento e autonomia para que elas possam contribuir efetivamente com os demais imperativos. Crie um ambiente em que cada membro da organização se sinta valorizado, capaz de crescer e fazer a diferença.
Ao longo deste artigo, exploramos os quatro imperativos essenciais para liderar transformações disruptivas nas organizações. Mas, antes de concluirmos, é importante lembrar o significado de “imperativos” no contexto de processos de planejamento estratégico.
Imperativos são diretrizes ou princípios fundamentais que orientam a tomada de decisões e ações em uma organização. Eles representam as prioridades estratégicas que devem ser seguidas para alcançar os objetivos desejados e garantir o sucesso em longo prazo. No entanto, para que esses imperativos se materializem e provoquem a mudança que queremos, é crucial que sejam suportados por projetos robustos e bem estruturados.
Eles devem ser capazes de traduzir os imperativos estratégicos em ações concretas e mensuráveis, garantindo que cada passo dado esteja alinhado com a visão e os objetivos da organização.
Portanto, ao implementar os imperativos discutidos – clareza de direção, uma nova forma de pensar e agir, uma nova forma de se organizar e uma nova forma de potencializar as pessoas –, é fundamental desenvolver projetos que sustentem essas diretrizes.
Para que esses imperativos se materializem e provoquem a mudança que queremos, é crucial que sejam suportados por projetos robustos e bem estruturados.
Somente assim poderemos transformar a visão estratégica em realidade, promovendo a inovação, a agilidade e o crescimento que desejamos para nossas organizações.
Em resumo, os imperativos estratégicos são a bússola que guia nossas ações, mas são os projetos robustos que pavimentam o caminho para a transformação. Ao combinar ambos, criamos um ambiente propício para mudanças significativas e duradouras, capazes de posicionar nossas organizações à frente, em um mercado cada vez mais competitivo e dinâmico.