Como algumas práticas podem ajudar a liderança a desenvolver novas competências e mudar a mentalidade para enfrentar novos tempos
Quando você avança e alcança certo nível de sucesso, a tendência é se apegar a tal conquista e criar raízes nela. Um sentimento ingênuo de domínio do jogo toma conta. A repetição substitui a inovação, a mente se engessa e, por fim, colapsa. O passado se transforma em uma densa neblina que ofusca as transformações necessárias para o futuro desejável.
Para continuar crescendo, o líder preciso adicionar novas competências e estratégias ao seu repertório – e o desapego se faz necessário. Nos últimos anos, esse é um dos principais temas que venho trabalhando com lideranças no dia a dia.
Neste artigo, compartilho cinco questões para reflexão e duas recomendações sobre como líderes conscientes estão mudando sua mentalidade, execução e, por fim, suas relações e conexões sociais.
Gosto muito dessa analogia: todos nós carregamos uma mochila ou bolsa diariamente. Ela traz em seu interior muitas coisas que usamos ou não em nossas atividades e compromissos. Carregá-la pode ser tranquilo ou representar um esforço maior que o necessário quando apenas carregamos o que não está sendo exigido ou utilizado.
Na nossa vida profissional não é diferente: alguns conhecimentos e competências precisam ficar guardados. Assim, você criará espaço para que novas competências ou estratégias que estão sendo demandadas possam ser priorizadas.
Aumentar o seu repertório enquanto líder não significa que você precise carregar e aplicar todos os dias o que já aprendeu ou viveu. Em muitos casos, isso exige o contrário: desapegar-se momentaneamente de algumas experiências para aprender coisas novas e continuar crescendo. Deixar alguns objetos de sua mochila em casa para abrir espaço a outras a manterá no peso ou até mesmo mais leve – sem perder qualidade.
Ainda em dúvida? Faça o exercício agora! Despeje tudo o que você possui em sua mochila ou bolsa sobre uma mesa. Busque reduzir no mínimo 30% do que irá recolocar na mesma. Depois, aproveite esse novo espaço para descobrir o que precisa ser inserido.
Não é mais possível entregarmos perfeccionismo em tudo o que fazemos. Mesmo que essa frase vá contra seus valores e convicções, as demandas e exigências de um mundo mais complexo e acelerado vêm nos ensinando que sermos suficientemente bons supera o perfeccionismo!
Jim Collins, em seu livro Empresas Feitas para Vencer, afirma:
“Bom é inimigo do ótimo. E essa é uma das principais razões pelas quais temos tão pouco que se torna ótimo”
Collins argumenta que a busca incessante pela perfeição pode, na verdade, impedir o progresso e a inovação. Em vez disso, focar em ser bom o suficiente permite que as organizações se adaptem mais rapidamente às mudanças e continuem a crescer.
Uma pesquisa recente – (“The Imperfection Advantage: Embracing ‘Good Enough’ in a Rapidly Changing World” – reforça essa ideia. O estudo, conduzido por pesquisadores do MIT Leadership Center, mostrou que 70% dos líderes que adotaram uma abordagem de “bom o suficiente” em vez de buscar a perfeição conseguiram implementar inovações mais rapidamente e com maior eficácia.
Esse dado evidencia que a flexibilidade e a disposição para aceitar imperfeições podem ser cruciais para o sucesso organizacional em um ambiente de negócios dinâmico.
Esse é outro sentimento muito comum na prática do desapego. Quando optamos por fazer uma mudança de rota, muitas vezes, isso pode ser percebido como uma não valorização do que já foi construído anteriormente.
Penso exatamente com uma lógica oposta a essa. Mudar e fazer diferente significa valorizar o passado, pois nos dará a condição de continuar crescendo e, assim, valorizar o legado que você recebeu de seus antecessores em uma organização.
John Kotter, em seu livro Leading Change, argumenta que a mudança bem-sucedida não apenas respeita o passado, mas também se baseia nele. Kotter afirma:
“As organizações que prosperam são aquelas que conseguem equilibrar a preservação de seus valores fundamentais com a adaptação às novas realidades.”
Portanto, mudar e fazer diferente não é uma rejeição ao legado, mas sim uma forma de honrá-lo e ampliá-lo.
Agora, não estou aqui falando de mudar por mudar! É preciso reconhecer e manter aquilo que ainda faz sentido, mas sempre adicionar novas formas de pensar e agir para criar maior robustez em novas rotas de crescimento. Ao fazer isso, você não apenas respeita o que foi construído, mas também garante que a organização continue a evoluir e prosperar.
Fazer escolhas, priorizar o que é importante e urgente há muito já deveria ter sido inserido em seu portfólio de novas competências e estratégias de sobrevivência sua e de sua organização.
Por muitos anos, o que limitou o crescimento dos negócios e das carreiras individuais foram os recursos financeiros e humanos. Os financeiros sempre foram finitos em qualquer negócio e requerem escolhas estratégicas.
E as pessoas, com seus respectivos talentos, competências e engajamento, ainda mais. O que se insere nessa lista é um recurso chamado tempo! Dar conta das demandas atuais e futuras exige de qualquer líder, além da ambidestria, uma capacidade de escolher quais os pratos que irá equilibrar em seu dia a dia.
Quem muitos pratos quiser equilibrar ao mesmo tempo, pouco ou nada conseguirá fazer de relevante para a sua organização ou desenvolvimento pessoal. Parece contraditório, mas não é. Carregar demais a mochila e não desenvolver a ambidestria tem suas consequências.
Muito se fala da ambidestria do líder, pois ser ambidestro ativa não apenas o modo sobrevivência como potencializa o crescimento. As reflexões anteriores ficam muito evidentes quando somos convidados a desenvolver e praticar a ambidestria para dar conta de nossos desafios do curto e longo prazo.
Inovar significa balancear adequadamente as doses de inovação incremental do dia a dia e adicionar outras mais disruptivas no curto, médio e longo prazo. Para fazer isso, precisamos revisitar constantemente nosso enlace reflexivo e vieses inconscientes que detalhei no artigo “Saia do piloto automático, repense seus enlaces reflexivos”.
Luis Rasquilha, especialista em ambidestria, afirma em seu livro Liderança Ambidestra: O Futuro da Gestão que “a capacidade de um líder em equilibrar a exploração de novas oportunidades e a exploração de competências existentes é crucial para a sustentabilidade e crescimento organizacional.”
Rasquilha destaca que a ambidestria não é apenas uma habilidade, mas uma mentalidade que deve ser cultivada continuamente. Ele reforça que “a verdadeira liderança ambidestra valoriza o legado ao mesmo tempo que se adapta e inova para o futuro” (Rasquilha, 2021).
Uma mentalidade mais otimista e criativa é essencial. Carol Dweck, em seu livro Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso, afirma:
“Em uma mentalidade de crescimento, as pessoas acreditam que suas habilidades mais básicas podem ser desenvolvidas por meio de dedicação e trabalho árduo – cérebros e talento são apenas o ponto de partida. Essa visão cria um amor pelo aprendizado e uma resiliência que é essencial para grandes realizações.”
Adotar essa mentalidade é crucial para o desapego, pois permite que os líderes vejam o aprendizado contínuo e a adaptação como partes integrantes de seu crescimento, em vez de se apegarem rigidamente ao que já sabem.
Desenvolver a capacidade de ressignificar as experiências passadas e as relações é fundamental. Isso significa olhar para as mesmas com novos olhos, valorizando o que foi aprendido, mas também estando aberto a novas interpretações e aplicações.
Correlacionando com os cinco pontos acima, ressignificar permite que você veja o desapego não como uma perda, mas como uma oportunidade de crescimento e inovação contínua. Ao desapegar-se de práticas e conhecimentos obsoletos, você abre espaço para novas ideias e abordagens, mantendo sua “mochila” leve e eficiente, e permitindo que a ambidestria e a mentalidade de crescimento floresçam.
Enfim, desapegar para continuar crescendo é uma prática essencial para qualquer líder que deseja se manter relevante e inovador em um mundo em constante mudança. Ao adotar uma mentalidade de crescimento, ressignificar experiências e priorizar o que realmente importa, você não apenas libera espaço para novas competências e estratégias, mas também fortalece sua capacidade de adaptação e resiliência.
Isso sem falar na habilidade de deixar para trás situações que levam ao estresse desnecessário, ansiedade e constante sentimento de inadequação ou paralisia. Lembre-se de que o verdadeiro crescimento vem da capacidade de desapegar do que já foi conquistado e estar sempre aberto ao novo.
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