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Igualdade salarial de gênero: cumprir a lei é só o começo

Para vermos mais mulheres CEOs, as organizações precisam de uma estratégia ampla de mudança de cultura, com práticas inclusivas para oferecer oportunidades iguais de ascensão na carreira

Camila Cinquetti
Camila Cinquetti
Igualdade salarial de gênero: cumprir a lei é só o começo
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O tema da igualdade salarial de gênero tem recebido atenção crescente em todo o mundo, inspirando legislações que buscam corrigir disparidades históricas. No Brasil, a Lei nº 14.611/2023 aborda essa questão e estabelece obrigações para que os empregadores garantam critérios justos de remuneração entre homens e mulheres. Esse é um processo que impulsiona discussões sobre como as práticas corporativas podem ser aprimoradas para, efetivamente, promover a equidade.

Nesse sentido, um ponto importante é a diferença dos conceitos de equidade e de disparidade salarial – ambos são métricas, mas o cálculo é feito usando metodologias diferentes. Dessa forma, diferentes desafios são evidenciados, mas eles se complementam nas discussões sobre inclusão. 

Leia também: “Desigualdade salarial entre homens e mulheres: uma questão de família?”, de Grazi Mendes

Sem esclarecer esses conceitos, podemos cair na armadilha de confundir os resultados dos relatórios de transparência salarial do Ministério do Trabalho – que destacam as diferenças médias de salários entre os gêneros (disparidade) – e os dos relatórios de análise de equidade salarial, que comparam diferenças salariais usando diversos parâmetros (como gênero, grade salarial, função, nível educacional e senioridade na função).

O que é disparidade salarial de gênero?

As disparidades salariais entre homens e mulheres não envolvem a comparação de funções semelhantes na organização. Em vez disso, revelam a diferença entre os salários médios ou medianos de mulheres e de homens na força de trabalho.

O objetivo desse tipo de análise é evidenciar a capacidade de ganho financeiro entre os gêneros. Esse gap é resultado de fatores sociais e econômicos que se combinam para reduzir a capacidade de ganho de uma pessoa. Por isso, esse indicador demonstra a diferença financeira. 

Garantir que o trabalho realizado por mulheres e homens seja valorizado de forma justa e acabar com a discriminação salarial é essencial para alcançar a igualdade de gênero.

Eliminar esse gap traz ganhos econômicos para os países, pois quando as mulheres ganham menos do que os homens, têm uma menor capacidade de ganho financeiro ao longo de sua vida, o que impacta, por exemplo, seu poder de compra e sua independência financeira.

O que é equidade salarial de gênero?

A equidade salarial de gênero é o direito de homens e mulheres serem pagos igualmente por um trabalho igual ou comparável. A percepção de salário desigual é muitas vezes (incorretamente) o que as pessoas acreditam ser a única variável no gap salarial. 

Na verdade, esse gap existe também devido às diferenças de oportunidades. É o que vemos, por exemplo, na discriminação consciente ou inconsciente em decisões de contratação, remuneração e promoção.

Ouça também o podcast “Por uma mandala de transformação”, com Cristina Palmaka

Garantir que o trabalho realizado por mulheres e homens seja valorizado de forma justa e acabar com a discriminação salarial é essencial para alcançar a igualdade de gênero. No entanto, a desigualdade salarial continua a persistir, e as disparidades salariais entre homens e mulheres, em alguns casos, estagnaram ou até aumentaram.

A diferença entre os salários continua aumentando

Embora a participação das mulheres no mercado de trabalho esteja ganhando corpo, ainda há disparidades salariais em comparação com os homens. Entre 2021 e 2022, a lacuna salarial de gênero aumentou em 20 dos 33 países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). 

O Reino Unido foi o país que apresentou a maior queda em relação ao ano anterior, caindo quatro posições: do 13º, em 2021, para o 17º lugar, em 2022, conforme estudo da PwC Women in Work Index 2024. Já a Austrália teve o avanço anual mais significativo, subindo sete lugares: do 17º para o 10º lugar no mesmo período.

Ainda assim, em toda a OCDE, o progresso continua lento. Nesse ritmo, levará mais de 50 anos para eliminar a lacuna salarial de gênero. Nossa análise também mostra que os preconceitos de gênero não operam isoladamente. O gênero muitas vezes tem impactos cruzados com outros marcadores sociais (como raça ou idade) nos rendimentos e nos resultados de carreira. 

Eliminar as penalidades salariais de gênero poderia levar a ganhos econômicos consideráveis. Estimamos que, se as mulheres no Reino Unido não enfrentassem essa disparidade, o aumento potencial nos seus ganhos seria de £55 bilhões por ano.

Na OCDE, o progresso continua lento. Nesse ritmo, levará mais de 50 anos para eliminar a lacuna salarial de gênero.

Isso também poderia incentivar mais mulheres a ingressar ou retornar à força de trabalho: um aumento de 5% na participação feminina na força de trabalho poderia impulsionar o PIB do Reino Unido em até £125 bilhões por ano, segundo o PwC Women in Work Index 2024.

Na outra ponta, como exemplo positivo, Luxemburgo ocupa o primeiro lugar no ranking de equidade do estudo, seguido por Islândia e Eslovênia. O desempenho sólido de Luxemburgo foi impulsionado por uma melhoria em todos os cinco indicadores do estudo entre 2021 e 2022. O país é líder em toda a OCDE no que diz respeito à diferença salarial entre os gêneros, com uma lacuna negativa de -0,2%, o que significa que os ganhos médios das mulheres são maiores que os dos homens. 

Por que as práticas corporativas precisam mudar

No Brasil, a Lei nº 14.611/2023 reforça a transparência sobre salários e critérios de remuneração, buscando alcançar benefícios sociais e culturais. Contudo, é necessário observar que o tema salarial por si só não é suficiente. O Reino Unido, apesar de ter uma legislação semelhante à do Brasil, em vigor por quase uma década, ainda registra queda nos rankings internacionais de igualdade de gênero. Isso sugere que as práticas corporativas e os comportamentos sociais continuam a perpetuar as desigualdades.

Leia também “Rompendo o preconceito de gênero na liderança”, de Maryam Kouchaki, Burak Oc e Ekaterina Netchaeva

Questões como essas sugerem que não devemos nos preocupar apenas com a igualdade salarial nominal, mas também com equidade de oportunidades, incluindo acesso a posições de liderança e programas de desenvolvimento profissional. O tema é complexo e multifacetado, e envolve também reconhecimento, segurança no emprego e tratamento justo no ambiente de trabalho.

Em todo o mundo, não é de hoje que a legislação sobre salários entre gêneros está em pauta. Em 2018, a Islândia já exigia, em lei, a igualdade salarial. Áustria, França, Alemanha e Itália já possuem legislação que exige relatórios sobre a remuneração por gênero, mas ainda precisam fortalecer os direitos dos funcionários para atender aos padrões mínimos previstos pela ordem.

Não devemos nos preocupar apenas com a igualdade salarial nominal, mas também com equidade de oportunidades, incluindo acesso a posições de liderança e programas de desenvolvimento profissional.

A legislação sobre igualdade salarial, em suma, é um ponto de partida para discussões mais profundas e transformadoras. Deve ser vista como um componente de uma estratégia maior, que precisa incluir educação, mudanças culturais e práticas corporativas inclusivas.

As empresas precisam ir além do cumprimento da lei e adotar uma abordagem holística, que reconheça e valorize efetivamente as contribuições femininas em todos os níveis organizacionais. Essa é uma questão não apenas de justiça e ética, mas também de viabilidade econômica e sustentabilidade corporativa.

Camila Cinquetti
Camila Cinquetti
Camila Cinquetti é sócia da consultoria PwC Brasil.

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