Se a ordem é acompanhar como a inteligência artificial vai remodelando comportamentos e negócios, vale conferir esse debate sobre sistemas de recomendação por IA no e-commerce e o o velho ato de presentear
Uma vez por mês, a MIT Sloan Management Review realiza um fórum de estratégia, reunião especialistas de diferentes instituições e lhes pedindo que avaliem determinado tema de gestão. Um dos temas nos últimos anos foi o dos presentes de Natal em tempo de inteligência artificial e comércio online e agora, em retrospectiva e sem gerar culpas em ninguém, publicamos o debate.
Encontrar o presente perfeito para um ente querido costuma ser uma tarefa desafiadora e até mesmo estressante. Isso porque ninguém quer dar (ou receber) um presente que não será usado, o que reforça o argumento de muitos que dinheiro ou vales-presente, embora impessoais, continuam imperando. Presentes de Natal têm sido, inclusive, um tópico de interesse para economistas, incluindo Joel Waldfogel, autor do artigo “The Deadweight Loss of Christmas“, publicado na The American Economic Review, segundo o qual dálos destrói uma parte significativa do valor pago por eles e resulta em problema batizado de “distribuição de peso morto”, uma vez que o melhor presente que se pode dar é aquele que o próprio presenteado teria escolhido para si.
Com as recomendações de produtos orientadas por IA, cada vez mais um dos pilares do comércio eletrônico, MIT SMR pediu a um painel de especialistas que respondesse à seguinte declaração:
A inteligência artificial está reduzindo o desperdício de presentes de fim de ano (ou seja, o peso morto), ajudando os varejistas on-line a combinar melhor as pessoas com os presentes?
A contabilidade das respostas aparece na figura abaixo:
Não houve consenso, e isso nem era importante. O mais importante são os raciocínios traçados, como você pode acompanhar abaixo.
Timothy Simcoe – Boston University (EUA): Concordo totalmente. Eu acho que os mecanismos de recomendação estão ajudando a melhorar marginalmente a oferta de presentes. Mas existe uma tecnologia mais antiga chamada “lista de Natal” que já funciona muito bem – exceto por alguns parentes cujo nome não direi, que me dão meias, não importa o que a Amazon diga a eles. [risos]
Ashish Arora – Duke University (EUA): Concordo. A tecnologia para combinar pessoas com presentes é anterior à IA. Chama-se dinheiro!
Erik Brynjolfsson – Stanford University (EUA): Concordo. Os sistemas de recomendação são um dos usos pioneiros e mais bem-sucedidos da IA. Eles estão longe de ser perfeitos, mas muitas vezes são melhores do que vendedores humanos para encontrar presentes apropriados para eu dar.
Annamaria Conti – IE University (Espanha): Concordo. A inteligência artificial ajuda as empresas a preverem melhor os gostos dos consumidores. Em resultado, os presentes tendem a corresponder com mais precisão aos gostos dos seus destinatários, reduzindo o desperdício.
Nicolai J. Foss – Copenhagen Business School (EUA): Concordo. A análise de clientes com inteligência artificial está silenciosamente remodelando os mercados do varejo. A expectativa é de que melhorias na correspondência entre pessoas e presentes reduzam cada vez mais o desperdício. No entanto, uma questão fundamental é a que tipo de dados específicos da pessoa a IA tem acesso. A correspondência precisa pede precisão nos dados. Além disso, alguns presenteadores podem gostar de dar presentes surpreendentes, fora do comum, projetados para mudar a visão do destinatário, etc., e, para tal, a IA pode ser menos adequada.
Alfonso Gambardella – Bocconi University (Itália): Concordo. É um exercício clássico de IA preditiva que parece funcionar em vários contextos – por exemplo, previsões de itens de interesse para clientes em várias plataformas. Ainda há algumas perguntas. Primeiro, o antecedente: a IA será usada extensivamente para esse fim para fazer a diferença? Em segundo lugar, os presenteadores preservarão a opção de fazer sua escolha, de modo que o resultado seja o melhor entre a escolha deles e a IA? Terceiro, isso aumentará as expectativas de uma correspondência, induzindo mais presentes e um efeito de escala que aumenta a porcentagem de correspondência, mas também aumenta a escala de incompatibilidade?
Richard Holden – University of New South Wales (Austrália): Concordo. Isso tem que estar certo, embora eu não tenha certeza se a “o peso morto do Natal” seja algo com que devemos nos preocupar demais.
Andrea Fosfuri – Bocconi University (Itália): Não concordo nem discordo. O efeito total sobre a quantidade absoluta de presentes não é claro. Embora a parcela de itens desnecessários possa diminuir, é provável que o total de presentes aumente devido ao uso de inteligência artificial por varejistas online.
Shane Greenstein – Harvard University (EUA): Não concordo nem discordo. Por um lado, a IA melhora a capacidade de alguém encontrar o que procura, aumentando a qualidade do presente. Por outro lado, a IA não melhora o gosto de um parente distante que pretende comprar um suéter brega. Isso torna o suéter brega mais fácil de encontrar.
Anita McGahan – University of Toronto (Canadá): Não concordo nem discordo. É uma pena que tantos presentes de fim de ano sejam um desperdício. Como as escolhas são feitas na loja por quem compra, e não pelo destinatário, a correspondência que ocorre por meio da IA no varejo on-line não é tanto orientada para reduzir o desperdício, mas para induzir a compra. Ao mesmo tempo, a IA no varejo incentiva preços competitivos e pode facilitar devoluções. Também pode reduzir os custos de entrega e facilitar as cadeias de suprimentos. Em suma, existem prós e contras, com a oportunidade real de mudança cultural facilitada pela IA para reduzir completamente o consumo desnecessário.
Joel Waldfogel – University of Minnesota (EUA): Não concordo nem discordo. Não está claro se a IA, por si só, faz mágica aqui. A chave seria obter dados relevantes, em particular sobre as escolhas e desejos do destinatário. Ajudaria muito ver todo o comportamento de navegação de varejo do destinatário. Mas isso requer a aceitação por parte dele ou possíveis violações de privacidade.
Richard Florida- University of Toronto (Canadá): Discordo. A IA pode ajudar a combinar melhor as pessoas com os presentes. Mas, na minha experiência, ainda é uma combinação não tão boa.
Tom Lyon – University of Michigan (EUA): Discordo. Não acho que a IA esteja me ajudando a comprar presentes melhores para meus entes queridos. Isso me inunda com anúncios depois que eu já comprei algo para eles. No entanto, pode estar me ajudando a comprar presentes melhores para mim. Portanto, pode estar nos empurrando ainda mais para o cone de isolamento que parece resumir nossa época.
R. Preston McAfee – Economista-chefe do Google (EUA): Discordo. Acho que a IA poderia ajudar na correspondência entre pessoas e presentes, mas não estou vendo isso em ação no momento, nem o tipo de dados necessários – características do destinatário – está disponível para uso.
Petra Moser – New York University (EUA): Discordo. Talvez pudesse otimizar, mas a otimização faz perder o objetivo de dar presentes, que é pensar em outra pessoa que não você e no que a faria feliz.
Lori Rosenkopf – University of Pennsylvania (EUA): Discordo. Se os mecanismos de recomendação afastarem os presentes em dinheiro ou cartões-presente, é provável que o peso morto aumente.
Monika Schnitzer – Ludwig Maximilian University of Munich (Alemanha): Discordo. A IA pode me ajudar a encontrar os presentes certos para mim, mas não necessariamente os presentes certos para as pessoas a quem quero presentear. Para isso, eu teria que dar à IA as informações relevantes sobre os presenteados potenciais. Se tudo o que eu inserir for “sobrinho, homem, 13 anos”, duvido que a IA possa fazer uma boa recomendação.
Olav Sorenson – University of California em Los Angeles (EUA): Discordo. A IA poderia ajudar a evitar desperdícios? Talvez. Será que ajuda na prática? Provavelmente não. Embora eu ache que os sistemas de recomendação baseados em IA possam fornecer ideias de presentes mais adequadas ao que o destinatário pode querer, suspeito que a natureza humana o impedirá de fazê-lo por pelo menos dois motivos. O primeiro deles tem a ver com a natureza de um presente: “É a intenção que conta, é a lembrança que conta”. Se quem dá o presente não pensou no presenteado, deve realmente receber crédito? Suspeito que muitos não adotariam esses sistemas porque os sentem incoerentes com o ato de presentear. O segundo motivo é a projeção: as pessoas geralmente acreditam que os outros querem as mesmas coisas que elas. Mesmo que tente usar esses sistemas de recomendação por IA, quem dá o presente pode descartar as recomendações como erradas por não ser o que ele, doador, gostaria de receber.
John Van Reenen – London School of Economics and Political Science (Reino Unido): Discordo. Simplemente ainda não vi evidências suficientes dessa correspondência!
Joshua Gans – University of Toronto (Canadá): Discordo totalmente. Se um varejista está usando IA para recomendar produtos aos consumidores e a IA foi treinada sobre o que as pessoas costumam comprar no Natal, provavelmente está incrementando desperdício em vez de reduzi-lo. Dizendo o mesmo de uma maneira mais simples, é preciso uma IA séria para recomendar um presente como uma “gravata com estampa de peixe”. Essa IA vai encontrar mais opções e, quanto mais encontrar, mais desperdício haverá.
Melissa Schilling– New York University (EUA): Discordo totalmente. Por exemplo, fui à Amazon e digitei “presentes para mim” para ver o que a IA da Amazon recomendava para mim. As sugestões eram hilárias e horrorosas demais para registrar na MIT SMR – o que eu ganhei foi uma história folclórica para contar nos jantares e festas. (risos)
O grupo de especialistas que discorda total ou parcialmente da contribuição da IA para evitar desperdícios – seja no Natal ou em quaisquer circunstâncias de presentes para terceiros – é maioria (quase metade do total).
Os argumentos da discordância são principalmente três:
Faltam dados dos potenciais presenteados. Tom Lyon, da Universidade de Michigan, e Monika Schnitzer, da universidade alemã Ludwig Maximilian, apontam que, embora os mecanismos de IA estejam se tornando mais sofisticados em reconhecer o que nós, como indivíduos, podemos querer comprar para nós mesmos (com base em uma miríade de dados), eles ainda demoram em nos ajudar a comprar para outras pessoas. Da mesma forma, o economista Preston McAfee escreve: “Acho que a IA poderia ajudar na correspondência de pessoas e presentes, mas não estou vendo isso em ação no momento, nem tampouco os dados necessários – características do destinatário – estão disponíveis para uso”.
Haverá mais desperdício, não menos. Por sua vez, Joshua Gans afirma: “Se um varejista está usando IA para recomendar produtos aos consumidores e a IA foi treinada sobre o que as pessoas costumam comprar no Natal, provavelmente está incrementando em vez de reduzir desperdício” (talvez atendendo a outro objetivo mais egoísta, queé o de incrementar receita para o varejista). Lori Rosenkopf, da Wharton School, igualmente contesta a ideia de que as recomendações de IA podem resolver a questão dos presentes inúteis, observando que, se os mecanismos de recomendação afastarem quem costuma dar dinheiro ou cartões-presente, o peso-morto provavelmente aumentará.
Ato de presentear perde o sentido. Outro argumento comum entre os que discordam dos benefício desse uso de IA é que dar presentes tem a ver com ter consideração pelas pessoas, não apenas com precisão e acerto. Petra Moser, da NYU Stern School of Business, diz que as recomendações de IA põem a perder “o objetivo de dar presentes, que é o de pensar na outra pessoa”. Suspeito que muitos não adotariam esses sistemas porque se veriam nisso um comportamento incoerente com o ato de presentear, acrescenta Olav Sorenson, da escola de negócios Anderson, ligada à UCLA.
Em cima do muro, Shane Greenstein, da Harvard Business School, aponta que, apesar das vantagens da IA em ajudar as pessoas a encontrarem presentes, não há como explicar – e traduzir em dados – o gosto de alguém.
Entre os que concordam, alguns veem alternativas melhores à IA para as escolhas de presentes. Timothy Simcoe, da University of Boston, observa que um recurso totalmente analógico ainda pode reinar absoluto: a lista de desejos de Natal. “Isso já funciona muito bem – exceto por alguns parentes cujo nome não direi, que me dão meias, não importa o que a Amazon diga a eles”, acrescenta. E Ashish Arora, da Duke University, aponta para outra tecnologia testada e comprovada para combinar as pessoas com o que elas querem nas festas de fim de ano e que antecede a IA: dinheiro!
Tanto Erik Brynjolfsson, de Stanford, como Nicolai Foss, da Copenhagen Business School, concordam enfaticamente, no entanto, dizendo que sistemas de recomendação são dos mais antigos e bem-sucedidos usos de IA e que isso só tende a melhorar, remodelando mais e mais os mercados de varejo por meio da melhor correspondência entre pessoas e presentes. A conferir.