Centro de formação executiva focado em liderança, inovação e curadoria de conteúdos para líderes e gestores do futuro.

Conheça mais

O portal brasileiro da faculdade de gestão do MIT, trazendo conteúdo de qualidade e confiável sobre o tema.

Você está aqui

Acesso a estudos exclusivos e materiais de ensino produzidos pela faculdade de negócios de Harvard.

Versão brasileira do portal referência em negócios na China, endossado pela universidade de negócios Cheung Kong.

Conheça mais
O CNEX faz parte do ecossistema Atitus. Conhecimento, tecnologia e inovação. Conectadas com o mesmo propósito: o seu futuro.
XTENDED 14 min de leitura

A IA é um cisne vermelho no mercado de soluções digitais; saiba como responder a ele

O esforço das empresas para integrar e explorar a inteligência artificial, sobretudo nas formas generativa e agêntica, está semeando desestabilização. A sobrevivência e a prosperidade nesse novo ambiente demandam agilidade estratégica radical, capacidade de aprendizado contínuo em ciclos curtíssimos, e a coragem de desaprender velhos dogmas

Silvio Meira
A IA é um cisne vermelho no mercado de soluções digitais; saiba como responder a ele
Este conteúdo pertence à editoria Estratégia e inovação Ver mais conteúdos
Este conteúdo pertence à editoria Tecnologia, IA e dados Ver mais conteúdos
Link copiado para a área de transferência!

Estou propondo uma nova espécie de cisnes – além do cisne negro de Nassim Taleb [e há o cisne verde de John Elkington), passamos a conviver agora com o cisne vermelho, que transcende a mera surpresa estatística do seu colega de cor preta.

Essa nova ave descreve eventos de ruptura sistêmica, ultra-imprevisíveis em sua manifestação e escala, cujas sementes, paradoxalmente, são cultivadas pela própria comunidade que virá a ser maciçamente impactada. A ascensão meteórica e a disseminação viral de inteligência artificial, especialmente suas vertentes generativas e de agentes autônomos, a partir de 2023, corporifica de forma dramática e ameaçadora esse fenômeno no mercado global de soluções digitais.

O setor, historicamente vetor da transformação digital e percebido como vanguarda corporativa, engajou-se numa competição inevitável pela adoção da IA, impulsionado pela promessa de hiperprodutividade e novas fronteiras de inovação (e aqui cito de Brynjolfsson a Furman e Seamans). Investimentos multibilionários foram direcionados por empresas de consultoria e desenvolvimento para explorar e integrar IA, num esforço coletivo que, inadvertidamente, está semeando a própria desestabilização. A busca incessante por vantagem competitiva gera as condições para uma ruptura paradigmática interna de consequências ainda incalculáveis.

Em outras palavras, a IA, de ferramenta promissora, metamorfoseou-se num cisne vermelho: uma força que corrói as bases de performance, desafia fundamentalmente os modelos de negócio e ameaça a própria estrutura de custos do mercado que (em parte) a criou, com uma velocidade e profundidade que estilhaçam projeções lineares e modelos de gestão de risco tradicionais.

Pesquisas recentes já começam a mapear a onda de choque: estudos de fim de 2024 e início de 2025 indicam que mais de 95% das grandes empresas de soluções digitais já utilizam IA generativa em alguma capacidade, principalmente no desenvolvimento de software. No entanto, a transformação profunda ainda engatinha, com menos de 15% reportando mudanças estruturais consolidadas em seus métodos.

A dissonância entre adoção superficial em massa a e reestruturação estratégica incipiente é um sintoma clássico da incapacidade de percepção sistêmica perante um cisne vermelho: a comunidade, focada nos ganhos imediatos, subestima a magnitude da ruptura que ela mesma ajudou a criar e que agora a ameaça existencialmente.

FUNDAÇÕES SOB AMEAÇA EXISTENCIAL

Essa transformação transcende o nível meramente tecnológico ou mercadológico, ameaçando as próprias fundações da área de software (o que é e quem o faz), do modo como o conhecemos e validamos, e o que valorizamos nele, fundações essas que sustentaram o setor por mais de meio século. Vejamos ao menos quatro fundações, ponto por ponto: arquitetura tecnológica, modelo de negócio, desenvolvedores de software, design digital e UX.

Arquitetura tecnológica

A integração de IA em escala não permite remendos; ela exige e força uma reengenharia radical e custosa das arquiteturas tecnológicas. Plataformas monolíticas ou rigidamente acopladas, desenhadas para estabilidade e previsibilidade, tornam-se não apenas inadequadas, mas passivos perigosos.

IA demanda arquiteturas intrinsecamente modulares, orientadas a eventos, altamente escaláveis e capazes de gerenciar fluxos de dados massivos e dinâmicos, além de suportar aprendizado contínuo e comportamentos emergentes e não determinísticos.

O custo da inação ou da adaptação lenta é proibitivo. Modernização da infraestrutura de dados (data fabrics, datalakes vetoriais), adoção de práticas MLOps robustas e migração para ambientes de nuvem flexíveis e especializados em IA são imperativos não negociáveis . No entanto, relatórios de 2024/2025 persistem em mostrar que uma parcela alarmante das organizações (frequentemente acima de 50%) ainda se considera despreparada em termos de maturidade de dados e infraestrutura para escalar IA com segurança e eficácia.

Essa defasagem cria uma vulnerabilidade sistêmica crítica.

O cisne vermelho da IA atua aqui como um acelerador implacável da obsolescência, expondo fragilidades estruturais ocultas e ameaçando deixar para trás empresas presas a paradigmas arquitetônicos ultrapassados, numa corrida contra o tempo pela sobrevivência tecnológica.

Modelos de negócio

Talvez o impacto mais visceral e disruptivo do cisne vermelho da IA se manifeste na desestabilização profunda dos modelos de negócio que por décadas sustentaram o mercado de soluções digitais. A tradicional monetização baseada em esforço humano (horas/projeto, alocação de FTEs) enfrenta uma erosão acelerada. A automação cognitiva provocada por IA, capaz de executar tarefas complexas – da geração de código à análise de dados – com eficiência sobre-humana, pulveriza a correlação direta entre esforço e valor percebido, exercendo uma pressão implacável sobre margens em serviços tradicionais.

Assiste-se a uma comoditização agressiva de serviços antes considerados de valor agregado, como desenvolvimento básico, testes e manutenção de software. Simultaneamente, emerge uma demanda urgente por consultoria estratégica de altíssimo nível, focada em navegar a complexidade da IA, personalização de modelos para domínios específicos, garantia de governança ética e responsável, e redesenho de processos de negócio.

Empresas são, assim, forçadas a uma metamorfose dolorosa: investir pesadamente em ativos de IA proprietários, desenvolver plataformas reutilizáveis e buscar diferenciação em nichos de especialização profunda ou ofertas verticalizadas. O crescimento reportado em receitas ligadas a projetos de IA mascara a incerteza sobre a viabilidade futura dos fluxos de receita do negócio. O cisne vermelho, nesse domínio, força uma redefinição brutal de identidade e propósito comercial: quem não conseguir transitar para modelos baseados em valor, resultados ou propriedade intelectual de IA, corre o risco real de irrelevância econômica.

Desenvolvedores de software

O coração operacional do mercado de soluções digitais – a engenharia de software – está em plena convulsão, sofrendo uma revolução metodológica e de habilidades imposta por IA generativa. Ferramentas de desenvolvimento assistido por IA (como copilotos de código e geradores de testes automatizados) são onipresentes, integradas aos fluxos de trabalho da vasta maioria dos desenvolvedores em empresas líderes.

Ganhos de produtividade em tarefas específicas são inegáveis, na casa dos 30% a 50% ou mais, mas esse avanço configura um cisne vermelho ao desencadear uma onda de desqualificação de habilidades humanas tradicionais para codificação manual repetitiva. A demanda por codificação manual repetitiva despenca.

Por outro lado, explode a necessidade de engenheiros capazes de supervisionar, validar, depurar e orquestrar sistemas de IA, dominar a engenharia de prompt avançada e garantir a qualidade e a segurança do código gerado por máquinas. A governança se torna exponencialmente mais complexa: como garantir a qualidade, evitar vieses algorítmicos, assegurar a propriedade intelectual e prevenir falhas catastróficas originadas em código gerado por “caixas-pretas” estatísticas?

O cisne vermelho da IA, ao automatizar partes significativas da criação, não apenas aumenta a eficiência, mas introduz novas e profundas fontes de risco e incerteza, forçando uma redefinição radical do que significa ser um engenheiro de software e intensificando a competição de maneira imprevisível.

Design digital e UX

O campo do design de interfaces e da experiência do usuário (UX), antes focado na empatia e na criação artesanal de interações, também é sacudido violentamente pela IA generativa. O cisne vermelho aqui ameaça não apenas processos, mas a própria alma do design digital, forçando uma reflexão urgente sobre os limites da automação criativa e da responsabilidade ética em um mundo cada vez mais mediado por IA.

O papel do designer é questionado em seus fundamentos: de arquiteto da interação para curador ético, auditor de algoritmos e guardião da humanidade na interface.

Aspectos menos visíveis do colapso

As transformações radicais observadas na arquitetura tecnológica (onde pressupostos de estabilidade deram lugar a arquiteturas fluidas e dinâmicas), nos modelos de negócio (onde modelos tradicionais são questionados por novas lógicas de geração de valor) e nas práticas de desenvolvimento e design (onde a relação entre trabalho humano e resultado final foi alterada de forma irrevogável) não são meros ajustes setoriais.

Essas são, na verdade, as manifestações aparentes do colapso, muito mais profundo, de tudo que definiu o mercado de soluções digitais por mais de 50 anos. Essa definição nos dava três pilares: (1) o software é um artefato primordialmente humano, criado num processo controlado e previsível; (2) a validação do software é centrada no saber humano; pessoas são a garantia de qualidade e previsibilidade; (3) os valores em torno do software estão relacionados com o esforço do artesanato humano (esforço, talento, expertise) e a confiança interpessoal cliente-fornecedor.

O cisne vermelho de IA ataca cada um desses pilares:

  • O cisne vermelho redefine a natureza do software como co-criação humano-máquina e transforma a identidade dos profissionais envolvidos, questionando a própria agência humana na criação digital.
  • O cisne vermelho invalida muitos métodos tradicionais de saber e validar, introduzindo opacidade e incerteza radical onde antes se buscava controle, tornando obsoletos muitos dos mecanismos de garantia de qualidade e previsibilidade.
  • O cisne vermelho subverte a hierarquia de valores, deslocando o valor do esforço humano para o impacto algorítmico, questionando o fazer artesanal tradicional ante a eficiência implacável da máquina, e impondo novas e urgentes questões éticas sobre autoria, viés, responsabilidade e o próprio futuro do trabalho humano no setor.

Esse colapso triplo é a essência da ruptura provocada pelo cisne vermelho. Ele desafia não apenas as práticas, mas a própria racionalidade cognitiva e institucional que estruturava o mercado.

Se há algo que a metáfora do cisne vermelho ensina é que a preparação para o extraordinário passa por reforçar a adaptabilidade e a inteligência coletiva. Assim, a sobrevivência e a prosperidade nesse novo ambiente requerem muito mais que otimizações incrementais; demandam agilidade estratégica radical, capacidade de aprendizado contínuo em ciclos curtíssimos, e a coragem de desaprender velhos dogmas.

As respostas incluem investimentos massivos em requalificação, a adoção de arquiteturas flexíveis, resilientes e evolutivas por design, e, de forma crítica, o desenvolvimento e implementação de frameworks de governança de IA robustos, transparentes e centrados no humano. As organizações de ponta desse mercado demonstram isso na prática, investindo em aprendizado contínuo, parcerias e desenvolvimento de frameworks para navegar na turbulência em vez de ser subjugadas por ela.

Naturalmente, nem todas as peças do novo quebra-cabeça estão postas – desafios regulatórios, impactos no emprego e questões éticas permanecem em aberto à medida que a IA generativa avança. Mas, ao menos no mercado de soluções digitais, a preparação se traduz em cultivar equipes multifuncionais com muito mais conhecimento em IA, adotar arquiteturas evolutivas e, acima de tudo, manter o ser humano no centro da inovação.

Precisamos entender, de uma vez por todas, que o mercado de soluções digitais está imerso numa tempestade perfeita, induzida pela própria inovação que nele acontece, pela própria comunidade de desenvolvedores. E nele, a IA, apesar de um cisne vermelho, não é necessariamente uma ameaça. Ela pode ser tanto ameaça quanto aliada; caberá às empresas de soluções digitais escreverem o desfecho dessa história – em tempo real.

Porém, mesmo diante de eventos ultra-imprevisíveis catalisados pela inteligência artificial, o setor poderá resistir ao choque e, mais, reinventar-se – emergindo da crise com plataformas mais flexíveis, robustas, resilientes, responsivas, modelos de negócio mais alinhados a resultados e experiências digitais mais ricas e personalizadas do que jamais vimos.

É IMPORTANTE REFORÇAR QUE O ENFRENTAMENTO do novo regime de incerteza que o fenômeno do cisne vermelho da IA traz consigo não se faz somente com resiliência. Ele exige um exercício indispensável de humildade quanto ao conhecimento e um impulso na direção da ação adaptativa – não em direção ao pânico paralisante ou ao viés fatalista. Devemos nos sentir chamados à experimentação deliberada – reconhecendo os limites do que sabemos e, ao mesmo tempo, nos preparando para responder de modo ágil e criativo ao desconhecido. E, para isso, devemos nos equipar de imaginação estratégica, infraestruturas adaptativas e sistemas inteligentes capazes de coevoluir com o inesperado.

Referências bibliográficas

Aven, Terje. Risk Analysis. 2nd ed., Wiley, 2015.

Beck, Ulrich. Risk Society: Towards a New Modernity. Translated by Mark Ritter, SAGE Publications, 1992.

Castells, Manuel. The Rise of the Network Society. 2nd ed., Wiley-Blackwell, 2010.

Chesbrough, Henry. Open Innovation: The New Imperative for Creating and Profiting from Technology. Harvard Business Review Press, 2003.

Funtowicz, Silvio O., and Jerome R. Ravetz. “Science for the Post-Normal Age.” Futures, vol. 25, no. 7, 1993, pp. 739–755.

Heinonen, Sirkka, et al. “Transformational Energy Futures 2050.” FRC eBOOK 10/2017.

Meira, Silvio. Fundações para os Futuros Figitais. Recife: TDS.Company, 2021. Em... https://biblioteca.tds.company/ebook-futuros-figitais.

Meira, Silvio. Inteligência Artificial: Estratégia e Diferenciais Competitivos Sustentáveis. Recife: TDS.Company, 2024. Em… https://biblioteca.tds.company/tds-books-ia-estrategia-e-diferenciais-competitivos-sustentaveis.

Sardar, Ziauddin. “Welcome to Postnormal Times.” Futures, vol. 42, no. 5, 2010, pp. 435–444.

Taleb, Nassim Nicholas. Antifragile: Things That Gain from Disorder. Random House, 2012.

Taleb, Nassim Nicholas. The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable. 2nd ed., Random House, 2010.

Silvio Meira
null

Deixe um comentário

Você atualizou a sua lista de conteúdos favoritos. Ver conteúdos
aqui