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Nós na corrida do ouro do bem

Este espaço estreia para compartilhar histórias de inovação social lideradas por pessoas negras, LGBTQIA+ e periféricas, que assim retomam o protagonismo no mercado de impacto social.

João Souza
29 de julho de 2024
Nós na corrida do ouro do bem
Este conteúdo pertence à editoria Finanças e ESG Ver mais conteúdos
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Olá! Tudo bem por aí? Todos bem e saudáveis física, mental e espiritualmente eu espero. Quem acompanha as redes sociais e os blogs da MIT Sloan Review Brasil e o da revista HSM Management deve ter visto alguns devaneios meus em formato de texto, e agora a coisa ficou séria! Sou o novo colunista da MIT Sloan Review e minha missão aqui será tratar de temas relacionados a inovação e impacto social, diversidade racial e claro também pautas importantes para democratização do acesso ao conhecimento e informação que já estão no DNA da MIT. Bora se conhecer?! João Souza, escoteiro (sim, vamos falar sobre isso em algum momento, se você também é ou já fez parte do movimento, fica aqui o meu “sempre alerta!”), empreendedor social reconhecido pela rede global Ashoka. 

Sou também do FA.VELA, um hub de inovação social, aprendizagem inclusiva e empreendedorismo que atua na aceleração de pessoas, territórios e negócios. Em 2020 completamos seis anos. Uma vida breve e intensa e com um amadurecimento a passos largos, inclusive no entendimento de quem somos, o que fazemos e porque precisamos continuar a fazer. 

Durante esses seis anos tivemos a experiência, a formação técnica e a criatividade dos fundadores e da equipe aplicados a diversos projetos nos campos sociais, econômicos, educativos, tecnológicos e do desenvolvimento humano em projetos pensados e customizados com olhar totalmente voltado para levar o real impacto positivo para pessoas e territórios. 

(Muitos deles na modalidade de consultoria que era algo que sempre esteve presente na minha carreira profissional e das minhas sócias Tatiana Silva e Débora Silva.) 

A gente sempre gosta de dizer que o FA.VELA não é como as outras organizações sociais. Nascemos com um DNA muito forte de negócio de impacto na gestão interna e também no que entregamos no campo. Se pudéssemos resumir o que fazemos numa frase, seria: “Conectar pessoas e territórios é o nosso corre!”. Esse, aliás, é o título do nosso manifesto.

EM QUE NEGÓCIO ESTAMOS

Descobrimos nesses seis anos em que negócio estamos, desde sempre: no negócio de construção de futuros diversos e inclusivos. E, em 2020, decidimos que, agora, o mundo precisa saber disso. Portanto, em 2020, finalizei a transição da diretoria-executiva para me dedicar mais ao nosso braço de consultorias e projetos especiais, que materializa isso e é o pilar de sustentabilidade financeira do nosso modelo de negócio. Sigo como diretor-presidente do FA.VELA atuando como um evangelista, mas volto ao que mais gosto de fazer, que é trabalhar com inovação social, diversidade, tecnologias aplicadas a criação de uma sociedade mais justa e menos desigual. Ou seja, criar futuros para pessoas e organizações diversas e plurais. 

Este ano me tornei o head da Futuros Inclusivos, uma plataforma de inovação social e futuros no campo de pesquisa e design de projetos nas áreas de educação, transformação digital inclusiva, impacto social e diversidade, mandem jobs!

E acompanhem minha coluna por aqui… 

AS TRÊS PENEIRAS DE SÓCRATES

Falando nisso, cês achavam que não ia ter um artigo? Vamos falar sobre a cor do impacto social no Brasil e a três peneiras de Sócrates?

Quando você pensa sobre impacto social, acredito que a primeira frase que venha a sua cabeça seja:

“Entre ganhar dinheiro e fazer o bem… Eu fico com os dois!”  São 58 caracteres com espaços, mas são somente estes os elementos desta equação? Eu te digo que não. Num apanhado rápido sobre fontes de financiamento, lideranças e protagonismo no cenário de impacto social atual no Brasil, está frase emblemática se torna uma falácia. Pessoas pretas, LGBTQIA+ e outros grupos vulnerabilizados não conseguem fazer essa escolha. E acredite que não é por falta de querer, mas por fatores que as relações de poder e manutenção de privilégios que se predominam no setor social e de impacto social no Brasil, não são diferentes de quando você reflete sobre mercado financeiro ou tecnologia. Duvida?! Três reflexões rápidas para nosso exercício diário de empatia, com um toque de Sócrates: Valendo… Reflexão 1, a peneira da VERDADE de quem protagoniza: Quantas pessoas negras você conhece que estão à frente ou cargos de tomada de decisão de negócios de impacto?

Reflexão 2, a peneira da BONDADE, uma grande empatia ou um grande negócio para quem investe e quem intermedia: Quantos fundos de impacto social, editais e outros fomentos diretos têm recorte de raça ou gênero no Brasil?

Reflexão 3, e a terceira e não menos importante peneira da UTILIDADE e a quem serve: Qual a cor do “público-alvo”, clientes ou consumidores desses negócios, organizações e projetos?

Na reflexão 1, que trata de liderança e protagonismo, é muito, mas muito difícil mesmo pessoas negras estarem a frente de negócios de impacto de sucesso, custou e ainda custa muito para as que hoje estão. E se você perguntar para cada uma delas como é o dia a dia, elas dirão que todo dia é dia de ocupar. Este “ocupar” já foi apenas militante e se tornou estratégico no decorrer dos anos. A chegada de algumas e alguns em alguns níveis da pirâmide permitiu que puxássemos outros, escolhêssemos com quem queríamos trabalhar. 

Hoje o velho teste do pescoço é mais prazeroso pelo menos para alguns de nós, olhar hoje para nossas equipes e nos ver nelas na diversidade racial e de gênero são conquistas ímpares, mas ainda para uma minoria de lideranças do setor de impacto.

Quando falamos de empatia e BONDADE, você pode me dizer: “Ah João, eu conheço um…” Talvez você conheça até dois ou mais, mas a existência mesmo de poucos fundos, não resolve uma parte deste algoritmo de exclusão que são… Quem realmente acessa? Quanto acessa em montante de recursos?

Eu mesmo posso citar aqui dois fundos existentes no Brasil que têm recortes raciais. 

Um é o pessoal da Tide Setubal mesmo, agora estão com uma nova edição do matchfunding, na plataforma Enfrente em parceria com a Benfeitoria, oferecendo mais de 4 milhões para projetos que visem gerar impacto e combater a Covid-19 nas periferias do Brasil.

E tem também os parceiros do Baobá que é vocacionado para pessoas negras, prioritariamente mulheres e que agora está fortemente olhando para educação e tecnologia sociais.  E também fomentando novos atores no campo do investimento de impacto social com recorte de raça e gênero, como é o caso do Fundo Emergências Econômicas da Coalizão ÉDITODOS, coalizão essa da qual eu (representando o FA.VELA sou cofundador, que tem a operação financeira realizada na plataforma o Baobá. Vale a pena acompanhar essa jornada!

Porém, recentemente, o pessoal do Prosas fez um levantamento sobre os editais que passaram pela plataforma, cujo relatório você consegue acessar aqui. Um trabalho muito bem elaborado e riquíssimo em dados, que mostra que… precisamos avançar muito para diversificar e incluir no campo do investimento social no Brasil.

Principalmente quando estamos falando de acesso a recursos, de quem atende aos requisitos a proponentes nestes editais e fundos relativos a quem é o “público alvo”, a quem o bem maior tem a intenção de ser feito.  

O ICEBERG INVERTIDO

O que descrevi brevemente aqui é a ponta desse iceberg, que tem uma característica própria: ele é invertido! O que vemos dele que são as causas e bandeiras para onde são destinados os recursos, mas os caminhos e a gestão ainda estão nas mãos de pessoas e organizações brancas e elitizadas, que, de maneira geral, lucram muito como toda a indústria das desigualdades raciais, de gênero e territoriais no Brasil. Parece que estamos falando do mercado financeiro né? Pessoas brancas, elite, riqueza e por aí vai. Mas não. 

Esse setor, chamado por alguns de setor 2.5, é um dos que mais têm crescido no Brasil, reunindo muita gente vindo das velhas indústrias e velhos mercados em busca de uma fatia deste mercado em ascensão, reproduzindo por aqui velhos costumes e privilégios. É uma “corrida do ouro do bem”, com muitas oportunidades, tendências e dinheiro.

Então, pessoas negras e LGBTQIA+, mesmo capacitadas, criativas e empreendedoras, acabam sendo colocadas de lado também nessa corrida. O mesmo racismo estrutural que reduz nossas chances de protagonismo nos negócios em geral se aplica ao “mercado de impacto social”.

Recentemente tive o prazer de mediar um painel do evento Frontiers Unlocked realizado pela MIT Sloan Review Brasil e foi um momento especial poder ter comigo mais três lideranças negras à frente de negócios de impacto nas áreas de dinheiro, moradia e ciência aplicada. 

Uma banqueira, um engenheiro, uma cientista e eu um futurista. Todos NEGROS e periféricos!  

Existimos, resistimos e precisamos nos conhecer. Topa este desafio?

Não vejo a hora de contar mais histórias de impacto e inovação social lideradas por pessoas negras, LGBTQIA+ e periféricas por aqui.”

João Souza
Futurista negro, head da plataforma de inovação social Futuros Inclusivos, é empreendedor social reconhecido pela rede global Ashoka. É sócio e diretor-presidente do FA.VELA, um hub de inovação social, aprendizagem inclusiva e empreendedorismo que atua na aceleração de pessoas, territórios e negócios, fundado em 2014.

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