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Vidas negras realmente importam

Brancos podem ir bem além de uma hashtag para combater o racismo estrutural; medidas práticas incluem desde a sugestão acima até fazer questão de contratar negros, passando por ter empreendedores negros em sua cadeia de fornecimento

Nina Silva
29 de julho de 2024
Vidas negras realmente importam
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Que racismo existe e que nossas relações sociais, instituições públicas e privadas foram e são constituídas a partir do racismo estrutural que dita o não lugar de corpos negros no Brasil e no mundo todos já sabem. Mas como entender e provocar mudanças profundas num sistema social que opera sob uma dinâmica eugenista e hipócrita segundo a qual somos um país racista mas ninguém se declara como tal?

O ocorrido com Miguel, uma criança que caiu do 9º andar por crime de abandono de incapaz, escancara quais corpos têm direito à vida, a cuidados. Mirtes mãe de Miguel, deveria estar em quarentena em sua casa naquele instante com seu filho, mas sua “patroa” – deveria dizer “sinhá”?–, por tratar Mirtes mulher negra como objeto a privou de sua segurança e pior ainda da vida de seu filho Miguel. Mas nem dentro de nossas casas o racismo descansa, vide o ocorrido com João Pedro, de 14 anos, alvejado e levado pela polícia enquanto brincava dentro casa.

Nos Estados Unidos, o movimento “Black Lives Matter” faz parte da luta antirracista de negros e não negros contra políticas e estruturas de cerceamento de direitos da comunidade negra não só pela vida de George Floyd mas por milhares de vidas negras que são interrompidas diretamente pela política de genocídio negro do Estado.  No Justice, No Peace! As reivindicações continuam.

No Brasil estamos vivendo um mês de despertar sobre o privilégio branco e o não lugar de pessoas negras na nossa sociedade. Como ecos das movimentações sólidas norte estadunidenses compartilhamos trend topics como #BlackOutTuesday. Mas pouco vimos em ações sólidas e contínuas neste país que possui a segunda maior população afrodescendente do mundo. Acostumamos com estatísticas como a de que morre um jovem negro a cada 23 minutos, e as relativizamos,  universalizando pautas ao invés de focarmos na estrutura. Não conseguimos nos organizar como comunidade negra por conta de mitos como o da democracia racial que nos ceifaram do entendimento da necessidade de mobilização como um só povo. Não somos todos iguais, nem precisamos ser, mas precisamos que parem de nos matar, de matar nossas crianças.

A pandemia não nos coloca no mesmo barco, estamos na mesma tempestade mas alguns estão em iates, outros em pequenas embarcações e nós, negros, estamos nus jogados em alto mar a ponto de nos afogarmos. No Brasil e nos EUA pessoas negras tem maior chances de morrer de Covid-19 que pessoas brancas, 32% a mais o índice de letalidade. 67% dos que dependem do SUS e maioria exposta nos serviços essenciais, deliveries, portarias e serviços domésticos como Mirtes, mãe do menino Miguel. Nesse estado alarmante urge a necessidade de maior engajamento de pessoas brancas e das instituições comprometidas com a promoção, defesa e garantia dos direitos humanos na luta antirracista, um convite a todos para reflexão crítica e propositiva do processo de desconstrução da branquitude, esta ainda hoje compreendida como lugar de manutenção de privilégios materiais, subjetivos e simbólicos sociais, privilégios esses estruturantes de nossas relações, instituições públicas e privadas.   Convocamos negros e não negros a se engajarem em mobilizações e grupos de ações contínuas, não apenas pontuais para diminuição das desigualdades. Vamos fomentar o Black Money até enraizar nosso legado nessa sociedade e nas nossas futuras gerações. Aos negros, peço que entendam como é prático fomentar o Black Money. Aos brancos, caso vocês queiram ser ativos na luta antirracista, anotem esses passos no âmbito individual e corporativo: ✔️ Dêem protagonismo para ativistas e profissionais negros. ✔️ Apoiem trabalhos de artistas pretos. ✔️ Vão contratar? Garantam que ao menos 50% da sua equipe seja formada por profissionais pretos, estimulando ações intencionais de inclusão nas empresas também em conselhos administrativos e outros níveis estratégicos. ✔️ Compre e invista em empreendimentos pretos. ✔️  Contrate serviços de fornecedores negros para promover escala nos negócios pretos. ✔️ Reivindiquem na sua cadeia de influência com clientes, parceiros e fornecedores a empregabilidade de pessoas negras em seus quadros colaborativos. ✔️ Fomentem programas contínuos sobre apoio a instituições de sociedade civil que possuam projetos racializados e não apenas assistencialismo periférico pontual. ✔️ Contratem consultorias e especialistas para promover uma melhor e maior atração de pessoas negras para suas vagas, fomentar programas educacionais de inserção tecnológica e de língua estrangeira para candidatos negros. ✔️ Desenhem metas e processos para alcance de números de inclusão racial condizentes com o contingente populacional de negros no Brasil para que a normalidade diversa seja incorporada no DNA da empresa. ✔️ Comprem bonecas pretas para seus filhos. ✔️ Leia e estude intelectuais pretos. Conheça nossas histórias que não estão nos livros.

Que os leitores deste blog estejam na linha de frente para proteger e reivindicar pelo direito de pessoas negras se manterem vivas e fora do sistema opressor de exclusão de direitos e oportunidades.  Vamos condicionar nosso cérebro continuamente a lutar contra as desigualdades raciais. Para além de uma hashtag. Neste momento desafiador, vocês devem se perguntar: quem eu tenho sido durante a pandemia? E antes dela, por quais lutas e objetivos me levanto todos os dias? Somos o somatório de nossas realizações e o impacto que causamos na vida de outras pessoas. Você tem criado um legado para se orgulhar e dar sentido a sua passagem nesta vida? Caso não tenha resposta para essas perguntas aproveite este momento de grande transformação no mundo para transformar a si mesmo.   Por isso é necessário enfrentar o desconforto das conversas sobre o racismo e agir: desperte, tire a máscara da democracia racial e seja intencional nas ações por equidade em combate às desigualdades raciais. Eu convido cada um de vocês a impactar uma vida negra, hoje e sempre.

Nina Silva
É executiva de TI há mais de 17 anos, uma das 100 pessoas afrodescendentes com menos de 40 anos mais influentes do mundo e sócia-fundadora do Movimento Black Money.

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