No centro do palco atual, temos, de um lado, os 181 empresários do manifesto da Business Roundtable e a Popenomics; de outro, a revista-bíblia “The Economist”, e no meio, todo executivo, dividido entre seu Jekyll idealista e seu Hyde cínico
O _New York Times_ de 19 de agosto publicou um manifesto assinado por 181 presidentes de empresas, autodenominados The Business Roundtable. Esses presidentes incluem Mary Barra (GM), Jeff Bezos (Amazon) e Jamie Dimon (JPMorgan). Chamou a atenção pela ausência Facebook, Google e LinkedIn, algumas das quais têm sido acusadas de comportamentos monopolísticos e/ou tóxicos.
Você pode ler o documento inteiro clicando aqui, mas eu resumo para vocês que conforme eles os cinco propósitos de uma empresa devem ser:
Trata-se de uma expansão significativa do que aprendemos na escola: que as empresas existem para enriquecer seus acionistas. A gente também aprendeu que as empresas com acionistas ricos magicamente teria a riqueza necessária para “devolver” suas benesses para a sociedade.
A salva seguinte veio em 22 de agosto, na capa da _The Economist_: Para que servem as empresas? E incluía um subtítulo: o que o capitalismo precisa é de competição, não de corporativismo.
Outro artigo na revista _The Economist_, desta vez na edição de 7 de setembro e chamado “Popenomics”, dá conta de que o Papa Francisco quer se reunir em março de 2020 com capitães da indústria, empreendedores e alunos de MBA em um mosteiro franciscano em Assis, Itália para discutir a “Economia de Francisco”, uma dupla alusão a São Francisco de Assis (que advogava a pobreza) e a si próprio. Quero crer que o Papa Francisco, antenado como é nas tendências, quer propor seu próprio modelo de responsabilidade social corporativa.
Dias 2 e 3 de setembro, algumas centenas de conselheiros de administração de SAs brasileiras reuniram-se em São Paulo para o 20o Congresso do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). E como o conselheiro de uma SA tem muito mais Influência do que poder (“pode meter o nariz mas não pode meter a mão” é um dos mantras do IBGC), e quase todo mundo leu o manifesto das 181 assinaturas, então o assunto, tanto dentro do plenário como lá fora no coffee-break, era: Qual é o papel dos gestores e conselheiros nesse novo mundo que se anuncia?
O tema não é novo, mas vem acelerando substancialmente na última década: a GSIA (Global Sustainable Investment Alliance) dá conta de que carteiras de investimentos com prioridades além do mero resultado cresceram de US$ 22,9 trilhões em 2016 para US$ 30,7 trilhões em 2018. Um deles é a BlackRock, cujo presidente/ chairman Larry Fink é uma das 181 assinaturas citadas.
Correndo o risco da simplificação excessiva, podemos identificar duas facções aqui:
Essa situação só tende a recrudescer com a chegada dos millenials ao mercado de trabalho. O vinculo deles com qualidade de vida e meio ambiente não tem precedente em gerações anteriores. E como não existe Planeta B, chego a duas conclusões:
Eu quero explorar um ângulo da questão que ainda não vi ninguém explorar direito: quero propor que esta discussão sobre os novos (novos?) papéis da empresa não é um tema político, mas antes um de _liderança_. A maioria dos gestores (e conselheiros!) convive, dentro de si, com os dois personagens acima! E essa dicotomia tem muitos anos já, ela precede a discussão recente. E como tudo que é muito óbvio, ninguém comenta.
Comandar uma empresa hoje em dia tem, claro, a ver com O QUÊ (produtos, serviços, lucros, capital, marketing e vendas, estratégia e inovação) mas cada vez mais tem a ver com COMO (decidir, engajar com todas as partes interessadas, e construir uma cultura corporativa através da definição clara de valores inegociáveis e de comportamentos intoleráveis).
Então – como eu sei que neste mundo de hoje tudo é politizado, e se esse tema já não foi certamente o será -, todo executivo sai de casa imbuído do modo _Idealista_, mas quando chega na empresa e vê que o acionista exige dele/dela resultados que nunca exigiu antes, é obrigado a adotar o modo _cínico_.
Não surpreende que essa dicotomia de papéis gere muita ansiedade nos executivos.
Partes dela desembocam em sessões de coaching. Nas minhas sessões de coaching, esses temas sempre surgiram, mas nunca com a intensidade de hoje tenho visto tantos executivos divididos entre o modo _cínico_ e o modo _idealista_ e suspeitando/sabendo que essas múltiplas prioridades que as empresas estão adotando, além do resultado financeiro, breve cairão no prato deles, e que eles não terão o ferramental para lidar com elas, _começando por como medir o desempenho deles._
Parece a piada do esquizofrênico que chegou ao restaurante e disse: “-Mesa para dois”.”