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O nosso marketing perdeu o intelecto?

Por que nossas campanhas de marketing não ajudam a alavancar ofertas de crescimento cultural e educacional? Ou, afinal, a nossa publicidade está ficando “menos inteligente” e menos participativa na construção do futuro?

Ulisses Zamboni
30 de julho de 2024
O nosso marketing perdeu o intelecto?
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“Vale um disclaimer aqui para os leitores desse artigo. Trago mais reflexões e indagações do que soluções e respostas neste material. O assunto que proponho aqui ainda está bastante obscuro e está praticamente sem resposta, mas atinge atualmente cada marqueteiro, cada profissional de comunicação. Levanto uma hipótese que me parece próxima da realidade que enfrentamos, mas está longe de ser a única ou a mais acertada. Fiquem à vontade para agregar as suas opiniões.

Não são poucos os cientistas que comentam que o processo de cognição humana cresce de tal maneira em progressão geométrica nos últimos 2 séculos (graças à energia elétrica e mais recentemente à internet) que o volume de aprendizado e de gestão de dados por um indivíduo ao longo de um ano é o equivalente a 100 anos de indivíduos que viveram séculos passados.

Verdade ou especulação, não importa. A evolução da sociedade se nota, e se reflete, diariamente pelo linguajar que as comunidades adotam. A língua é tão viva quanto os acontecimentos que presenciamos no dia a dia – que não são poucos. A cada dia surge uma palavra nova, um neologismo, um anglicismo ou uma abreviação.

Os processos de adoção de novas ferramentas de linguagem em nosso vocabulário dão mostras inequívocas de que, seja pela demanda de instantaneidade nas conversas ou pelo surgimento de fatos novos, o mundo exige novas maneiras de se expressar. E a sociedade lança mão de recursos novos para suprir essa demanda. Aposto com você que em dois “scrolls” na sua TL do Twitter, você vai encontrar pelo menos uma dúzia de abreviações e novos termos.

Em todo mundo, a linguagem é uma evidência clara de que o tecido social está evoluindo. Opa! Evoluindo ou apenas se modificando? Em tempo, uma provocação: evoluindo, modificando ou “retrocedendo”? Bom, esse artigo coloca em perspectiva essa questão para os gestores de marketing e seus trabalhos de comunicação.

Aprendizado e a lógica “”pop”” do cérebro

Estudos mais recentes de neurociência já mandaram para o espaço a lógica cartesiana das funções racionais e emocionais geradas por cada lado do cérebro. Na verdade, a origem dessas funções pode até se iniciar em “”um lado””, mas se o outro lado não colaborar…

Brincadeiras à parte, a redução didática de que o lado esquerdo do cérebro é o do raciocínio lógico e o lado direito é o da criatividade e da fantasia, pode nos ajudar para essa reflexão que proponho. De novo, lembro que os neurocientistas abominam reduções e que a transversalidade dos seis lobos cerebrais forma em si um ecossistema de funções para efetivação das ações.

Claro que não vamos discutir aqui os efeitos da cultura vigente na formação cognitiva dos indivíduos, senão, nosso papo cairia na filosofia e eu perderia a leitura de vocês já nessa frase, mas vale um único comentário que vai fazer a diferença em nossa reflexão: estamos sendo moldados pela cultura da instantaneidade imposta pelas plataformas de mídias sociais.

O Twitter, nos obrigando a paupérrimos 280 caracteres no máximo. O Instagram, e a explosão do TikTok, estão empurrando nosso cérebro para o “”não verbal””. E o WhatsApp – talvez a plataforma mais perversa sobre a questão da linguagem – é um poço de neologismos, erros ortográficos e, pior, gramaticais. Lembro que a função de gravação de mensagem é de longe a mais usada, afastando a escrita no WhatsApp.

Os estímulos eminentemente não verbais, e ligados ao lado direito do cérebro, estão presentes massivamente em nossas vidas. A jornada clássica do raciocínio lógico, seguida do efeito simbólico subjetivo (lado esquerdo + lado direito do cérebro), está se corrompendo. Será que essa nova rota de assimilação e de aprendizado está prejudicando nossa capacidade de aprofundamento, reflexão, metaforização e aprendizagem? Estamos ficando menos reflexivos, menos profundos?

Estamos enfrentando uma certa pobreza intelectual?

A teoria da interpretação dos sonhos de Freud deixa claro que a palavra tem um peso, um valor. Assim como uma moeda, ela “”custa”” para o nosso cérebro a energia e o tempo de sua decodificação para que seja corretamente interpretada. Por isso, os nossos sonhos são tão difusos e surpreendentes, pois sem passar pela racionalidade da consciência, as palavras depositadas no inconsciente (“”restos do dia anterior””) capturam símbolos e signos apenas correlacionados (associação livre) com o conteúdo daquela palavra e não com o conteúdo exato dela.

Quando lemos, a captura da palavra passa pela consciência que por sua vez decodifica o elemento e o transforma em símbolo ou signo não verbal para compreensão exata da mensagem. A palavra capturada pela leitura, a sintaxe, é uma espécie de equação matemática que tem um caminho racional e consciente perfeito. A “”WhasAppização”” da linguagem, o reducionismo “objetivista” das mídias sociais e a profusão de estímulos da cultura não verbal (e eminentemente de storytellings de vídeos) têm encurtado significativamente o poder de metaforização do indivíduo e empobrecido sua capacidade de argumentação.

A leitura frequente estimula o cérebro a fantasiar e extrapolar a imaginação. Uma sociedade que lê pouco (e de forma fracionada como nas mídias sociais, por exemplo) é como um indivíduo que não se exercita por toda vida: ele perde o tônus muscular e, na velhice, pode sofrer até com a própria falta de mobilidade por fraqueza muscular.

Ouso dizer que a soma da instantaneidade do mundo contemporâneo aos paupérrimos estímulos de leitura da nossa escrita, especialmente dentro das plataformas de mídias sociais (abreviações, anglicismos, emojis, etc) resultam num fato desastroso ao longo do tempo: uma sociedade menos apta a capturar as entrelinhas e os subtextos contidos nas mensagens publicitárias.

Falei bastante sobre o cenário sócio cultural da sociedade como vetor de encurtamento da compreensão e do aprendizado em si, mas não mencionei os algoritmos das redes. Tão pouco a consequência perversa (direta ou indireta) da segmentação de opiniões na web. Esse fenômeno, que para alguns representa o vilão responsável pela polarização das sociedades pelo mundo – não exatamente para mim – também interfere diretamente nesse nosso tema.

O papel social da publicidade

Vez em quando me pego assistindo canais internacionais de streaming ao vivo. Adoro fazer isso para vasculhar um pouco o “”break”” comercial de lá. Faço isso não somente por vício de profissão, mas também para investigar o padrão de comportamento de consumo de outras realidades.

Os intervalos comerciais de um país mostram muito da cultura daquela sociedade. Quando em Londres, por exemplo, vejo breaks comerciais aos quais – devo confessar – nem eu mesmo entendo muito a “”piada”” feita. Não só por ela ser local, mas por ter um traço de cultura diferente da nossa. O que consigo mesmo identificar e o que me traz aqui para escrever esse artigo é a complexidade muito maior das mensagens que presencio em mercados mais evoluídos que o nosso.

As metáforas, as entrelinhas, os raciocínios indutivos, enfim, toda uma rede de atributos de valor se entrelaçam perfeitamente nas campanhas para que uma marca se posicione mais nobre, e, consequentemente, mais premium. Quando vejo os diálogos entre marcas e audiências nas mídias sociais estrangeiras então, isso se potencializa.

No transporte desse raciocínio de sofisticação do conteúdo de comunicação das marcas para nosso mercado, vejo um claro “”gap”” de evolução. Não consigo enxergar um progresso claro de discurso, nem no diálogo entre as partes (marca e usuários).

Continuo a presenciar um mar de promoções de varejo e um recorte pouco sofisticado nas narrativas de campanhas e nos diálogos nas mídias sociais. Seguem aqui duas perguntinhas retóricas: será que a ausência de metaforização do brasileiro tem afetado a relação entre marcas e suas audiências, estacionado sua evolução? Qual o papel da educação na evolução da sociedade brasileira?

A verdade é uma só. Não há como construir uma narrativa de marca que tenha uma percepção de complexidade que extrapole os limites de intelecção da sua audiência, caso contrário, o investimento feito não valeu para nada. Como diria Milton Nascimento, “”o artista tem que estar onde o povo está””.

No entanto, e, ao mesmo tempo, talvez essa seja uma reflexão que eu queira deixar aqui nesse artigo: aceitar a situação de que vivemos numa sociedade em que o diálogo entre marcas e seus usuários esteja se estreitando (ou que estejam se dando num ambiente de troca muito primário) não pode fazer sentido. Seria o mesmo que debruçar sua marca num muro fadado a cair.

Nenhum de nós, no marketing, trabalha para que nossa marca seja mediana e nem que trave relacionamentos ‘na média’. Mais do que nunca, em tempos em que a governança é a estrela da vez, cada marca, cada campanha, cada mídia social da empresa tem que assumir o papel de apoio e suporte à sociedade para sua evolução.

Pés no chão. Mãos à obra. Conhecer as audiências, seus hábitos e jornadas é condição fundamental num recorte de tempo “”user centric”” como o de hoje. Tudo fazemos “”para”” e “”por”” ele, a sua majestade o usuário.

Desenvolvemos produtos por meio das dicas que ele deu. Conversamos “”suas conversas”” na mídia social. Estreitamos relacionamentos participando do tecido social “”ao lado dele””. Por que não ampliarmos nossa oferta, além do produto ou serviço que estamos vendendo para também ofertarmos como uma (legítima) alavanca de crescimento (educacional e cultural) para nossas audiências? A proposta é: ao invés de uma marca simplesmente mimetizar o presente, construir um futuro.

DEIXO UMA PROVOCAÇÃO

Audacioso? Querendo ou não, as marcas sempre tiveram um papel decisivo na construção de realidades. Então, por que não usar esse papel de forma mais construtiva? Fica minha provocação e convite aos colegas de mercado para reflexão.

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Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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