Ao imaginarmos uma conversa entre Alfred Sloan e Annie Duke, conseguimos extrair dessas referências um guia prático para reavaliar as nossas decisões
“Esta é a primeira de duas colunas sobre o tema das decisões. (A segunda parte focalizará o Noise, último livro do Danny Kahnemann, com dois poderosos coautores.) Aqui eu reuni Alfred Sloan (1875-1966) e Annie Duke (nascida em 1965) como se eles tivessem se encontrado e conversado com a ajuda de uma máquina do tempo. E faço as considerações que, imagino, eles fariam.
Alfred P. Sloan (sim, o mesmo cavalheiro cujo nome está em cima da porta na MIT Sloan School of Management) tinha – quando era presidente (1923-1937) e depois chairman (1937-1956) da General Motors – o hábito de anotar todas as decisões que tomava, e revisitá-las depois de seis meses. Ele descobriu que 1/3 das decisões deram certo, 1/3 deram errado, e os 1/3 restantes não fizeram diferença porque entre decisão e execução o tema perdeu relevância. Quando estudei na Sloan, a gente brincava que “Uncle” Alfred havia inventado uma moeda com três lados.
Annie Duke interrompeu um PhD em ciências da cognição devido a um problema de saúde e resolveu tornar-se uma jogadora profissional de pôquer, para ter horários flexíveis. Exerceu essa atividade por 18 anos (e nunca completou o PhD). A certa altura, foi convidada por uma empresa de gestão de investimentos para palestrar sobre risco. A conversa migrou para decisões. Ela entrou para o circuito das palestras falando sobre decisões e acabou publicando dois livros sobre o assunto. Um deles é o How to Decide: Simple Tools for Making Better Choices.
Vamos combinar: seu sucesso na vida depende de (1) sorte e (2) a qualidade das decisões que você toma. Como não há nada que você possa fazer para melhorar sua sorte, o jeito é tentar aprimorar o item 2.
Pois bem. A conversa entre Alfred e Annie fluiu muito bem na minha imaginação, e fluiria muito bem se acontecesse de fato, porque ambos recomendam que uma mesma maneira de aprimorar o item 2: criar o hábito de registrar suas decisões e voltar a elas dentro de alguns (seis?) meses para avaliar sua qualidade.
Como escreve a Annie, decidir pressupõe, em última análise, prever o futuro, e como na vida existem vários futuros e apenas um passado, uma forma poderosa de você aprimorar suas decisões é revisitando-as depois, de forma sistemática. Isso inclui adquirir a disciplina de registrar (1) as opções que você tinha no momento da decisão, bem como (2) os dados à sua disposição naquele momento, quem sabe incluindo (3) o upside e o downside da decisão, conforme você enxergava na época.
Toda decisão envolve pesar upside contra downside, mas a maioria das ferramentas de análise não compara o tamanho de cada. Conforme a Annie, enquanto o upside pode ser a opção de você usar as mesmas meias mais um dia, o downside pode ser a morte ou a prisão perpétua.
Experimente desenhar um árvore de decisões (com probabilidade subjetiva – “subjetiva” quer dizer “sua” – de cada “galho” acontecer) para lidar com (1). Se você se dedicar, em breve terá uma “taquigrafia” própria para lidar com (2) e (3) também.
Tudo num caderninho que você manterá sempre “pertinho de você”, em que você mapeará suas decisões enquanto decide, e as verá depois (como fazia Uncle Alfred). E, quando decidir – dica da Annie -, sempre inclua a opção “desistir” e estime quanto custaria na época você desistir de uma empreitada.
Quais são as principais cascas de banana desse exercício?
•Muitos outros temas competem pelo seu precioso tempo: nesse mundo acelerado de hoje, você tem pouco ou nenhum tempo para contemplar/refletir, muito menos para revisitar decisões que já tomou.
•A “síndrome da resultose” (que Annie chama de “resulting”): você dá pouca ênfase àquelas decisões que você tomou que deram extremamente certo. Acha – com boa dose de razão – que deveria focalizar nas que não deram certo. Como parêntese, aqui você precisa pegar uma carona na máquina do tempo de Annie/Alfred: todo mundo acha que sabia, quando decidiu, coisas que só vieram a saber depois. Como isso faz parte da “síndrome da resultose”, faça um esforço honesto para separar o “sabia na hora” do “soube depois”. Esse exercício é importante, pois sua decisão pode ter dado certo por pura sorte.
•Nas decisões que não deram certo, focalize no que você não sabia na época, mas poderia ter aprendido se tivesse mais tempo para pesquisar mais e/ou falar com outras pessoas. Isso, para nós brasileiros, tem obstáculos adicionais. Em frase atribuída a Mario Simonsen: aqui tudo é imprevisível, inclusive o passado.
Esse livro da Annie Duke tem muitas outras formas de melhorar a qualidade das nossas decisões. Quis lidar com essa, de revisitar decisões passadas de forma sistemática, porque é assunto mal resolvido no mundo real e pouco coberto pela literatura sobre decisões. E nada mais pertinente que mencionar esse (curioso, na época; curiosíssimo, hoje) hábito de Alfred Sloan no blog da MIT Sloan Review Brasil: examinar decisões que já tomou.
Uma curiosidade: os livros da Annie sobre pôquer estão todos traduzidos no Brasil, mas os livros de business, não. Se você vai ler este livro dela, esteja preparado para pular alguns trechos que são meio devagar. No entanto, recomendo sem restrições a entrevista que ela deu para a revista da PWC.””