CULTURA CORPORATIVA 7 min de leitura

Não pasteurize a liderança de sua organização

Em vez de valorizar super líderes que tenham as mesmas características, por que não aproveitar as diferentes competências distribuídas no coletivo para chegar aos melhores resultados?

Daniel Martin Ely
Não pasteurize a liderança de sua organização
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Essa afirmação pode até parecer estranha, mas é isso mesmo. Venho observando um movimento de especialistas e sistemas de avaliação das lideranças para definir um conjunto de competências que todos deveriam possuir em seu repertório. Acredito que devemos, sim, possuir várias dessas habilidades em nível satisfatório, mas o que realmente diferenciará um líder será sua capacidade de integrá-las no coletivo de sua equipe.

Em meu livro, O Líder em Transformação, destaco uma série de competências que um líder precisa adicionar a sua caixa de ferramentas para enfrentar os desafios de uma economia digital e global. Essas habilidades, porém, não precisam estar em um grau satisfatório em 100% desse conjunto – o que pasteurizaria a liderança. A grande sacada está no tempero que esses líderes adicionam a sua forma de pensar e agir.

Precisamos incluir todos os perfis de liderança

Falamos muito em diversidade, equidade e inclusão em nossas organizações, mas muitas vezes temos dificuldade de colocar esses conceitos em prática junto a nossas lideranças. Não entendo essa necessidade de criar um estereótipo do líder de sucesso desejado pelas organizações ou por projetos complexos.

Sou de uma geração que ouvia constantemente que todos os líderes deveriam ser carismáticos e comunicativos. Que a liderança até poderia ser desenvolvida, mas um grande líder possuía essas características de forma nata. Que a liderança precisa ter visão do negócio, estratégia, disponibilidade, simpatia e positividade. 

Minha sugestão é abandonarmos de vez essa tentativa de pasteurizar a liderança e, em vez disso, identificar as competências e os valores que precisamos ter no coletivo.

É a ideia do líder especialista e generalista. Primeiro, valorizava-se a liderança especialista em algum tema; depois passou-se a dar mais importância ao generalista. Para finalizar, virou consenso que a melhor situação seria todos serem ambos. 

Eu, por exemplo, conheço uma série de líderes que são muito bons em articulação e estratégia, mas não são tão bons assim na diligência do dia a dia dos processos (e vice-versa). Pessoas que são mais especialistas do que generalistas, assim como a situação contrária.

Então que super homem ou mulher é esse ou essa que estamos querendo criar e massificar? 

Precisamos desistir dessa ideia, até mesmo para incluir a liderança das novas gerações em nossas organizações. Gerações que, até onde observo, querem ser reconhecidas por aquilo em que cada pessoa é especial, sem estereótipos de herói ou heroína. Minha sugestão é abandonarmos de vez essa tentativa de pasteurizar a liderança e, em vez disso, identificar as competências e os valores que precisamos ter no coletivo.

O portfólio de competências do coletivo da nova liderança

Hoje, muitas competências são exigidas de nossas lideranças. Eu, particularmente, gosto muito da abordagem do CNEX (Centro de Excelência Humana e Organizacional, do qual sou membro do Conselho de Administração), que as agrupa no em um DNA da liderança:

  1. Inteligência relacional: melhorar as habilidades socioemocionais e de comunicação e a influência das lideranças acelera a criação de um ambiente de segurança psicológica e fomenta uma cultura de inovação centrada nas pessoas, além da utilização de tecnologias como ferramentas de suporte para todos (o que aumenta as possibilidades de gestão, conexões e negócios).
  2. Postura de aprendiz: uma organização sustentável é a que tem maior capacidade de aprender consigo mesma e de se reinventar de forma constante. Manter líderes abertos a novas ideias, perspectivas e experiências permite uma maior adaptação a mudanças e leva a tomadas de decisões mais eficientes e eficazes.
  3. Mindset digital: o modelo mental digital extrapola as tendências tecnológicas; para acompanhar os movimentos de um mundo hiperconectado, não linear e imprevisível, é fundamental mudar a forma de pensar, agir e operar.
  4. Visão sistêmica: desenvolver a visão sistêmica é importante para a liderança porque permite compreender a organização como um todo, sua cultura e a inter-relação de suas diferentes partes e seus impactos externos nas pessoas e nos mercados.
  5. Alta performance e desempenho: agir e buscar um alto desempenho no dia a dia são essenciais para uma liderança fazer a gestão de seus times e trabalhar buscando melhores resultados para gerar valor para a organização e para todo o ecossistema impactado por seus produtos e serviços.

Existem, obviamente, outras abordagens. Mas volto ao ponto inicial: independentemente da abordagem que você escolha, é na atuação coletiva que precisamos criar o DNA das lideranças na sua organização.

O portfólio de competências não precisa estar apenas com o líder

Essa foi uma das descobertas mais prazerosas da minha jornada recente. Descobri que não precisava, como líder, ser o tal do super homem. No entanto, deveria saber como orquestrar e colocar à disposição de minhas equipes e da minha organização todas essas competências. Que não precisaria demonstrar todas elas no meu repertório, mas sim no de minha equipe ou com os times com que interajo. 

Minha melhor versão de liderança ficava mais evidente no momento em que sabia escolher entre utilizar as competências que me destacam e me apoiar em meus pares, superiores ou membros de minha equipe para os pontos em que eles se saem melhor do que eu.

Leia também: “Jornada de liderança: do comando e controle à inspiração e influência”, de Daniel Martin Ely

Para isso, é preciso definir um melhor portfólio de estratégias sobre como aplicar as competências de liderança disponíveis (em você, sua equipe ou outros membros da organização) junto aos times e equipes de projetos liderados por você. Nem todos os líderes serão capazes de demonstrar e aplicar as mesmas competências em grau máximo, mas o time de lideranças de sua organização será capaz de fazê-lo se for estimulado por você.

Saia do palco ou da linha de frente em determinadas situações em que sua contribuição possa ser inferior à de outra liderança e reconheça-a nesse momento em que ela assumir maior protagonismo. Não pasteurizar significa atuar em uma zona dos seus egos e vaidades como na zona de expectativa dos outros em relação a sua super liderança.

Como Adam Grant sabiamente coloca em seu livro Originals, “os melhores líderes não são heróis solitários; eles são construtores de equipes que sabem como aproveitar o talento coletivo”. Essa citação reforça a importância de uma liderança que sabe orquestrar e integrar as competências de forma coletiva e estratégica – inclusive as competências da própria liderança.

Daniel Martin Ely
Daniel Martin Ely é vice-presidente executivo da Randoncorp, COO da Rands, conselheiro do CNEX (Centro de Excelência Humana e Organizacional) e do Instituto Hélice de Inovação e presidente do conselho do Instituto UniTEA do Autismo. Mestre em estratégias organizacionais e especialista no desenvolvimento de lideranças, é também autor da obra O Líder em Transformação (2024).

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