Em nome das experiências sem ruído, os negócios incorporam chatbots em seus atendimentos. Mas eles precisam de equipes preparadas para lidar com modelos estatísticos, algoritmos de IA, NLP e ciência de dados
Não é segredo para ninguém que o atendimento ao cliente tem passado por expressivas evoluções, especialmente nas últimas duas décadas. Dos primeiros chatbots que utilizavam palavras-chave ao atendimento cognitivo por voz, a inteligência artificial vem revolucionando a forma como as empresas interagem com seus clientes.
A motivação para o investimento nesse tipo de tecnologia veio das dores comuns às áreas de atendimento, como a alta rotatividade de agentes de relacionamento, a necessidade de treinamento constante das equipes e o aumento de custo de atendimento como uma condição para o crescimento da empresa.
Houve avanços, mas os desafios principais permanecem, como mostram as queixas nas redes sociais: como ampliar o autosserviço para os clientes e permitir que o time direcione esforços para o suporte e resolução de demandas mais complexas? E, claro, como continuar a encantar o cliente ao longo de toda essa jornada?
O papel da tecnologia é central. De fato, a pandemia, especialmente nos meses mais críticos de isolamento, quando houve muita redução de pessoal nos call centers, foi um dos principais fatores que aceleraram a adoção de tecnologias que possibilitassem o autosserviço. Mas é preciso lembrar da dimensão continental do Brasil, um país com um amplo espectro de clientes com pouco acesso a tecnologias e com baixa maturidade digital. Para eles, o caminho de aprendizagem para ferramentas de autosserviço pode ser mais difícil. Mas é aí que entra o atendimento cognitivo.
Em primeiro lugar, o que significa isso? “Cognitivo” é um termo que se aplica a tudo que envolve o processo de cognição, ou seja, de aquisição de conhecimento. A cognição no ser humano tem aspectos que fazem parte do seu desenvolvimento intelectual, caso do pensamento, entendimento da linguagem, memória e raciocínio.
Para fazer uma analogia, treinar um atendente virtual é como ensinar uma criança a falar: primeiro se apresenta o idioma, o significado das palavras. Depois vêm as frases e expressões, até que o atendente compreenda a mensagem do cliente.
Nesse treinamento deve-se ter em mente a melhor experiência do usuário, inspirado pelo melhor atendimento humanizado. Como fonte de estudo e comparação, é possível usar gravações de call centers bem e mal avaliadas. Esse entendimento é crítico para desenhar uma jornada fluida e facilmente entendida pelo cliente.Para que houvesse essa evolução dos agentes de atendimento cognitivo, o desenvolvimento dos algoritmos de inteligência artificial foi fundamental.
Especialmente os algoritmos de NLP (“processamento de linguagem natural”, na sigla em inglês) e os de conversão de voz em texto (e vice-versa) para os atendimentos feitos por meio de canais de voz.
Os primeiros chatbots não contavam com esse tipo de tecnologia. Eles combinavam palavras e conteúdos, tornando a experiência similar a uma URA DTMF (sigla em inglês para “unidade de resposta audível por meio de teclas do telefone ou reconhecimento de voz”). Os primeiros atendimentos eletrônicos por telefone funcionavam assim, eram aqueles em que o cliente deveria dar respostas específicas com números – 1 para “sim”, 2 para “não” etc. Essa experiência está longe de uma interação natural: obriga a pessoa a falar de forma que o “robô” entenda.
No início, os chatbots foram construídos com foco informacional. Eram como uma central de ajuda ao cliente, que deveria esclarecer dúvidas e dar instruções. Com o passar do tempo, chegaram às plataformas de orquestração, que faziam a ponte com os sistemas da organização. Passaram de informacionais para transacionais, mas ficaram ainda mais engessadas.
Com o avanço dos algoritmos de processamento de linguagem natural, os chatbots ganharam flexibilidade, e o cliente passou a se comunicar com o agente cognitivo de maneira mais semelhante às trocas com seres humanos, sem a necessidade de respostas curtas e direcionadas.
Hoje, caso a pessoa dê informações adicionais ao chatbot na primeira interação, como, por exemplo, a forma que deseja receber a segunda via de uma conta, essa informação é guardada no contexto da conversa para ser usada na sequência. Assim, o agente cognitivo entende que não é mais necessário fazer tal pergunta. Atualmente, esse tipo de atendimento também ocorre por voz, e pode ser integrado ou não com URAs DTMF.
Resta a pergunta: qual é o lugar da experiência de encantamento nessa discussão? É necessário que as empresas encontrem uma plataforma de atendimento cognitivo aliada ao desenho de experiência esperada por quem busca resoluções rápidas e personalizadas. Para isso, alguns tópicos precisam ser considerados:
1. Saber quem é o cliente é o primeiro passo, coletando automaticamente as informações relevantes sobre ele a partir do momento em que há sua identificação. Em paralelo, é urgente guardar esses dados e o contexto da interação, fazendo sugestões conforme o atendimento avança.2. Usar modelos estatísticos durante o atendimento, ampliando o uso de inteligência artificial para sugerir a melhor opção para o cliente. Por exemplo, modelos de NBA (next best action) e NBO (next best offer).3. Desenvolver plataformas multicanal ou omnicanal, de maneira a focar na resolução da necessidade do cliente, independentemente do canal pelo qual ele entrou. Por exemplo, caso ele queira fazer uma atualização cadastral que envolve o preenchimento de um formulário e tenha ligado no 0800, é possível entender essa necessidade e transportá-lo de forma automática para um aplicativo ou o Whatsapp. Sendo assim, a necessidade é atendida até o fim, sem precisar de um novo contato, começando do zero.
Embora o atendimento cognitivo tenha crescido muito nos últimos anos, várias iniciativas apresentam dificuldades na implementação e acabam causando uma experiência frustrante para os clientes. Em minha visão, alguns pontos merecem especial atenção nesse tipo de solução:
– Uso de soluções robustas de inteligência artificial: líderes de mercado focam não apenas no algoritmo de NLP em si, mas em funcionalidades relevantes e que dão produtividade no processo de treinamento e construção dos fluxos de atendimento cognitivos.- Time com experiência e habilidades necessárias: especialistas cognitivos, especialistas em experiência do usuário (UX writers), desenvolvedores e arquitetos de integração devem trabalhar em sincronia e ter uma visão única para entregar a solução que melhor atenda o cliente final.- Escalabilidade da plataforma cognitiva: a plataforma deve ser desenhada de forma a permitir atendimentos ágeis em momentos de pico ou de crise. Esses atendimentos devem tratar o máximo de erros possíveis e ter uma preocupação especial nos pontos de integração, em que costumam ocorrer a maioria das falhas.- Acompanhamento em tempo real dos atendimentos: uma boa plataforma cognitiva deve permitir o acompanhamento em tempo real dos atendimentos feitos, bem como armazenamento histórico para análise. O atendimento ao cliente em tempo real é algo vivo e permite a atuação emergencial em caso de qualquer problema.- Medir, medir e voltar a medir: Como já dizia Peter Drucker, “se você não pode medir, você não pode gerenciar”. Uma boa solução cognitiva deve estar instrumentada para gerar, em uma base histórica, por motivo de contato e outras visões relevantes, indicadores como retenção, tempo médio de atendimento, satisfação do cliente, percentual de falhas etc. A análise desses indicadores e da navegação feita dentro dos fluxos de conversação são fundamentais para o trabalho de melhoria contínua. Algo que em atendimento cognitivo chamamos de “curadoria”.
O estudo The value of virtual agent technology, conduzido pelo IBM IBV (Institute of Business Value), demonstra que o uso de agentes cognitivos em operações de atendimento têm propiciado resultados significativos e consistentes. Entre as empresas pesquisadas, os números indicaram melhorias de até:
– 50% em redução de custos.- Aumento de 18 pontos percentuais na satisfação do cliente.- Aumento de 20 pontos percentuais na resolução no primeiro contato. – Aumento de 15 pontos de NPS (net promoter score). – Aumento de 9% em receita, atribuída ao uso de agentes cognitivos.
O atendimento cognitivo chegou para ficar? Acredito que sim. Mas os melhores resultados serão colhidos pelas organizações que usarem a tecnologia tendo a experiência do cliente realmente em primeiro lugar.”