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Uma reflexão de final de ano para as marcas customer centric

A expressão “Goblin mode” está (re)definindo o estado de espírito dos consumidores mundo afora. Será que vale dar um tempo para o seu cliente? Que tal um desleixo programado?

Ulisses Zamboni
30 de julho de 2024
Uma reflexão de final de ano para as marcas customer centric
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A palavra (ou melhor, a expressão) do ano, selecionada por votação pública pela Oxford Dictionary, é “Goblin mode”. Ela ainda não tem tradução para o português, mas poderua ser livremente traduzida como “modo Goblin”.

A expressão claramente não tem o potencial global que tinham as palavras escolhidas em outros anos como “selfie”, de 2013, “pós-verdade” de 2016, “tóxico”, de 2018 e “lockdown” em 2020 (essa última escolhida pelo dicionário Collins), mas revela uma atitude reveladora e importante da sociedade atual porque vem na contramão do (excuse my French) comportamento “anal” (ou asséptico, organizado, disciplinado, divino e irreparável) trazido pelas plataformas de mídias sociais.

A palavra “Goblin” vem da figura imaginária e ficcional de um personagem arquetípico que é selvagem, bruto e extremamente desleixado. A palavra “mode” diz respeito à maneira de atuar e de agir. E não tem escapatória: todos nós, sem exceção, estamos aprendendo e até gostamos de adotar de vez em quando essa condição ou “Modo Goblin” aprendida nos meses de confinamento a que fomos obrigados a nos submeter.

“Este final de semana, não tem jeito: Goblin mode.” Atire a primeira pedra quem não adota dias inteiros de pantufas, camisetas rasgadas, cabelos despenteados e pizza delivery em contraposição à plasticidade e à perfeição do mundo quase distópico das roupas chiquérrimas e alinhadas e das comidas plasticamente montadas nos pratos caros de restaurantes mundo afora do Insta e do TikTok?

Ilações à parte, “Goblin mode” reflete um tipo de comportamento que vem se incorporando às nossas vidas e ao atual estágio civilizatório global no pós-pandemia: esquecer a etiqueta por um tempo e “deixar rolar” o dia ou até a semana, sem ter nenhum compromisso com as boas maneiras ou com a etiqueta social.

E o que isso significa para as marcas?

Todo movimento cultural – praticamente sem exceção – vem em contraponto ao movimento do establishment. Foi assim na música, nas artes, nos hábitos e nos padrões sociais durante toda a história recente da humanidade. Poderíamos citar vários desses movimentos, desde as sufragistas na Inglaterra até os modernistas brasileiros, passando pelos hippies dos anos 1970. Mas vale um alerta. O “”Goblin mode”” não é um movimento cultural. É uma espécie de contracultura comportamental que é transversal a toda a sociedade.

E não pode ser tratado como uma onda segmentada psicograficamente.

As marcas que estimulam engajamento e estão ancoradas nas plataformas de mídia sociais, gerando diálogos cotidianos com seus usuários, precisam dar esse espaço na agenda de relacionamento e recomendar o conforto da indisciplina cotidiana e do desleixo programado.

O próprio presidente da organização do Oxford Dictionary comenta que “”chega a ser um alívio reconhecermos que não somos o tempo todo uma visão idealizada de nós mesmos, seres ‘curados’ obrigados a se apresentar nos feeds do Instagram e do TikTok”.

Se houver algum resquício de humanidade nos equities das marcas – e nos gestores de mídia social –, elas precisam colocar luz nessa dinâmica de descompressão e do descompromisso social. A hashtag #goblinmode no TikTok ainda é pequena (?) se comparada a várias outras; está com 15 milhões de menções espontâneas (até o momento em que escrevo este artigo). Mas já declara que está sendo usada e aceita por uma parcela considerável da população.

Como usar o “”Goblin mode”” sem incentivar a preguiça?

A máxima de que as marcas são como pessoas, caiu por terra há muito tempo. Do jeito que elas têm se mostrado nas plataformas, elas tendem a extrapolar o humano. É muita demanda; passaram a ser o suprassumo da perfeição e orientadas ao politicamente correto irretocável, beirando muitas vezes a hipocrisia de sugerir o impossível ou o inexistente. Sim, essa é uma crítica às marcas “”família (perfeita) Doriana”” (voltada para a grande massa) e aquelas plasticamente impecáveis – especialmente as marcas de beleza e moda.

Entendo perfeitamente que, na grande maioria das vezes, os valores e os princípios das marcas que estamos construindo e fazendo gestão, não permitem nenhuma “”escorregada”” ou “”afrouxada”” de comportamento, seja por causa do segmento em que ela se encontra – seguros, farma, educação etc. – seja por que seu comportamento arquetípico não disponibiliza essa atitude. No entanto, o “”Goblin mode”” pode ser adotado pelas marcas como um princípio atitudinal que sugira uma válvula de escape ao pesado cotidiano de seu usuário, tirando ele da perfeição distópica das mídias sociais.

Permitir que as marcas recomendem uma espécie de afrouxamento do superego do usuário (responsável pelas nossas autocensuras e auto exigências) para vivermos uma vida menos tensa pode ser uma boa retomada das marcas à condição dos humanos normais. Uma recuperação de humanidade e de equilíbrio corporativo por meio das marcas.

E as marcas podem ser amadas por isso. Num olhar mais simbólico do “”Goblin mode””, personagens das animações e dos cartoons de cinema como o anti-herói Shrek, o Gru, personagem principal do Meu Malvado Favorito, ou o Rocket Racoon, dos Guardiões das Galáxias, por exemplo, vêm fazendo muito sucesso nos últimos 10 anos exatamente porque representam uma espécie de apaziguamento à analidade da disciplina dos heróis. E, nem por isso, deixam de ter força e serem admirados.

E pode ser assim com as marcas. Sugerir e evocar uma mistura de comportamentos mais disciplinados e mais relaxados na jornada e no diálogo com o usuário pode fazer as marcas ganharem pontos e, acima de tudo, gerar mais empatia e engajamento.

Reflita no ano de relacionamento das marcas ou da marca que você faz gestão. E identifique quais foram os momentos que você sugeriu uma trégua de rotina do usuário ou até mesmo, de forma corajosa, saiu do território comercial-transacional para falar de amenidades. Para sua marca ser mais admirada, talvez esteja na hora de um “Goblin mode”.

A propósito, a palavra que ficou em segundo lugar na votação deste ano é “metaverso”. A escolha do público da expressão “Goblin mode” dá um sinal inequívoco de que estamos criticando um bom pedaço daquilo que construímos nas relações sociais até antes da pandemia. E que é muito mais representativa do que metaverso. (Mr. Zuckerberg deve ter ficado um tanto chateado, já que a palavra do ano não deu nenhum empurrãozinho ao seu negócio já relativamente menor e que o tirou da lista dos 10 mais ricos do mundo em 2022.) “

Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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