O compartilhamento de dados amplia as possibilidades de negócio às empresas do segmento bancário. Mas a implementação deve ser bem estruturada
A tomada de decisões assertivas e que permitem o crescimento de um negócio requer conhecimento sobre o estado geral da empresa, bem como insights sobre a realidade do mercado. Se o Deutsche Bank, o Bradesco, o Santander e outros bancos credores soubessem do rombo bilionário na Americanas, por exemplo, teriam emprestado somas cada vez maiores de dinheiro à varejista?
Todo e qualquer setor é beneficiado pela inteligência de dados, mas especialmente um que lida com informações sensíveis: o bancário. A boa notícia é que até mesmo bancos tradicionais têm aperfeiçoado serviços e adotando tecnologias e estratégias de coleta e manejo dos dados dos clientes. Entre as mais importantes e em crescente expansão no Brasil estão os ecossistemas colaborativos.
Funciona assim: empresas de diferentes categorias compartilham seus conjuntos de informações e insights específicos sobre um determinado processo ou população com as demais. A partir daí, ocorre o cruzamento de datasets assistido por inteligência artificial. Isso permite mapear tendências, possibilidades e interpretações e definir as ações e estratégias mais benéficas de acordo com os objetivos corporativos.
As organizações parecem estar cientes da importância de fazer essa disrupção tecnológica conjunta. O levantamento Data Sharing Masters, recentemente divulgado pela Capgemini, mostra que, globalmente, 77% das empresas contam com alguma forma de ecossistema de dados e 48% planejam lançar novas iniciativas na área – 84% delas nos próximos três anos. E, para isso, um a cada quatro dos negócios pretende desembolsar mais de US$ 50 milhões ao longo do período.
Sobram motivos para nadar nesta direção. O braço de pesquisas da Capgemini identificou que esses hubs de dados aumentaram a produtividade e a eficiência em 14% e reduziram os custos em 11% ao ano no último triênio.
Outro benefício é a melhora da satisfação do cliente em 15%, um fator central para o sucesso das marcas. Nesse sentido, é positivo investir no atendimento, já que este é o segundo principal motivo para a fidelização dos clientes, ficando atrás apenas do preço, segundo um relatório da Zendesk.
Aqui, os ecossistemas já mostram sua serventia. Afinal, ajudam a direcionar as campanhas de marketing para o público que realmente está interessado no que está sendo oferecido. Além disso, outra aplicação comum é na geração de insights em trabalhos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e sobre o consumo de produtos e serviços.
No final, os usuários desejam praticidade e comodidade. “Em um contexto de ecossistemas conectados, o cliente deixa de depender de várias plataformas e passa a resolver as suas questões em apenas uma, duas, que reúnam tudo que ele precisa”, afirmou Daniel Gomes, CEO da fintech Nexoos, em entrevista ao Meio & Mensagem.
Além disso, o relatório da Capgemini indica que os ecossistemas de dados têm o potencial de ampliar a receita anual de grandes organizações em 2% a 9% nos próximos cinco anos. A iniciativa também promete gerar 10 pontos percentuais de vantagem financeira (ou seja, novas receitas, maior produtividade e custos menores) em três anos em relação a concorrentes menos modernizados nesse quesito.
A estratégia também abre caminho para a monetização de dados. Trata-se da geração de valor para as empresas por meio do compartilhamento de informações e insights, criação de novos produtos e serviços e revisão dos modelos de negócio com a diversificação de fontes de receita.
Oferecer praticidade também é importante, como demonstra a popularidade das fintechs, bem como personalização dos serviços, produtos e atendimento. O processo é auxiliado pela identificação de padrões e preferências a partir de dados, disponíveis em um expressivo volume devido ao amplo acesso à internet.
O relatório da Capgemini verificou que apenas 14% das empresas mantêm algum meio de compartilhamento de dados de fato colaborativo. Para ampliar este número, o primeiro passo é escolher quais informações serão compartilhadas e com quais parceiros. O movimento requer conhecer os diversos tipos de ecossistemas de dados, entre eles os de:
– Corretagem e agregação de dados: a organização tem dados com valor direto para seus clientes e negocia com terceiros as percepções derivadas dele.- Data sharing recíproco: várias empresas compartilham dados, uma delas sendo o player principal.- Federated Analytics: vende acesso a análises e insights de outra organização, cujos dados não podem ser diretamente compartilhados ou acessados devido a questões regulatórias, ao volume ou a outros motivos.- Cadeia de suprimentos de dados colaborativos: várias organizações atendem a um único cliente ou mercado, e a própria colaboração é o novo produto ou serviço.
Porém, dois tipos dominam o mercado nacional e estão em ascensão. São os seguintes:
– De setor: possui dados específicos de cada segmento econômico e os compartilha com base em critérios que permitem o uso em benefício das atividades dos bancos, por exemplo.- De dados abertos: criados e mantidos por organizações que compartilham dados públicos abertamente para benefícios sociais.
Não basta existir a vontade de estabelecer ecossistemas colaborativos de dados. O caminho até a implementação bem sucedida é longo e requer uma série de cuidados, entre eles, estabelecer o modelo de negócios com uma proposição de valor exclusiva e vantajosa para todos os envolvidos.
Outro ponto a se observar a partir da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é a privacidade e a propriedade das informações pessoais ou confidenciais. Nesse passo, as empresas devem implementar os ecossistemas considerando valores éticos, confiança e requisitos regulatórios. Sem esquecer das regras das próprias plataformas, a exemplo do WhatsApp, que exige que o cliente dê o opt-in para receber contatos e fornecer informações pessoais, tendo-as armazenadas e compartilhadas.
E aí está o principal desafio dos bancos, especialmente em um momento de implementação do open banking e do open finance no Brasil. Segundo um estudo recente da Akamai Technologies, em parceria com a Cantarino Brasileiro, 52% dos respondentes não estavam dispostos a permitir o compartilhamento de dados entre instituições financeiras.
Ao Meio & Mensagem, Gomes afirmou que existe um longo caminho a ser percorrido: “principalmente pela falta de clareza por parte dos usuários sobre os benefícios pretendidos e de como funciona a transferência de informação”. O empreendedor também aponta a prevenção e o combate de fraudes, assim como a segurança cibernética, como pontos importantes a serem observados.
O sucesso da empreitada ainda requer o uso das ferramentas corretas, que permitem extrair, limpar, integrar, catalogar, rotular e organizar as informações. Para isso, o mercado brasileiro conta com a plataforma de software Hadoop e a computação de alta performance (high performance computing, ou HPC), que são empregadas em conjunto com nuvens. Assim, agregam escalabilidade aos negócios, já que possibilitam ampliar a análise de dados, que hoje, em uma empresa média, ocorre em cerca de 40% das amostras, segundo pesquisa da VMware.
O processo, como parece, é complexo. Porém, fica mais simples quando liderado por gerentes que conhecem o valor da iniciativa e implementam os cinco passos apontados como fundamentais em um estudo recente da consultoria Gartner. São eles:
1. Criar visão e estratégia.2. Estabelecer um framework.3. Cultivar uma cultura orientada por dados e estabelecer governança.4. Gerir o valor dos dados.5. Refinar a estratégia.
Todo esse processo não precisa ocorrer em todos os setores da organização ao mesmo tempo. A data management pode ser aplicada de modo escalonado, iniciando em apenas um departamento ou caso específico e sendo ampliado à medida em que é aperfeiçoado e adaptado às necessidades dos clientes e da empresa.”