Mais sobre o colunista

4 min de leitura

As evidências não dão bola para a nossa intuição ESG

É preciso ser verdadeiramente data-driven, e entender as verdadeiras razões para adotar métricas de sustentabilidade na hora de investir

Carlos de Mathias Martins
6 de agosto de 2024
As evidências não dão bola para a nossa intuição ESG
Este conteúdo pertence à editoria Finanças e ESG Ver mais conteúdos
Link copiado para a área de transferência!

No início do longa-metragem A Pantera Cor-de-Rosa, o inefável inspetor Jacques Closeau é chamado à casa de um bilionário para investigar o assassinato do motorista da família. Em uma das cenas do filme, Closeau, magistralmente interpretado pelo ator britânico Peter Sellers, discorre sobre a importância de um policial ater-se apenas aos fatos na investigação de um crime. Após elencar uma série de evidências irrefutáveis que apontavam todas na direção da suposta criminosa – a senhorita Maria Gambrelli, empregada da mansão –, Closeau conclui a sua digressão com a absolvição da principal suspeita. Ao ser questionado pelo seu companheiro de farda e assessor Hercule Lajoy sobre a aparente contradição entre evidências e veredito, Closeau responde: “segui minha intuição”. Ocorre que Closeau não conseguia disfarçar sua paixão por Maria e, apesar de sua genialidade dedutiva, o inspetor precisava a todo momento demonstrar que não era um observador enviesado.

O princípio da falsificação

No livro O Mundo Assombrado pelos Demônios: A Ciência Vista Como Uma Vela no Escuro, o cientista americano Carl Sagan – falecido em 1996 – dedica um capitulo inteiro a um conjunto de regras para detecção de baboseiras pseudocientíficas. Um dos critérios propostos por Sagan para a identificação de teses furadas é o ”Principio da Falsificação“ postulado pelo filósofo Karl Popper – eu mal o conheço, mas uma citaçção desse naipe torna difícil para qualquer leitor usar um argumento ad hominem contra o meu artigo. Enfim, Popper propõe que uma hipótese científica precisa ser falsificável – isto é, para ser considerada científica, tal hipótese precisa ao menos potencialmente ser demonstrada falsa. Caso contrário, é grande a chance de estarmos tratando de groselha ou mortadela, ou “baloney”, no idioma nova-iorquino.

Invoco o “Princípio da Falsificação” para questionar a hipótese em voga que sugere rentabilidade mais alta para investimentos rotulados ESG – do inglês ambiental, social e governança. Para começo de conversa, a definição dos parâmetros que compõem a rotulagem ESG é bastante fluida. Estudo publicado no ano passado por pesquisadores do MIT – alma mater dessa nossa revista eletrônica –, com o título bastante sugestivo de Aggregate Confusion: The Divergence of ESG Ratings, evidencia a discrepância entre as avaliações das maiores assessorias de rotulagem ESG. O estudo revela, por exemplo, que as firmas de rating avaliam a performance ESG de uma mesma empresa de diferentes formas (as maiores firmas, no caso). Ainda segundo os pesquisadores do MIT, a premissa de que ao menos parte das métricas ESG serão avaliadas objetivamente não se sustenta, conclusão corroborada por evidências estatísticas apresentadas no documento.

Em resumo, é impossível testar uma hipótese baseada em métricas cuja avaliação por firmas especializadas em rotulagem ESG resultam tão divergentes. Aplicando o princípio da falsificação, não há como testar a hipótese de correlação entre rentabilidade e performance ESG se o conjunto de métricas de aferição é mal definido.

Na mesma linha, uma meta-análise publicada mês passado pela PRI, rede internacional de investidores apoiada pela ONU, conclui que ainda não é possível estabelecer uma relação direta entre a rentabilidade de ações e performance ESG de empresas. Usando por base diversos estudos preparados por firmas especializadas, bancos e universidades, a publicação da PRI – princípios para o investimento responsável, do acrônimo em inglês – clama por mais pesquisa sobre a correlação entre rentabilidade e métricas ESG. Talvez essa insistência em buscar tal correlação seja motivada pelos resultados inconclusivos e contraintuitivos da meta-análise sob o ponto de vista de uma rede de investidores que promove os princípios ESG.

Sempre argumentei a favor da análise de parâmetros socioambientais como ferramenta de gestão de riscos em investimentos. Entretanto, muitas vezes me deparo com profissionais defensores da pauta ESG que parecem ter entrevistado um oráculo ou falado com Deus antes de escrever um textão no LinkedIn sobre como ganhar dinheiro e fazer o bem. Na realidade, até o momento, a literatura especializada demonstra que as evidências de nexo causal entre rentabilidade de investimentos e rankings ESG são muito tênues. Mesmo contra a nossa intuição.

De novo: a análise de parâmetros socioambientais é uma ferramenta de gestão de riscos em investimentos. Ao menos, por enquanto.”

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

Deixe um comentário

Você atualizou a sua lista de conteúdos favoritos. Ver conteúdos
aqui