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À medida que EUA e outros governos adotarem políticas protecionistas, tende a ficar cada vez mais difícil crescer internacionalmente; é hora de conhecer as estratégias das empresas da China para crescer em microrregiões
A frase “chu hai” (“ir para o exterior”, em chinês) tornou-se um grito de guerra para muitas empresas chinesas nos últimos anos. Diante da lenta recuperação do mercado consumidor doméstico da China após a pandemia de covid-19, eles voltaram suas atenções para os mercados estrangeiros em busca de crescimento. Muitos líderes empresariais chineses estão confiantes de que suas capacidades de inovação podem torná-los competitivos nesses mercados, mas barreiras comerciais antes inexistentes e tensões geopolíticas representam obstáculos significativos para suas ambições internacionais.
Para entender essas dificuldades e as estratégias que esses líderes estão usando para superá-las, entrevistamos 40 deles envolvidos em negócios internacionais do início de 2023 até o início de 2024. Aprendemos que, ao revisar sua noção de local de funcionamento, as empresas chinesas estão encontrando novas maneiras de enfrentar os desafios da internacionalização.
As empresas chinesas enfrentam três desafios na expansão internacional:
Para as empresas chinesas que antes se concentravam na expansão para os mercados ocidentais, no entanto, essas áreas podem representar desafios desconhecidos. Um empresário comentou sobre a árdua curva de aprendizado envolvida na expansão para a região vizinha do Sudeste Asiático, dizendo que “mesmo em Singapura, onde as pessoas podem falar chinês, a cultura empresarial não é a mesma. Por exemplo, as pessoas ainda distribuem cartões de visita (enquanto os empresários chineses escaneiam os códigos QR do WeChat uns dos outros) e não trabalham nos fins de semana.”
Como as empresas chinesas estão enfrentando esses desafios? Nossas entrevistas com executivos e nosso trabalho de consultoria e ensino na China revelam que eles estão alavancando estrategicamente as microrregiões para o mercado mundial.
O mundo pode ser pensado como uma coleção de microrregiões – unidades subnacionais, como províncias, cidades ou zonas econômicas, como a costa leste da Tailândia, conhecida como Corredor Econômico Oriental (ou ECC, na sigla em inglês) e Chihuahua no México. Mesmo dentro de um mesmo país, as microrregiões variam muito entre si em termos de renda, demografia, infraestrutura, governança e receptividade a empresas estrangeiras.
Essas áreas mostram aos executivos uma imagem mais precisa de onde estão as oportunidades em geral se comparadas à mesma busca em termos nacionais. Na maioria dos casos, os executivos chineses analisam e identificam oportunidades de negócios internacionais a partir dessas unidades geográficas menores, embora alguns países muito pequenos, como Singapura, constituam eles mesmos uma microrregião.
Um estudo da McKinsey identificou mais de 40 mil microrregiões em todo o mundo em 2019, cada uma das quais com 3 mil quilômetros quadrados, um produto interno bruto de US$ 3 bilhões e cerca de 180 mil habitantes, em média.
Para os executivos chineses, pensar em termos da microrregião é natural, dada a história de desenvolvimento da China. Dos 2 bilhões de pessoas em microrregiões que alcançaram altos padrões de vida nos últimos 20 anos, 1,1 bilhão viviam no país. Mesmo antes das reformas econômicas serem implementadas na década de 1980, a China adotou um padrão historicamente descentralizado de desenvolvimento econômico. Para as empresas chinesas, é natural se desenvolverem localmente porque foi assim que a maioria delas começou.
Abaixo, destacamos três estratégias locais que estão ajudando as empresas chinesas a se expandirem internacionalmente nestes tempos desafiadores.
1. Encontrar em microrregiões novas rotas para os mercados existentes. As empresas chinesas estão se voltando para microrregiões que trazem um caminho viável para mercados que podem ter se tornado mais difíceis de acessar, como os da América do Norte e da Europa. Não estamos falando de evasão tática de barreiras comerciais usando brechas, e sim de realocar operações para locais estrategicamente vantajosos onde as empresas podem agregar valor.
Quando a WuXi Biologics, uma empresa chinesa de biotecnologia, estabeleceu suas operações europeias em 2018, optou por fazê-lo no cluster de TI em saúde da Irlanda em Dundalk para aproveitar seu pool de talentos e ecossistemas de parceiros. Diante dos maiores obstáculos hoje presentes, as empresas chinesas também estão buscando oportunidades em microrregiões-chave em regiões não ocidentais, com o objetivo de preservar ou melhorar suas perspectivas de fazer negócios no Ocidente. Isso geralmente assume duas formas frequentes:
Três características tornam Singapura um destino atraente para empresas chinesas que buscam manter vínculos com os mercados ocidentais: (a) seu acesso a talentos, (b) sua infraestrutura comercial e (c) sua neutralidade geopolítica. Embora nem todas as microrregiões sejam igualmente atraentes, esses atributos são cruciais para que essa estratégia funcione.
2. Construir hubs em microrregiões como plataformas de lançamento para mercados emergentes. África, América Latina, Oriente Médio e Sudeste Asiático também são áreas nas quais as empresas chinesas estão construindo pontas de lança para acessar mercados emergentes. Singapura novamente serve como importante plataforma de lançamento para o Sudeste Asiático. A XNode, uma empresa de ecossistema de startups com sede em Xangai que ajuda startups a se internacionalizarem, apoiou a Leyan, também com sede em Xangai, a estabelecer sua base no exterior em Singapura em 2023. Essa mudança permitiu que a Leyan comercializasse seu produto de chatbot com inteligência artificial para varejistas de comércio eletrônico do Sudeste Asiático que operam em plataformas como Shopee, Lazada e Tokopedia, que são populares naquela região, mas relativamente desconhecidas na China.
O Oriente Médio e o Norte da África são outra região de interesse para as empresas chinesas. A região está desenvolvendo uma vasta gama de novas competências para apoiar a transição de combustíveis fósseis para energia renovável e buscar uma ampla gama de inovações digitais. As empresas chinesas têm aumentado sua presença na cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, que é um centro eficiente e bem localizado que se tornou uma porta de entrada significativa para a região. Além disso, há um envolvimento chinês significativo em novos empreendimentos que aspiram a ter uma presença regional, se não global, como a Neom na Arábia Saudita.
As empresas chinesas também estão procurando maneiras de explorar a África como um potencial futuro mercado. A Shenzhen Power Solutions, que fornece soluções de iluminação abastecidas por energia solar de baixo custo para pessoas que vivem fora da rede de transmissão de eletricidade, estabeleceu recentemente uma instalação em Adis Abeba, na Etiópia. Também está ampliando seu portifólio de produtos para atender às demandas ligadas a educação em toda a África por meio de tablets alimentados a energia solar pré-carregados com conteúdo de treinamento de habilidades.
A IClear, uma empresa de purificação de água registrada em Hong Kong que visa fornecer soluções seguras e acessíveis de água potável na África Oriental, tem entre seus fundadores um executivo de Nairóbi que trabalhava para um fabricante chinês de telefones celulares. A Landcent, uma empresa fundada em Xangai, oferece um portfólio de produtos – repelentes de insetos, sprays e medicamentos – para tratar a malária e escolheu Acra, em Gana, como base. São empresas com fins lucrativos que usam sua experiência na produção de soluções acessíveis, diferentemente das organizações sem fins lucrativos que também têm o objetivo de enfrentar os desafios de saúde e energia na região.
Mesmo na África, é vital exercer o bom senso na escolha de uma microrregião como base para as operações de uma empresa. Embora Acra em Gana, Adis Abeba na Etiópia, e Nairóbi no Quênia ofereçam grandes oportunidades como plataformas de lançamento para a África, ainda há muito a fazer em comparação com Singapura em termos de infraestrutura comercial, eficiência burocrática e pessoal qualificado disponível. Portanto, é necessário compensar essas inadequações trabalhando com parceiros confiáveis que contem com conjuntos de habilidades complementares.
3. Estabelecer-se virtualmente por meio de microrregiões que são centros de talentos digitais. Por fim, as empresas chinesas estão usando centros de talentos digitais para expandir tanto em mercados novos como naqueles familiares. Essa estratégia usa tecnologias e talentos digitais distribuídos para conectar virtualmente recursos e oportunidades, reduzindo a necessidade de lidar com regimes de investimento complexos e em constante mudança nos mercados-alvo.
Certas microrregiões na China e seus entornos são valiosos no lançamento de tais esforços digitais. Shenzhen é uma microrregião que gerou marcas inovadoras de eletrônicos que, ao contrário das inúmeras marcas chinesas genéricas vendidas na Amazon, ganharam reconhecimento internacional e estão presentes nos mercados ocidentais por meio de vários canais diferentes. Os exemplos incluem Anker Innovations e Govee, que vendem, respectivamente, eletrônicos de consumo e produtos de iluminação. Hangzhou tem sido uma microrregião exemplar para gerar expertise relevante em comércio eletrônico. A presença da gigante do ramo Alibaba na região e seu programa de treinamento Global Digital Talent geraram um efeito que equipou os empreendedores locais com o know-how para construir marcas para os mercados ocidentais.
As marcas chinesas realizam essa expansão usando uma rede distribuída de talentos digitais que podem realizar operações sofisticadas, incluindo pesquisa de mercado, construção de marca e operações de comércio eletrônico. As empresas familiares que fabricam uma variedade de utensílios domésticos, como móveis ou vestuário, estão aproveitando Hangzhou e o programa Alibaba para montar equipes globais de profissionais em várias microrregiões ao redor do mundo para lançar marcas de itens de consumo. Uma dessas empresas, que pediu para não ser identificada neste artigo, obteve sucesso em apenas alguns anos após se lançar nos Estados Unidos e não deixa claro em seu site que é uma empresa chinesa. Como um de seus fundadores nos disse: “Nossa vantagem é que temos inovação genuína no lado do produto na China e, ao alavancar a tecnologia digital, nos conectamos com nossos clientes-alvo nos EUA. Como o produto funciona muito bem, de onde viemos é irrelevante.”
Essa estratégia pode ser replicada por qualquer empresa, em qualquer lugar, e exige um conjunto de competências necessárias, incluindo a capacidade de desenvolver e entregar uma proposta de valor única, bem como a capacidade de administrar uma equipe multicultural e multilocal. Esta última representa uma condição ainda deficitária para muitas empresas chinesas, embora um empreendimento como a Anker mostre que profissionais chineses que viveram e trabalharam no exterior para então voltar para casa desenvolvem as habilidades necessárias para integrarem essas equipes.
As empresas chinesas enfrentam várias barreiras para fazer negócios no exterior, mas, à medida que mais governos adotam políticas protecionistas, pode ser cada vez mais comum que empresas em todos os países enfrentem acesso restrito a alguns mercados estrangeiros. Algumas das estratégias que descrevemos podem ser úteis nessas situações. Por exemplo, algumas startups israelenses, cujo acesso a lugares como a Turquia foi restringido após o conflito de Gaza, estabeleceram uma nova entidade em Baku, no Azerbaijão, por meio da qual ainda pode ser possível lidar com alguns desses mercados.
Como observadores neutros, acreditamos que é importante que as empresas se envolvam globalmente, apesar dos ventos geopolíticos contrários, principalmente quando podem ter um impacto social positivo, como empreendimentos em torno da criação de um futuro mais verde. A experiência das empresas chinesas demonstra que as microrregiões podem ser a chave para desbloquear novas rotas para mercados internacionais.