
O que está por trás de uma grande decisão estratégica? Dados? Relatórios? Instinto? Talvez a chave esteja, justamente, fora do campo de visão. Líderes que expandem sua perspectiva e se abrem ao inesperado não apenas resolvem problemas — eles criam novos caminhos. Já os que evitam o desconforto da divergência (a maioria) não só tomam decisões piores, mas se tornam reféns da própria irrelevância.
Líderes experientes, muitas vezes, se viciam em operar no modo previsível do “sempre foi assim”. Essa limitação não é só estrutural — é cultural. Amit Goswami, em Criatividade Quântica, provoca: “Ignore o dogma e amplie seu modelo para acomodar o mundo”. Ou seja: liderar criativamente exige a coragem de abandonar certezas que já não servem mais. Requer espaço para possibilidades que desestabilizam o conhecido.
O problema é que muitos confundem velocidade com acerto. Seduzidos pela urgência, caem no viés de confirmação e se cercam de conselheiros — ou seriam carcereiros? — que apenas reforçam suas convicções. Criam, sem perceber, “ecossistemas de eco”, onde a aparente certeza substitui a verdadeira clareza.
Pior ainda são os líderes que terceirizam o pensamento estratégico para tendências do mercado. A indústria da moda nos ensina: todo mundo quer usar o look da vez. E no mundo corporativo, isso se traduz em uma corrida cega por frameworks lançados por consultorias que, como oráculos, ditam o que pensar. Ninguém é demitido por seguir a cartilha da McKinsey. Mas será que ela serve para o seu contexto?
Nesse cenário, vemos menos originalidade e mais repetição. A Nike, por exemplo, deixou de ditar tendências e passou a segui-las — um movimento que se refletiu diretamente na sua perda de valor de mercado. Quando uma marca que construiu seu império a partir da dissonância se torna mainstream demais, o mercado responde com frieza.
Liderar é, sim, uma jornada solitária. Clichê? Talvez. Mas real. O poder isola — e distorce. Liderados, conselhos e investidores raramente oferecem visões isentas. Por isso, o olhar externo se torna um ativo crítico. Ao se cercar de pares sem interesse direto no negócio, cria-se um espaço de troca genuína, onde a inteligência coletiva pode florescer sem filtros. Um tipo de luz que atravessa o nevoeiro da liderança.
Há líderes que viram CEOs-secretários: reativos, submissos às metas de curto prazo, repetindo rituais corporativos e evitando confrontar premissas. Em um mundo que exige reinvenção, ser um CEO-encoleirado é assinar a própria irrelevância
Quando esse espaço é ignorado, líderes viram CEOs-secretários: reativos, submissos às metas de curto prazo, repetindo rituais corporativos e evitando confrontar premissas. Em um mundo que exige reinvenção, ser um CEO-encoleirado é assinar a própria irrelevância.
Diversidade, felizmente, virou pauta central. Mas pouco se fala sobre a diversidade de pensamento — talvez a mais subversiva. Ela não cabe em quotas, nem em slides de DEI. Exige disposição real para ouvir o contraditório, aprender com o incômodo, e trocar o conforto do consenso pela potência do debate.
Aprendemos algo contraintuitivo nos últimos anos: ser influenciável é um ato radical de liderança. Abrir-se para mudar de ideia e ser afetado por perspectivas inesperadas vale mais do que qualquer MBA. As vozes que desqualificamos são, muitas vezes, as que mais nos empurram para lugares que sozinhos não alcançaríamos.
As decisões estratégicas mais potentes nascem do desconforto de uma ideia nova. Liderar, nesse sentido, é transcender a própria perspectiva. Porque quem só escuta o que confirma suas crenças não lidera — apenas ecoa.
Vemos a proliferação de grupos de CEOs e lideranças — mas muitos desses espaços enfrentam um dilema estrutural: a mistura entre potenciais clientes, fornecedores e patrocinadores cria relações viciadas. Trocas estratégicas se transformam em vitrines de produto. O que era para ser comunidade vira showroom.
Uma comunidade verdadeira se constrói na convivência — e, principalmente, na confiança para permitir a fricção. Um espaço em que ideias trafeguem livremente, sem medo de serem julgadas ou vendidas. Isso não se faz com mimos e pitches. Se faz com presença, escuta e desconforto compartilhado.
Aqui está o paradoxo: quanto mais alto se está, maior a alienação do cotidiano. Mas é justamente nesse ponto que o líder precisa se deixar atravessar por perspectivas diferentes. A diversidade de pensamento é um antídoto contra a repetição de fórmulas mortas. É também a única forma de construir decisões verdadeiramente estratégicas.
Se quisermos negócios preparados para a complexidade do presente — e do futuro —, precisaremos de líderes que saibam pausar antes de decidir, questionar antes de replicar e, sobretudo, aguentar o desconforto de não saber. Liderar, no século 21, é mais sobre desaprender do que sobre ensinar.
*O colunista escreveu este artigo em coautoria com Patricia Cotton. Ela é especialista em inovação e liderança criativa, com ampla experiência em comunicação e marketing, e fundou a Upside Down Thinking, que leva transformação criativa para sistemas cansados. Possui mestrado na Berlin School of Creative Leadership, onde desenvolveu a tese Upside Down Thinking: how to systemize audacious change, e fez cursos diversos, como comunicação e marketing na PUC-RJ e ESPM-RJ, empreendedorismo na Finlândia, liderança criativa na Holanda, e negócios no Japão, China e EUA.
1 comentário
Paulo e Patrícia, obrigada por este artigo!!! Deu aquela sensação “eu queria ter escrito tudo isso” e mais ainda: eu queria que as empresas tivessem esse olhar, virassem essa chave para a discordância, para o atrito que move, sem que isso impacte nos egos. Pra mim faz toda diferença ouvir críticas, aceitar ideias que são diferentes e principalmente envolver pessoas diferentes para o debate. Sensacional!!!!