Numa série especial sobre retenção de talentos dividida em três partes, exploro de início uma comparação entre a visão de brasileiros e norte-americanos sobre as razões que levam as pessoas a permanecerem no emprego
“Em 2016, fui treinado pela empresa da Beverly Kaye (“Love ‘Em or Lose ‘Em, Sixth Edition: Getting Good People to Stay”) para ministrar no Brasil o seminário dela sobre retenção de talentos. Eu estava entusiasmado porque o livro dela é um absoluto best-seller (800 mil exemplares, seis edições) sobre um tema pouco explorado na literatura. Além disso, a autora, tanto no livro quanto no seminário, embora focalize nos colaboradores de alto potencial de uma empresa, ressalta que àqueles profissionais dedicados que entregam resultados confiáveis e consistentes (que ela chama de bons soldados) merecem também ser objeto de iniciativas de retenção, por serem fundamentais para o dia a dia de qualquer empresa.
Seria uma plateia de 50 pessoas, todas da mesma multinacional, no interior de São Paulo. Fiquei ainda mais entusiasmado quando soube que todos os participantes eram brasileiras e brasileiros com mais de quinze anos de formados, mais de cinco anos de empresa. Além disso, todos já haviam trabalhado para a mesma empresa alguns meses/anos fora do Brasil, e todos tinham entre cinco e 50 subordinados cada.
Pensei, com pouco rigor estatístico, que naquela plateia eu tinha uma amostra bem interessante do que estava por acontecer naquele dia.
Este treinamento incluía apresentar uma pesquisa de mercado feita nos EUA sobre as treze principais razões que levam uma pessoa a não mudar de emprego. Eram elas:
1. Trabalho excitante e desafiador;
2. Bom chefe/apoio dos gestores;
3. Ser reconhecido/valorizado/respeitado;
4. Desenvolvimento, aprendizado e crescimento;
5. Ambiente de trabalho flexível;
6. Remuneração justa;
7. Local de trabalho;
8. Segurança e estabilidade;
9. Orgulho na organização, sua missão e produtos;
10. Trabalhar com grandes colegas de trabalho ou clientes;
11. Ambiente de trabalho agradável e divertido;
12. Bons benefícios;
13. Lealdade e compromisso com colegas de trabalho e com o chefe.
Ao observar a lista de razões, tive uma sensação de desconforto, e mencionei isso durante meu treinamento, pois suspeitava que o ranking no Brasil seria bem diferente. Mas como eu não tinha condições de rodar outra pesquisa aqui, decidi apresentar assim mesmo e perguntar à plateia como eles consideravam que a lista seria diferente no Brasil. Eles mudaram completamente o ranking.
A 1a razão (trabalho excitante e desafiador) ficou onde estava (pra surpresa de ninguém). O item salário ficou mais ou menos no mesmo lugar (de 6º passou para 5º). Mas os brasileiros dão muito mais valor aos itens que ficaram em 11º e 13º nos EUA: ambiente, e lealdade/compromisso com colegas e chefe. Todos achavam que deveria ser 2º e 3º aqui.
Conforme eles, os brasileiros dão muito mais valor a segurança/estabilidade e a trabalhar com grandes colegas/clientes, ambos na segunda metade da lista norte-americana.
O item quatro despertou outra polêmica: os presentes pensavam que treinamento e desenvolvimento deveriam ser tratados separadamente no Brasil, isso porque eles achavam que brasileiros, embora adorem treinamento, resistem ao desenvolvimento (pelo risco de uma promoção distanciá-los dos colegas).
Mencionei também que os millennials (nascidos a partir de 1990) na força de trabalho dão um grande valor a um ambiente de trabalho agradável e divertido. Que ficou em 11º no levantamento dos EUA, sugerindo que a pesquisa da Beverly deva ser atualizada.
A discussão ficou bastante entusiasmada, com todos participando. A plateia decidiu que brasileiros ficam na empresa pelos relacionamentos fortes que fazem com pares, e secundariamente com superiores e subordinados. Não se trata exatamente uma pesquisa de mercado, mas naquele dia fomos além das estatísticas da Beverly para os EUA.
E iniciei minha própria investigação sobre como é diferente manter a bordo bons talentos no Brasil.
Conversei com executivos de RH que haviam feito dezenas de entrevistas de desligamento. Eles confirmaram que muita gente vai embora alegando “falta de clima”, mas alertaram que este dado pode ser inflado porque ninguém quer falar mal de um quase-ex-chefe em entrevista de desligamento.
Conversei com expatriados, sendo repatriados depois de trabalhar três ou quatro anos no Brasil. Em alguns casos, eu havia sido contratado para identificar e preparar, a quatro mãos com o expatriado, um/a sucessor/a brasileiro/a. Encantou a todos que brasileiros adoram interagir/colaborar de perto com os colegas, lidam bem com recursos escassos, aprendem rápido, trabalham igualmente bem com pouca ou nenhuma supervisão, e são bem-vindos em praticamente qualquer lugar do mundo.
Alguns acharam curiosa a estranha mania que nós brasileiros temos de “delegar para cima” (aparente atavismo cultural que merece uma coluna futura). Mas todos mencionaram que, pelo clima de colaboração que criam, adorariam ter alguns pares e subordinados brasileiros neste novo país para o qual estavam indo.
Quando eu explorei melhor o 1º item acima – interagir/colaborar – quase todos responderam “brasileiros atribuem um importante componente social ao ato de trabalhar”. Enquanto isso não parecesse surpreender argentinos, mexicanos e italianos, os norte-americanos, japoneses, alemães e escandinavos expressaram genuína surpresa ao mencionar isso. Outro ponto para reflexão.
Tudo indica que qualquer programa de retenção de talentos no Brasil exige uma atenção especial para as relações com pares (e chefe). Salário, pelo visto, entra no cômputo, mas está lá longe de ser item prioritário, tanto cá como lá.
E, caso vocês estejam conjeturando, continuo recomendando o livro da Beverly Kaye apesar do viés norte-americano.
Na segunda parte dessa série de colunas, o foco será em ferramentas específicas de retenção de talentos à luz do acima. E, inevitavelmente, haverá depois uma terceira coluna sobre a arte de promover pessoas.
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