Jogos de Tóquio mostraram às empresas que houve avanços em diversidade, representatividade e inclusão, mas que ainda há uma carência de ações quando o assunto se relaciona com liderança e habilidades técnicas
“Os Jogos Olímpicos de Tóquio receberam mais de 11 mil atletas e o quadro final de medalhas teve os Estados Unidos como os grandes campeões, somando 113 medalhas. Enquanto isso, a segunda colocada, China, teve “apenas” 88 pódios. O Brasil, por sua vez, com um dos seus melhores resultados, conseguiu emplacar 21 medalhas. O que será que esses países fazem de tão diferente que chegam a ganhar quatro vezes mais medalhas do que nós? Se você pensou em investimento em esporte, acertou. Se pensou em investimento em saúde, acertou também. E se você pensou em investimento em educação, bingo.
Não existe receita secreta para alcançar esse resultado. Existe consistência e apoio contínuo para que profissionais alcancem sua melhor performance. Aquela frase geralmente usada para justificar raras exceções de sucesso, “quem quer chega lá”, é uma loteria que premia pouquíssimas pessoas e que te faz largar muito atrás na corrida pelos melhores resultados.
Então se trazemos isso para a realidade de diversidade e inclusão nas empresa, certamente vamos perder muitos “atletas” excelentes pelo caminho, que não tiveram sequer a oportunidade de acesso ou formação para estarem nas nossas organizações. E os que chegaram, continuam necessitando desse treinamento constante e muito coaching para terem chance de pódio. Assim, a primeira lição é: gere oportunidades.
O segundo ensinamento tem a ver com o fato de que grandes talentos por si só não garantem medalhas. Muitas equipes vivenciam a experiência de ter grandes nomes do esporte em seus times, mas não alcançam o lugar mais alto no pódio. Assim, é importante pensar que nossos times são formados por um conjunto de talentos e habilidades, e que é necessário investir em todos para atingir os resultados que buscamos.
Muitos dos programas de formação de atletas olímpicos são direcionados com mais intensidade para atletas com maior possibilidade de pódio, o que reitera uma lógica de atletas de exceção. Pergunte-se: em quem estamos investindo na nossa empresa? Estamos fazendo uma produção em massa de atletas de alto rendimento, ou colocando todos os nossos esforços naqueles poucos que recebem mais incentivos para continuar competindo? Assim, é possível entender um dos porquês de os Estados Unidos serem tão bem representados na maioria das modalidades, enquanto o Brasil só obtém destaque em algumas.
A terceira lição tem a ver com as mudanças no mundo e o quanto isso reflete nas organizações. Em Tóquio, quatro novos esportes – karatê, skate, escalada e surfe – foram adicionados, mostrando que é possível trazer ideias que antes pareciam absurdas, e obter um bom resultado. Na empresa em que trabalha, crie espaços para ideias novas e dê o apoio necessário para que elas sejam testadas e implementadas. Além disso, estimule as pessoas a arriscarem mais e permita os “erros inéditos”.
Ainda falando sobre o skate, como não falar da maravilhosa vitória da Rayssa Leal de apenas 13 anos que conquistou uma das medalhas de prata do Brasil. Mais do que ser a mais jovem atleta brasileira a realizar essa conquista, foi a maneira e a leveza com que ela conduziu toda a disputa que conquistou nossas atenções e aplausos. Ela dançou e se divertiu durante a jornada, além de apoiar as outras competidoras quando tiveram momentos ruins durante os Jogos. Rayssa ainda celebrou com elas quando venceram e ainda falou do papel importantíssimo da sua mentora, como inspiração para ela.
Olhando para Rayssa e referências semelhantes, a quarta lição é justamente sobre o quanto é importante ter exemplos e inspiração femininas para impulsionar os sonhos e a ambição de outras mulheres profissionais. Em outras palavras, o quanto o apoio e a sororidade fortalecem as relações profissionais e que é fundamental manter sua autenticidade. Se der vontade de dançar no meio do andar porque vai entrar naquela reunião super desafiadora com o cliente, apenas dance. Ah, e celebre as vitórias de suas colegas.
Falando em gênero ainda, em Tóquio seis esportes atingiram pela primeira vez a paridade total entre gêneros (canoagem, judô, remo, vela, tiro esportivo e levantamento de peso). As atletas brasileiras tiveram o melhor desempenho até agora com nove medalhas, que representam 41% do total. Temos muito a comemorar desde 1932 nos jogos de Los Angeles, quando a primeira mulher brasileira representou o País nos jogos e era a única entre os 67 atletas que participaram. Fazendo um paralelo para o mundo empresarial, também temos a celebrar o maior número de mulheres CEOs das 500 maiores empresas da S&P, com 31 mulheres entre os 500 CEOs. Em 2000 esse número era de apenas oito mulheres. Apesar do lento crescimento, ele tem sido constante e cada vez mais cobrado por clientes, fornecedores e principalmente, investidores.
Um fato que me chamou a atenção nos poucos jogos e apresentações que pude assistir foi que, mesmo times e atletas femininas, as comissões técnicas quase que foram compostas 100% de homens. Em nenhum dos esportes que vi, notei o cenário contrário (mulheres técnicas de homens). Isso nos mostra que elas estão chegando lá, mas que ainda há muitas barreiras a serem derrubadas, relacionadas ao reconhecimento da competência e conhecimento técnico das mulheres.
A quinta lição é sobre analisar os dados da sua organização e ver se as áreas técnicas possuem representatividade feminina, inclusive na liderança.Ainda sobre representatividade, foram pelo menos 160 atletas que se declararam LGBTQIA+ no total e entre eles, 15 brasileires. Pela primeira vez, uma atleta trans pode competir e vimos até narradora de jogo usando os pronomes neutros de gênero para se referir a ume jogadore não-binário. Atletas LGBTQIA+ mostraram também que não estavam ali apenas para compor o quadro, mas sim demonstrar competência e trazer vitórias para seus países.
Você sabia que se os atletas LGBTQIA+ nos Jogos Olímpicos de Tóquio fossem um país, o time teria sido o 7º colocado no quadro geral de medalhas? Foram 56 atletas conquistando pelo menos 32 medalhas olímpicas diferentes. Esse total representa mais do que a soma das medalhas de todos os países que criminalizam a homossexualidade. Assim, a sexta lição nos faz pensar em como reconhecemos as qualificações de nossos colaboradores LGBTQIA+ e como estamos potencializando suas competências, permitindo que sejam quem são em nossas organizações.
Falando em preconceito, falta de oportunidades e talentos desperdiçados, não tem como não falar sobre o show dado pelos atletas negros do Brasil, mesmo enfrentando as adversidades que enfrentam em um dos países mais racistas do mundo. Pessoas negras ainda são as que recebem menos oportunidades de capacitação, treinamento e desenvolvimento profissional, e o que esses atletas demonstraram nas Olimpíadas deve servir como o sétimo ensinamento para que as empresas invistam mais, e de maneira sólida, no talento negro.
A oitava e penúltima lição é sobre o posicionamento público de atletas, comentaristas e marcas sobre pertencimento e representatividade. Acompanhamos a luta das atletas norueguesas pelo direito de usarem roupas mais longas (e mais adequadas à prática do esporte) e a mobilização global em apoio a elas após serem multadas pelo Comitê Olímpico Internacional.
Assistindo também atletas e comentaristas negros escancarando o racismo estrutural em alguns esportes de elite. Muitas propagandas antes das Olimpíadas trouxeram atletas diversos e personagens representativos. Todos esses movimentos nos dão uma perspectiva do que vem pela frente em termos de diversidade e inclusão nos esportes e, nos oferece também uma visão muito clara do que a sociedade espera de posicionamento de organizações e marcas com relação ao tema.
Por fim, o último ensinamento é sobre o que vem após os Jogos Olímpicos: os Jogos Paralímpicos. Realizados pela primeira vez em 1960 na Itália, esse evento vem garantindo a participação de atletas com deficiência, assim como a Lei de Cotas, que garante a participação de profissionais com deficiência no mercado de trabalho.
Mas assim como nas Paralimpíadas, onde há menos patrocínio e menos visibilidade midiática, como estamos apoiando os nossos colaboradores com deficiência? Estamos olhando para esses “atletas” como profissionais capacitados e que treinam consistentemente para apresentar sua melhor performance ou os estamos tratando como coitadinhos, incapazes ou os colocando em posições menos estratégicas?Celebremos os avanços, sempre de olho nas expectativas do futuro. Que em Paris 2024 tenhamos muito mais a celebrar em termos de representatividade, diversidade e inclusão.
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