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Os perigos da IA nas decisões complexas

As empresas devem ficar atentas: dependendo do problema em questão, há um grande risco em confundir a relação causa e efeito ao usar o machine learning

Entrevista com Susan Athey
18 de julho de 2024
Os perigos da IA nas decisões complexas
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Os líderes empresariais estão cada vez mais conscientes do potencial da inteligência artificial de remodelar a paisagem dos negócios. Mas talvez ainda não compreendam exatamente como aplicá-la dentro de suas organizações. Talvez esperem que ela resolva mais problemas complexos do que a tecnologia atualmente permite.

Veja, por exemplo, o que revelou um estudo de marketing digital feito em 2012 pelo eBay Research Labs. Segundo ele, certos anúncios digitais, que pareciam muito eficazes para o eBay, não traziam retornos sobre investimento realmente bons, porque não traziam novos clientes – as pessoas que os viam já planejavam entrar no site de qualquer maneira. O fato é que o machine learning ainda não consegue separar quem vai entrar em um site e quem não vai.

Susan Athey, uma professora de economia tecnológica da Stanford Graduate School of Business, que cita a pesquisa do eBay em um artigo publicado na revista _Science_. Athey afirma que para colher os benefícios da nova tecnologia, líderes de empresas precisam descobrir quais são os problemas certos para aplicar a ela. 

A correspondente Frieda Klotz, da _MIT Sloan Management Review,_ conversou com Athey sobre os perigos de aplicar a IA nos contextos errados. A seguir, uma versão editada e condensada da nossa conversa:

Quais são alguns dos desafios que as pessoas têm para entender os benefícios do machine learning?

Athey: Há uma ilusão de que sempre será melhor deixar que um algoritmo determine uma solução, mas nem sempre esse é o caso. A IA não é uma boa solução para todos os tipos de problema. Quando se fala em automação, um desafio real está em entender quais são as tarefas fáceis e quais as difíceis. Pense em um jogo de tabuleiro, no qual tecnologias de IA foram reconhecidamente bem-sucedidas. De certa forma, essa é uma tarefa difícil porque o “espaço de estados” é muito grande – essa é a expressão que utilizamos para descrever a possível sequência dos movimentos disponíveis para a máquina no jogo. Mas também é fácil no sentido de que a tarefa em si é bem definida. O mapeamento do jogo até o resultado é claro e, no final, não há dúvidas sobre quem ganhou e quem perdeu. 

Alguns cenários do mundo real são assim, com mapeamento sem custos, mas em outros não se entende completamente o mapeamento das ações. Nesses, é preciso interagir com o mundo real para reunir dados, e há custos reais. Embora um computador possa jogar um jogo de tabuleiro muito rapidamente, no mundo real, se você está tentando entender o efeito de uma decisão cujos resultados aparecem seis meses depois, levará anos para poder testar a natureza dos resultados. O fato é: muitos dos problemas do mundo real não compartilham as mesmas características dos retratados em discussões sobre IA e machine learning. 

As organizações estão se deixando iludir pela promessa do machine learning?

Athey: Eu tento ajudar os gestores a entenderem o que torna um problema fácil ou difícil da perspectiva da IA, tendo em mente o tipo de IA que temos hoje. Eu quero que eles reconheçam onde a nova tecnologia será incrível e onde eles precisarão de ferramentas diferentes.

A verdade é que quando as empresas começam a usar o machine learning, elas geralmente fazem isso de uma forma bem simples, envolvendo problemas de rotina. A IA mais complexa é usada em um conjunto muito menor de categorias – categorias importantes como veículos autônomos –, mas mesmo robôs industriais geralmente estão desempenhando tarefas de rotina, repetitivas, em um ambiente muito controlado. Utilizar o machine learning para uma tarefa de objetivo amplo em um ambiente muito desestruturado é muito menos comum.

Parece que é vital que as empresas experimentem e testem seus dados se quiserem evitar armadilhas…

Athey: Sim, absolutamente. Essas questões aparecem especialmente na propaganda online. Se uma empresa coloca um anúncio na frente das pessoas e as lembra de fazer algo que elas já planejavam fazer, isso apenas as lembra de fazê-lo instantaneamente. Então, o anúncio parecerá muito eficaz, mas na verdade não é. Para o grupo de pessoas que digita “eBay” em um buscador, quais são as chances de elas estarem entrando no eBay sem o anúncio? Chances muito, muito altas.

As pessoas que têm mais chances de interagir com seu produto talvez sejam aquelas que são influenciadas por atividades de marketing ou de vendas. Muitos dos casos de uso mais recentes de novas tecnologias de machine learning têm esse filtro.

Quais são os exemplos que você encontrou?

Athey: Alguns serviços de machine learning afirmam identificar em que clientes um call center deve mirar. O que uma empresa nesse cenário realmente quer saber é o ROI retorno sobre investimento – para comparar o que acontece se fizer a chamada ou não. Mas esses sistemas estão prevendo que clientes, quando chamados, vão comprar algo. Então, está basicamente prevendo uma compra, dependendo da chamada. Esse é um problema muito mais simples e mais fácil de resolver. 

Muitos desses clientes poderiam ter comprado de qualquer forma. O que você realmente está prevendo é que pessoas gostam mais do seu produto, o que não é a mesma coisa do que prever as pessoas para as quais uma chamada fará diferença na decisão pela compra. E as mesmas pessoas para as quais a chamada de telemarketing é um incentivo eficaz podem ter possibilidades de compra menores, o que torna o cenário cada vez mais complexo.

Por outro lado, a IA é incrivelmente útil se te permitir prever as pessoas que nunca vão comprar seu produto não importa o que você faça, porque aí você pode se livrar dessas chamadas. Priorizar se torna um problema maior – e que pode exigir testes –  entre as pessoas que podem comprar seu produto. 

Então, tem a ver com fazer as perguntas certas…

Athey: Pensar criticamente sobre como reunir dados, sobre como abordar os dados que você tem é muito importante. 

Eis outro exemplo: é comum em conjuntos de dados ver uma correlação positiva entre preço e quantidade. Tipicamente para hotéis ou qualquer coisa que vende até esgotar, o período que eles mais vendem é também o período em que os vendedores aumentam os preços. 

Se você olhar os dados, pode achar que eles estavam dizendo o seguinte: se você aumentar os preços ,isso vai ajudar você a lotar seu hotel. E, na verdade, a causalidade está na direção oposta – por ser alta temporada, os preços são altos. Os executivos foram entendendo ao longo das décadas que é muito difícil usar dados históricos para tomar decisões de preço. Empresas tradicionais vão conduzir experimentos ou fazer pesquisas ao criarem soluções.  Então, a pergunta é: o que fazer? Dados isolados não vão guiar proprietários de hotéis para definir preços de uma forma que aumentará as vendas.

As empresas precisam do tipo certo de dado, e precisam ter variação experimental de alguma forma. Mais dados ruins não resolvem o problema. As pessoas geralmente pensam que “ruim” significa bagunçado ou medido incorretamente, mas não. Tem a ver com  descobrir dados que podem determinar o que teria acontecido se você tivesse estabelecido um preço diferente para o mesmo tipo de produto. 

Como você acha que líderes de empresas devem abordar a nova geração de pesquisadores de machine learning que você mencionou, que estão chegando ao ambiente de trabalho?

Athey: Os líderes precisam entender quando desenvolver um algoritmo de machine learning vai beneficiá-los e quando é melhor um algoritmo de prateleira. 

Há muitas tarefas em que a segunda estratégia é útil. Em situações onde é muito claro como o algoritmo está se funcionando, ou nas quais há medidas muito precisas, você pode contratar alguém que acabou de sair da escola para executar o algoritmo de prateleira, e isso já irá lhe criar enorme valor.

Em outros casos, mais complicados, a primeira estratégia é melhor. Por exemplo, quando há medidas de longo prazo ou quando há questionamentos acerca de correlação e de causalidade, você precisa pensar no machine learning mais como uma capacidade e não como um sistema. Então, para determinar a solução certa, você vai precisar de pessoas que dominem o assunto de modo geral e no contexto da empresa. Esses funcionários podem ser associados a profissionais de machine learning mais jovens que estarão animados para criar novas soluções de machine learning . CRÉDITO DA FOTO: Shutterstock.

Entrevista com Susan Athey
Susan Athey é professora de economia tecnológica da Stanford Graduate School of Business. Ela foi entrevistada pela jornalista Frieda Klotz para a MIT Sloan Management Review norte-americana.

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