Ao longo dos últimos anos, o varejo implementou diversos modelos de pagamento, mas nenhum se compara com a verdadeira revolução que vem sendo provocada pelo PIX e open banking
“Há quase oito anos, o Arranjo de Pagamentos (Lei 12.865/2013) possibilitou o surgimento de novos modelos de negócios. A regra permitiu aos varejistas a negociação de taxas por intermediação de pagamentos (MDR – merchant discount rate) de cartões de crédito e débito. Até então, as “maquininhas” (pós-pagamento) operavam cada uma para uma bandeira. No entanto, com a “multiadquirência”, o mercado varejista obteve melhores negociações de seus custos com os bancos, donos desses serviços.
O aumento da acessibilidade aos meios de captura de pagamentos permitiu aos trabalhadores autônomos e pequenos empreendedores realizarem vendas por cartões – ainda com taxas exorbitantes, mas decrescentes, devido à alta competitividade.
Outra face dessa competitividade é que os provedores logo perceberam a oportunidade de crescimento das ofertas de produtos e serviços financeiros. Essa conjunção não está relacionada somente aos processos e ferramentas de pagamento, que antes, aliás, eram inacessíveis aos provedores.
Nessa dinâmica, eles conseguiram crescer significativamente seu market share por meio da diversificação de fontes de receitas como uma alternativa necessária para compensar o cenário de quedas bruscas de margens. Vale acrescentar, naquele contexto, que vários participantes perderam, de forma expressiva, a performance dos seus resultados.
Era evidente a necessidade do segmento varejista se posicionar para ter mais competitividade e autonomia no crédito existente em sua rede. Com isso, os modelos de negócio que surgiam eram compostos por grandes parcerias (joint ventures) com grandes instituições financeiras.
No entanto, esse modelo, que passou por um crescimento vertiginoso, popularmente conhecido por “crediário”, obrigou que as carteiras de crédito destinadas aos clientes em varejistas estivessem atreladas às instituições financeiras, antes mesmo da normatização. Entretanto, essa relação não foi sustentável para a maioria, dado que a agenda de prioridades é conflitante entre as duas partes envolvidas: varejistas querem vender seus produtos e os bancos só querem conceder novos créditos desde que não aumentem o risco da carteira.
Alguns modelos diferenciados apareceram, com sucesso em alguns países, baseados em “closed loop”. Basicamente, ofertas de carteiras digitais que atraem usuários de varejistas e que permitem operar apenas dentro da própria rede, a partir de vantagens oferecidas. Fora isso havia o grande desafio de garantir a adoção pelos usuários, principalmente pela necessidade de “cash in”, e até mesmo o desafio de aceitação da carteira digital nos estabelecimentos, já que essas nestes modelos precisam ter credenciamento ponto a ponto.
Logo, modelos que nasceram totalmente fechados, como, por exemplo, o Paypal, Picpay, iti, PagSeguro, entre outros, foram reestruturados para permitir o uso de cartão de crédito como cash in. Contudo, a oportunidade de otimização dos custos aos lojistas ficou bastante limitada porque ainda adquire o custo de habilitar o uso em diferentes canais.
Mais recentemente, em 2016, as carteiras com pagamento por proximidade chegaram no Brasil (Samsung Pay em 2016, Google Pay e Apple Pay em 2018), com uma alta expectativa de disrupção. A experiência é diferenciada, mas não resolve a dor do varejista por causa da margem que ele tem que pagar para os habilitadores (adquirentes, emissores de cartões e bandeiras).
Com o aumento da competitividade dos provedores de capturas de transações, e interesses dos bancos em garantir o fluxo de caixa em suas instituições, surge em meio a tudo isso, muito recentemente uma nova regulamentação: a “quebra do domicílio bancário” das transações de cartões de crédito capturadas. Antes disso, os adquirentes podiam “travar” o recebimento dos varejistas nas contas correntes dos bancos acionistas das mesmas. Esse tema, aliás, só estará totalmente equalizado com a implementação da câmara de recebíveis (Resolução 4734).
A grande porta de possibilidades de trazer o varejista como protagonista dessa história se abre agora com a entrada de pagamentos instantâneos no mercado brasileiro, desde novembro de 2020 com o PIX, e também do open banking em implementação ao longo de 2021. As duas novas regulamentações trazem mais que incentivo para a entrada de novos participantes nas ofertas de pagamentos, recebimentos, crédito, entre outras.
O grande diferencial dessa nova agenda é que há vários modelos de participação possíveis, cada um com uma exigência diferente de regulamentação. Inclusive, alguns modelos não necessitam de ter a autorização para atuar como instituição de pagamentos ou financeira, como é o caso do “participante indireto” no PIX.
Vários modelos de negócios estão surgindo a partir da ideia (do passado) de criar uma carteira digital com complementos de ofertas aos clientes. No entanto, há oferta agora de carteiras digitais baseadas em pagamentos instantâneos, PIX.
Em síntese, é necessário destacar algumas vantagens desse modelo que vem sendo inserido: o uso da conta PIX como habilitador da experiência digital do usuário, bem como para a conversão das vendas de cartões para modelo de transferências bancárias com custo quase zero com modelo de “go to market”. Esse modelo, aliás, foi alavancado justamente pela crescente popularidade do PIX.
Em complemento, o PIX ainda traz facilidade de habilitação e integração do QR code, que é padrão nacional em todos os estabelecimentos comerciais. Trata-se assim de um modelo “open loop” que permite ao usuário do PIX aproveitar os benefícios da carteira digital e usá-la além de “suas próprias fronteiras”.
Além disso, o modelo tem por princípio – e já é considerado um sucesso por todos os grandes varejistas que o adotaram – o conceito do “ganha-ganha-ganha”:
– “ganha” o varejista, por trocar um meio de recebimento que ofende a margem do seu negócio;
– “ganha” o usuário que pode ter vantagens adicionais (cashback, prazo para pagamento, pontos de fidelidade, etc.) que podem ser patrocinadas pelo varejista em troca ao aumento do ganho que este vai ter;
– “ganha” também o parceiro que pode fazer parte desse modelo de negócios através de duas perspectivas: (1) para oferecer mais produtos e serviços que complementem a jornada do usuário; (2) para ajudar a “habilitar” este novo modelo, fazendo parte do “ganha” com a possibilidade de ofertar em condições personalizadas e com maior potencial de conversão das ofertas em comparação com o tradicional “mar aberto”.
Esse modelo veio para ficar, fazer parte dele passar ser uma grande vantagem competitiva e até sobrevivência dos varejistas.
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