Adobe, a gigante do Vale do Silício, se transformou — e expandiu suas fontes de receita e market share — ao abraçar tecnologias que poderiam tê-la deixado de fora do mercado
As forças da revolução digital abalaram empresa após empresa. Indústrias foram transformadas. Tipos de mídia e produtos desapareceram. Infeliz a empresa cujas fortunas estão ligadas exclusivamente ao mundo analógico, seja produzindo filmes, alugando vídeos, vendendo livros no varejo ou vendendo pacotes de software.
Por diversos motivos, seria de se esperar que a Adobe aparecesse no registro de empresas disruptadas pela era digital, e, ainda assim, a desenvolvedora de software de 35 anos perseverou. Na verdade, fez mais do que isso. A Adobe tem se destacado, e fez isso ao reforçar as próprias forças tecnológicas — pense em nuvem, dispositivos móveis, plataformas, IoT — que poderiam muito bem ter sido as precursoras da morte de um produtor cujo legado é um pacote de softwares projetados para desktop.
A Adobe ultrapassou US$ 100 bilhões em capitalização de mercado e se juntou à Fortune 400 pela primeira vez em 2018, ficando em 13º lugar na lista de empresas mais inovadoras da Forbes. O presidente e CEO da Adobe, Shantanu Narayen, acabou numa posição semelhante na lista da Glassdoor como um dos principais CEOs de grandes organizações dos Estados Unidos.
Em conversas por videoconferência e e-mail, o editor-chefe da revista norte-americana MIT Sloan Management Review, Paul Michelman, pediu a Narayen que compartilhasse seus pensamentos sobre nove palavras-chave relacionadas à jornada da Adobe.
Narayen: A missão da Adobe é mudar o mundo por meio de experiências digitais e, nesse contexto, temos duas iniciativas estratégicas: capacitar as pessoas a criar e ajudar as empresas a transformar.
O mundo sem criatividade seria um lugar muito chato. Achamos que todo mundo tem uma história para contar. Nós permitimos que as pessoas contem suas histórias conectando-as com a tecnologia certa no momento certo, com a interface intuitiva certa.
Olhe para uma área como a educação, onde se fala muito sobre a importância das STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). Isso é verdade. Mas gostamos de falar sobre STEAM. Além da ciência, tecnologia, engenharia e matemática, as artes são uma parte importante do que torna não apenas a educação, mas o mundo inteiro um lugar tão especial.
Também acho que você atrai o melhor e retém o melhor quando as pessoas se conectam com a missão e respeitam os valores que você tem como empresa. Nossa missão nos permite atrair e reter uma base de trabalho muito talentosa que olha para o papel da criatividade como possibilitar que as pessoas contem suas histórias com muito orgulho.
Narayen: A cada década, parece haver grandes mudanças tectônicas na tecnologia. As empresas de tecnologia que cresceram, amadureceram e prosperaram reconhecem essas mudanças e descobrem como conduzi-las para qualquer missão que estejam seguindo.
A nuvem e os dispositivos móveis lideraram essa mudança nos últimos anos. Com a nuvem, vimos que poderíamos oferecer duas vantagens cruciais para nossos clientes: independência de localização e colaboração. Coloque-se no lugar de um profissional criativo e considere as ferramentas que ele usa todos os dias para fazer seu trabalho. Por que não deveriam todos os seus ativos — seus arquivos de projeto, fontes, pincéis e predefinições — estarem ao seu alcance o tempo todo? É possível com a nuvem.
O celular também nos levou a perguntar: por que as pessoas precisam estar presas a uma mesa para criar? Na Adobe, começamos imediatamente a explorar maneiras de nossos produtos principais, como Photoshop e Acrobat/PDF, funcionarem melhor em dispositivos móveis. Também apresentamos vários novos aplicativos mobile-first. Acreditamos firmemente que os dispositivos móveis podem ser usados para criação e não apenas para consumo.
Acho que fazemos um bom trabalho observando as mudanças na tecnologia e nos perguntando: “Qual é o poder da Adobe?” Essa é a pergunta que estamos fazendo sobre IA agora. Vemos a IA pelas lentes da comunidade — os milhões de profissionais criativos, desenvolvedores de tecnologia, jovens e empresas com as quais trabalhamos. Se pudéssemos aproveitar o poder da comunidade por meio da IA e devolver esse poder a cada indivíduo, haveria algo profundamente fortalecedor nisso.
Também estamos pensando sobre os domínios dos quais participamos e como a IA pode ajudar nossa tecnologia a ser mais acessível, nos ajudar a fazer as coisas mais rapidamente ou ajudar a automatizar processos ineficientes. Por exemplo, olhamos para imagens e IA e perguntamos: e se pudéssemos automaticamente marcar ou procurar imagens com base em cores ou semelhanças? Ou com documentos digitais, a IA pode ser usada para derivar significado e sentimento de páginas e páginas de material, pode ajudar a identificar semelhanças e diferenças entre documentos. O potencial de como a IA pode melhorar a maneira como trabalhamos e criamos é enorme.
Narayen: Nós pensamos sobre plataformas de várias maneiras. Em primeiro lugar, como estamos investindo em inovação tecnológica profunda que resistirá ao tempo? Queremos resolver problemas difíceis; o investimento em uma plataforma se justifica caso ela permita que você resolva um problema difícil e construa algo que servirá aos clientes por muitos anos.
Em seguida, como estamos aproveitando o poder da comunidade para que os usuários possam estender e personalizar o que criamos? Estamos colhendo a inteligência de uma comunidade inteira? Se você for Adobe, e tiver a plataforma certa, atenderá a todo o fluxo de trabalho de um cliente. O subproduto disso pode ser vê ganhar mais participação no mercado ou ser considerado ainda mais imprescindível. Por exemplo, pensamos em como podemos ser mais essenciais para uma revista — não apenas na criação de conteúdo, mas na entrega desse conteúdo e monetização.
Narayen: Pensar holisticamente sobre toda a experiência do cliente se tornou muito mais importante do que há cinco ou até três anos. As empresas de produtos tradicionais costumavam pensar apenas em termos de funcionalidade e recursos. Agora, você deve considerar tudo no ecossistema. As perguntas que fazemos são parecidas com: como você gerencia o negócio? Como você se renova? Como você fornece treinamento ou acesso a especialistas? Como você consegue feedback? Como você se envolve com a comunidade? Tudo isso serve para melhorar a experiência do cliente ou limitá-la. E as expectativas do cliente mudaram drasticamente.
As organizações tradicionais falam muito sobre o movimento de venda, mas não o suficiente sobre o uso. Construímos um modelo operacional baseado em dados para a nuvem criativa. Ele se concentra em abordar essas questões-chave sobre a experiência do cliente. Acho que o desafio de um negócio baseado em assinatura é reconhecer que a aquisição de clientes é apenas o primeiro degrau. Gerenciar a satisfação do cliente em todo o processo que leva à renovação é muito mais importante. Cada cliente é um proselitista do seu produto ou um detrator, porque não se trata mais apenas daquela compra única, mas sim da jornada e da experiência contínua. Gostamos de dizer, como empresa, que a retenção é o novo crescimento.
Narayen: Nós tínhamos hipóteses centrais que nos levaram à transição de um negócio orientado para o produto para um modelo de assinatura, com o objetivo de oferecer uma experiência melhor a longo prazo. Nossa hipótese afirmava que entender como as pessoas estão usando nossos produtos online nos permitiria adaptar nossas ofertas mais rápido do que os ciclos de desenvolvimento de produtos tradicionais de 12 ou 18 meses.
Sabíamos que inovar em um ritmo mais rápido era necessário para o sucesso de longo prazo. No entanto, tudo o que tínhamos naquele momento era orientado em torno dessas fronteiras artificiais de ciclos de produtos legados. Quando você tem convicções tão fortes sobre como inovar com mais rapidez e atender melhor os clientes, você tem uma base melhor para falar sobre os benefícios para o mercado, tanto em termos de clientes quanto de investidores. Precisávamos ajudar o mercado a entender como era nosso negócio em um modelo de assinatura e fornecer dados que sustentassem nossa hipótese de que as assinaturas proporcionariam um verdadeiro crescimento de unidade sobre as vendas perpétuas.
A segunda coisa que fizemos foi estabelecer metas de três anos. Não era um caso de “Ei, acredite em nós”. Fomos transparentes com os números, tanto de curto quanto de longo prazo. Compartilhamos publicamente os indicadores financeiros e a linha do tempo para a transição do negócio.
Você tem que fazer o plantio de bandeiras e construir estradas. Fincamos a bandeira interna e externamente na empresa, para que nossos funcionários e clientes pudessem ver como funcionaria essa transição. Nossa bandeira era: “Aqui está o que buscamos alcançar com a mudança para assinaturas, e aqui está o motivo pelo qual isso será ótimo para nossos clientes e nossos negócios”. E então mostramos a todos como estávamos construindo a estrada. Essa estrada era nossa linha do tempo do que esperar da jornada: o produto específico, os marcos financeiros e a experiência do cliente. Se fizéssemos apenas um sem o outro, não poderíamos ter o tipo de sucesso que tivemos.
E superamos todas as metas. Em nosso relatório de ganhos mais recente, aproximadamente 90% de nossa receita veio de fontes recorrentes, contra cerca de 5% antes de mudar para um modelo de assinatura.
Narayen: O processo de transformação para o digital e novos modelos de negócios foi certamente desconfortável para nós de algumas maneiras. Quando você está tentando inovar e enfrentar uma grande transição, pode parecer impossível conectar todos os pontos de onde você está até onde deseja ir, e é por isso que você deve reforçar os pontos positivos. Você tem que aprender a se adaptar às coisas que pode não ter entendido direito, tem que criar uma cultura que lhe permita olhar as coisas com transparência, reconhecer as falhas e corrigir o curso.
Nós já havíamos estabelecido uma cultura de experimentação na Austrália, então fizemos muitos experimentos para o novo modelo por lá. Oferecemos produtos semelhantes tanto em um modelo de assinatura quanto em nosso modelo tradicional, e monitoramos a aceitação. Descobrimos que estávamos trazendo muitos novos usuários para o modelo de assinatura, que atendia a uma meta que estabelecemos para o negócio: aumentar nossa base. Além disso, muitos clientes existentes nos disseram que não teriam feito upgrade sem a oferta de assinatura. O teste na Austrália apoiou nossas hipóteses e nos deu ainda mais confiança que o novo modelo seria o movimento certo para o negócio e para os clientes.
Os líderes que prosperaram na transição foram aqueles que se sentiram confortáveis com a ambiguidade e a incerteza. Então, nosso trabalho como gestores é proteger os funcionários de muitos dos efeitos negativos que a incerteza e a ambiguidade podem trazer, além de ajudá-los a entender como podem se adaptar em um ambiente incerto.
Na gestão, você precisa ficar muito mais confortável com o que é desconhecido. Raramente alguém chega a um gestor sênior e diz: “Estamos todos incrivelmente alinhados e é isso que devemos fazer. Você concorda com a gente?” Normalmente surgem quando há incerteza ou quando há opiniões divergentes. Lidar com a incerteza forçou comportamentos diferentes na Adobe, como nos tornarmos mais confortáveis ao arriscar e aceitar pequenas falhas. Isso também promoveu mais comunicação.
A parte divertida das grandes transições, se você cria uma cultura de aprendizagem e as pessoas são intelectualmente curiosas, é que acabam sendo os momentos em que você mais cresce em sua carreira, porque não está apenas guiando uma coisa existente — está criando um caminho.
Narayen: Eu prefiro a palavra investimentos. O risco às vezes sugere um comportamento irresponsável. Estou muito confortável em fazer investimentos. Você tem uma hipótese central. Você tem dados para apoiar essa hipótese e orientar o processo. Alguns desses investimentos são bem-sucedidos e outros não. Isso anda de mãos dadas com a criação de uma cultura que pode celebrar tanto os fracassos quanto os sucessos. Quando você faz isso, as pessoas ficam mais confortáveis tentando novas ideias — mesmo quando algumas dessas ideias não dão certo.
Narayen: É uma loucura para mim que as pessoas pensem que desenhar com o mouse é uma forma intuitiva de interagir com um computador. Vemos a voz como uma interface natural e um grande facilitador para ajudar as pessoas a fazer as coisas. Portanto, estamos procurando maneiras de liberar recursos criativos por meio de novas modalidades: voz, toque, caneta e muito mais. O mouse e o teclado ainda têm seus lugares. Mas a criatividade exige mais flexibilidade.
Narayen: Uma das minhas expressões favoritas é “preservar o status quo não é uma estratégia de negócios”. Isso é algo que uso para enfatizar a necessidade de reinvenção constante.
Acho que todos temos que nos concentrar nos aspectos de narrativa do que estamos tentando realizar e em dar cor ao que queremos fazer. Trabalhei nesse aspecto da minha função, personalizando e criando narrativas com as quais as pessoas podem se envolver.
O que tem sido incrivelmente recompensador e empolgante nessa jornada é o foco na equipe e o reconhecimento de nossas realizações como time. Quando as coisas vão bem, o CEO recebe muito crédito, e quando as coisas vão mal, o CEO recebe muito pouca culpa.
Tive a sorte de ter uma equipe de liderança sênior que permaneceu no cargo por muitos anos e um conselho que entende que ter uma visão de longo prazo é a única maneira de construir empresas sustentáveis e resilientes. As pessoas perguntam muito sobre como tivemos a coragem de fazer uma transição tão grande. Nossa visão compartilhada como uma equipe sobre o que precisávamos realizar e como iríamos fazer era tão poderosa que muitas vezes não parecia que precisávamos de tanta coragem.”