Esse fenômeno das organizações é uma tendência reconhecida internacionalmente e no Brasil. E tem crescido cada vez mais
Em 2015, Satya Nadella, CEO da Microsoft, disse num evento em São Paulo, que, no futuro, “toda empresa seria uma empresa de tecnologia”. Cinco anos depois, Steve Brown publicou o livro The Innovation Ultimatum, afirmando que seis tecnologias estratégicas vão remodelar todos os negócios nesta década de 2020 – e que aqueles que não as adotarem terão dificuldades para se manter competitivos. Então, veio a pandemia, que agilizou a digitalização de todas as empresas, as quais, forçosamente ou não, precisaram abraçar diversas tecnologias para não sucumbir.
Mesmo que não tenham ouvido Nadella ou lido Brown, as empresas ouviram os consumidores durante a crise do coronavírus e, bem ou mal, conseguiram avançar em tecnologia. No entanto, muito antes dessa máxima, outra já vinha se construindo, pelo menos desde o início de 2005: a de que toda empresa é uma empresa de mídia.Em 2005, o então repórter do Financial Times e hoje empreendedor do setor, Tom Forenski, visitou a Cisco Systems, especificamente para entrevistar Dan Scheiman, diretor de M&A da empresa (que estava fazendo um grande volume de fusões e aquisições) e descobrir que ele também era um diretor de comunicação corporativa. Era um dos cargos mais poderosos do Vale do Silício, pois o volume de fusões e aquisições da empresa era gigantesco.
Olhando para a Cisco e para outra gigante de tecnologia, a IBM, Forenski teve um insight: as empresas usavam uma poderosa máquina de comunicação para garantir que os empreendedores trabalhassem em aplicativos que dessem suporte ao seu crescimento. Tanto Dan Scheiman fazia isso na Cisco, como Drew Clark na IBM. O grupo de venture capital então liderado por Drew Clark levava aos empreendedores, por meio da comunicação, a informação sobre os tipos de tecnologias desejáveis para a IBM crescer mais e mais.
O insight de Forenski foi, na verdade, sobre a nova natureza da mídia e o papel das empresas nela. Muito antes de Nadella, Forenski decretou: “daqui para a frente, toda empresa passará a ser uma empresa de mídia”.
Essa percepção vinha levando as companhias a buscar três caminhos como mídias:• Fazer parcerias de conteúdo com empresas de mídia.• Comprar empresas de conteúdo.• Ter fornecedores de conteúdo de maneira corrente, especializados em inbound marketing.• Criar unidades internas de conteúdo do zero (porém isso é bem mais raro).
As grandes companhias estão entendendo que, aos poucos, têm de se posicionar como empresa de mídia, acredita Gabrielle Teco, CEO da Qura Editora, responsável pela publicação das revistas MIT Sloan Management Review Brasil e HSM Management. “E, cada vez mais, encaram isso com um olhar omnichannel, o que significa comunicar-se não apenas pelo site da empresa e nem somente por texto ou imagem; elas constroem e distribuem educativo de todas as maneiras, de áudios (podcasts) e vídeos a textos de blog e newsletters.”
Vitor Peçanha, cofundador da empresa de marketing de conteúdo Rock Content, adiciona que o marketing de conteúdo está sendo menos marketing e mais conteúdo. “Em vez de as empresas pensarem apenas em quem me visita, quantos leads são gerados e quantos são convertidos em clientes, elas também querem educar e entreter para fazer com que as pessoas queiram de fato consumir os conteúdos.” E isso vale para modelos de negócio B2B e B2C.
Além da pandemia, há outra explicação para a maior valorização do conteúdo, como lembram os líderes da Qura Editora e da Rock Content. “Com as limitações da Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, o conteúdo precisa ser desejado e ativamente procurado pelo cliente, e isso só acontece quando o conteúdo é útil e tem total credibilidade”, afirma a CEO da Qura. “O consumidor é que deve acessar o conteúdo, ir atrás, ser entretido por ele”, confirma Peçanha.
E o exemplo de conteúdo in-house? Um bom estudo de caso vem da pioneira Red Bull, que montou a Red Bull Media House para produzir um conteúdo ligado a esportes radicais. Essa media house produz, entre outros, os conteúdos da Red Bull TV e a revista digital The Red Bulletin. Mas seria possível apresentar a fábrica de conteúdos da empresa de energéticos também como um modelo híbrido, porque também se vale de parcerias de longo prazo. Por exemplo, no futebol do Brasil, associou-se ao time de futebol Red Bull Bragantino. Na Fórmula 1, sua escuderia, a Red Bull Racing, é fruto de uma parceria com a Jaguar Racing.
O fenômeno “toda empresa é uma empresa de mídia” pode ser reconhecido tanto internacionalmente como no Brasil.
Exemplo de parcerias com empresas de mídia são as estabelecidas entre a MIT Sloan Management Review americana e empresas como Deloitte, BCG, IBM, AWS, entre outras, com a proposta de oferecer, a gestores seniores, um conteúdo de apoio a decisões e à transição para a nova economia.
A edição brasileira da MIT Sloan Management Review , à qual este blog é ligado, segue o mesmo caminho, tendo parcerias duradouras com organizações como Pinheiro Neto Advogados, Capgemini, Accenture e Zendesk, entre outras. “Há cada vez mais demanda para essas parcerias. A nosso ver, isso acontece porque o público gosta muito do conteúdo resultante dessas parcerias: estamos lidando com empresas especialistas em seu produto e em seu mercado, o que nos permite aprofundamento dos conteúdos e nós entramos com a abrangência desses conteúdos e a melhor experiência de comunicação, que a gente brinca de chamar de ‘ComX’”, diz Gabrielle Teco. Segundo Teco, “são marcas fortes oferecendo, juntas, uma credibilidade de conteúdo que as distancia da visão de propaganda ainda associada ao conteúdo de marca”.
As aquisições também são uma estratégia bastante acionada. A HubSpot, plataforma SaaS de CRM, é uma das empresas que faz isso muito bem nos Estados Unidos: adquiriu a newsletter The Hustle e lançou a HubSpot Creators, que investe e apoia criadores de conteúdo como parcerias. No Brasil, temos visto movimentos crescentes nessa direção. Em termos de aquisições, a XP Investimentos comprou o portal InfoMoney, Magazine Luiza adquiriu o Jovem Nerd (plataforma multimídia), assim como fez a Centauro com a NWB (dona de canais digitais, entre eles Desimpedidos e Acelerados).
Os fornecedores de conteúdo, que atuam no âmbito do inbound marketing, são a estratégia mais consolidada, provavelmente, com especial ênfase em conteúdo para blogs corporativos. Nos Estados Unidos, todo ano é divulgado um ranking das melhores agências desse segmento; o de 2022 foi liderado por SmartBug Media, KlientBoost e SmartSites, por exemplo.
É uma modalidade tão consolidada, e popularizada, que algumas empresas começavam a ver um certo cansaço nesse modelo. Mas o inbound marketing teve grande impulso com a covid-19. “A pandemia e o fato de ter de comprar online trouxe insegurança”, afirma Peçanha, da Rock Content, uma das empresas de marketing de conteúdo líderes no Brasil. Antes de comprar algo, o consumidor passou a ir atrás de informações. “As campanhas publicitárias pagas perderam eficiência, diante do menor interesse de compra”, analisa ele. As empresas, de modo geral, reduziram investimentos em marketing.
Para ele, a busca dos consumidores por informações fez com que as grandes organizações percebessem que não estavam dando a atenção devida a isso, passando a investir em conteúdo informativo e em novos canais, o que foi positivo para a empresa e para os clientes. “O marketing de conteúdo tem de gerar valor para sua audiência, para que se sinta atraída pelo que a marca tem a dizer e que entenda o seu produto, tornando-se cliente”, explica o cofundador da Rock Content. As pessoas veem mais valor no que é compartilhado, e “não quando são bombardeadas por propaganda”. Segundo Peçanha, até pequenas e médias empresas têm surfado no marketing de conteúdo. Elas têm tido bons resultados quando geram conteúdo desde que saibam escolher bem a audiência.
“Não há uma única regra quanto a formato ou canal”, afirma ele, mas o blog, enquanto canal, tem atraído mais empresas. Entretanto há cases de sucesso em todas as frentes. Para Peçanha, uma coisa é certa: “Se uma empresa não estiver presente educando, os clientes não vão se lembrar da marca na decisão de compra. O conteúdo, quando é bom, dá visibilidade.”
A edição 2020 da Maratona Behind the Code, da IBM, poderia ser uma hackaton como outra qualquer, talvez diferenciada apenas pela duração (42 dias) e extensão (a região da América Latina). Mas a IBM aproveitou para transformá-la na minissérie C0d3rs Championship, em oito episódios em formato de reality show, e disponiblizá-la em um popular serviço de streaming – o Prime Video –, numa parceria com a agência Ogilvy Argentina. (Veja o trailer aqui.)
A ideia surgiu enquanto a IBM definia uma estratégia de marketing com a Ogilvy Argentina, quando todas as indústrias carecem de talentos na área de tecnologia e inovação. Graciela Di Rado, CMO da IBM Latin America, conta que o projeto contou com a instalação de equipes e equipamentos nas casas de 20 participantes (metade deles do Brasil e os demais em outros seis países latino-americanos) da maratona, que acompanharam os desenvolvedores resolvendo os desafios que eram propostos na competição.
O formato de reality show foi o escolhido para gerar atratividade e entreter o telespectador. O conteúdo audiovisual se propôs, pela ótica dos coders, a “contar sobre a tecnologia, como se usa e para que serve a inteligência artificial, por exemplo, inclusive para atrair pessoas para a indústria”, relembra Di Rado.
O projeto envolveu mais parcerias: a Story Lab, na produção, e a EOM, na distribuição. Di Rado conta que o maior desafio foi a logística e a operação para instalar e captar as imagens dos coders em diferentes países, que inclusive assinaram termo de consentimento para isso.
Além disso, havia a grande expectativa de que o campeão da Maratona Behind the Code estivesse entre os 20 escolhidos entre os classificados em top 100 da competição, que teve ao todo 70 mil inscritos de diferentes etnias, idades, gêneros e até de conhecimento em tecnologia. E foi certeiro: não só o primeiro como também quem ficou em segundo lugar estavam entre eles.
C0d3rs Championship tem um enredo. Mostra como os desenvolvedores trabalham sob pressão numa competição para entregar soluções inovadoras a problemas reais que a IBM apresenta, como por exemplo uma que deveria, num modelo de conhecimento visual, identificar pragas na agricultura. O desafio final dos coders foi como identificar exoplanetas usando a inteligência artificial.
A minissérie também tem cenas com desafios pessoais, como um participante que teve pane no seu computador pouco antes de finalizar um desafio – e como ele vibrou quando uma amiga lhe levou um computador para que terminasse a tarefa em tempo. Tem até decisões difíceis, como a de outro jovem brasileiro que optou por abandonar a competição porque seu projeto, com viés social, ligado ao sistema de ensino precisava de sua total dedicação para “socorrer” uma escola que precisava ter aulas online no início da pandemia de covid-19.
A IBM está experimentando vários tipos de conteúdo em parceria. Outro exemplo é sua parceria com o Museu Catavento, de São Paulo, resultando na exposição “Ensinando Robôs”. A mostra, de longa duração, tem o propósito de introduzir conceitos de inteligência artificial de forma interativa e lúdica, explicando como funciona o machine learning e a importância do ser humano nesse processo.
CONTEÚDO DE MARCA NÃO É ALGO NOVO. Mas essa visão estratégica de que toda empresa é uma empresa de mídia é, assim como, a ideia de toda empresa é uma empresa de tecnologia. A relação de desafios que as empresas têm de enfrentar sem dúvida está aumentando – fala-se em toda empresa ser uma fintech também. Mas essa complexidade não deveria surpreender: é resultado das demandas de agilidade da nova economia, sendo que a principal delas é que toda empresa derruba fronteiras e passa a se ver como um ecossistema de negócios. Talvez isso esteja acontecendo, inclusive, para dar alguma estabilidade em meio às incertezas. Ao menos, essa é a opinião de alguns analistas. “