LIDERANÇA 9 min de leitura

As equipes flexíveis precisam ainda mais de líderes

Quando as pessoas trabalham de maneira remota, costumam seguir na mesma direção só por causa da hierarquia. Mas essa hierarquia não precisa (nem deve) significar menos autonomia

Lindred Greer
29 de julho de 2024
As equipes flexíveis precisam ainda mais de líderes
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Nos últimos anos, estruturas de trabalho ágeis e horizontais têm ganhado espaço em muitas empresas e encontrado um coro de funcionários desanimados diante de hierarquias sufocantes. No entanto, o fim da hierarquia pode causar confusão, disparar queixas de colaboradores e até acelerar pedidos de demissão, como diz Lindred (Lindy) Greer, professora associada de administração de empresas da Ross School of Business e diretora do Sanger Leadership Center, ambos da University of Michigan. Na entrevista abaixo, Frieda Klotz, colaboradora da MIT Sloan Management Review (SMR), conversou com Greer quando ela estava prestes a participar de um curso sobre desenvolvimento de lideranças em uma incubadora de empresas, ao lado de um regente de orquestra: 

MIT SMR: Alguns anos atrás, muitos executivos e especialistas em administração diziam que a hierarquia estava com seus dias contados e que o futuro pertencia a empresas horizontais. O que está acontecendo? O pêndulo vem voltando?

GREER: A hierarquia é talvez a forma mais comum de organização do ambiente de trabalho. Não há muitos substitutos bons para a hierarquia, e as empresas precisam ter voz ao gerenciar a mão de obra, principalmente quando esta cresce. Entretanto, a hierarquia também tem muitas desvantagens, e, na última década, eu e meus colegas documentamos as várias maneiras de ela dar errado. Integrantes da equipe brigam por recursos, envolvem-se em lutas pelo poder e batalham por posições. Tudo isso prejudica o desempenho. Uma das questões mais importantes das atuais pesquisas de gestão é justamente: “Quais são as melhores alternativas para a hierarquia?”. 

O fato é que a hierarquia nem sempre é ruim ou prejudicial, e sua eficácia pode depender de onde e como é implementada, e ainda de como a pessoa no topo lida com ela. Há um interesse crescente em trabalho remoto e equipes virtuais, não é? Nesse contexto, a hierarquia funciona muito bem. 

Por que a hierarquia é uma boa maneira de estruturar equipes virtuais?

GREER: Ela facilita a coordenação do trabalho em conjunto. Assim, para as equipes que mais dependem de estrutura – aquelas que operam sob condições incertas ou com tarefas não muito claras, como costuma acontecer com equipes virtuais ou remotas –, a hierarquia é altamente eficaz. Ainda tem inconvenientes, é claro, mas a necessidade é tão grande que supera qualquer política interna ou burocracia. Você simplesmente precisa de estrutura para manter as pessoas seguindo juntas. 

Há uma suposição de que o trabalho remoto dá mais autonomia e liberdade que o feito no escritório. Isso é errado?

GREER: Hierarquia não precisa significar menos autonomia. Por exemplo, quando falo com os líderes de empresas que realmente se dão bem com um modelo de trabalho remoto, eles enfatizam a necessidade de estrutura. Na prática, significa que se esforçam muito mais para coordenar o modo de as pessoas trabalharem juntas do que em outras companhias. Formalizam melhor as descrições das funções e são mais objetivos e específicos no processo de recrutamento e contratação. Por exemplo, eles fazem entrevistas pelo Slack (ferramenta de colaboração para trabalho em equipe) para testar virtualmente a independência e a comunicação dos candidatos. Dizem que isso os torna melhores em explorar o lado pessoal dos negócios, sobretudo porque a mão de obra remota é bastante consciente da maneira como as interações são estruturadas. 

Porém, embora os colaboradores prestem contas a alguém, eles ainda podem manter o controle de decisão em suas áreas de especialização, porque a empresa tem valores claros que orientam as tomadas de decisão. É isso: a hierarquia pode caminhar de mãos dadas com a autonomia. Não precisa ser um modelo ou o outro.

O que sua pesquisa concluiu sobre o funcionamento da hierarquia em ambiente de escritório convencional?

GREER: Historicamente, o foco tem sido os benefícios do modelo hierárquico. A principal suposição, extraída do comportamento animal, era a de uma maneira natural de organização – se uma pessoa fosse dominante, as outras seriam mais submissas. A pesquisa clássica pressupõe que as pessoas consideram a hierarquia confortável e a utilizam em tempos de crise. 

Meu estudo, por outro lado, desafia a visão de que a hierarquia é sempre boa, ao mostrar que pode levar a desigualdades e conflitos dentro das equipes. Um dos problemas é que a estrutura fornecida nem sempre é a correta, seja na forma ou no contexto em que é aplicada. As pessoas nem sempre estão felizes com o modo como são classificadas, por exemplo, e podem ocorrer disputas pelo poder e turbulências em torno de cargos. Em alguns casos, como o dos brainstormings criativos, a hierarquia é uma pedra no caminho e estimula a competição em vez da colaboração.

Como esse tipo de conflito afeta o desempenho da equipe?

GREER: No artigo que publicamos no Journal of Applied Psychology, “Why and when hierarchy impacts team effectiveness”, mostramos que em geral a hierarquia provoca disputas de poder e conflitos pessoais, e pode prejudicar o desempenho da equipe. Um estudo mostra que, em 70% das vezes, as disputas entre colegas se transformam em conflitos pessoais e por poder. Isso é muito ruim, seja para a produtividade dos grupos ou para a felicidade dos funcionários. 

Diante desses potenciais problemas, o que as empresas podem fazer?

GREER: Os gestores precisam ser mais inteligentes quanto ao uso da hierarquia. Bons líderes sabem como flexibilizá-la – usando o modelo para conseguir que as coisas sejam feitas e horizontalizando a estrutura quando necessitam que os funcionários sejam criativos. Os Seals (grupos de elite da Marinha norte-americana) têm uma excelente abordagem: durante uma ação, há uma cadeia clara de comando. Se o comandante disser “Saiam agora”, ninguém discute a ordem. Você obedece e segue a hierarquia. Mas, quando todos retornam à base e se sentam para avaliar a ação, literalmente deixam suas insígnias na porta. Todos são iguais e têm voz. Isso é importante porque um membro da equipe pode ter notado algo realmente crucial, que ninguém mais viu e que poderia impactar os planos para a próxima missão. Nesse momento, eles horizontalizam; compartilham ideias entre pares. Quando saem de novo, reassumem suas patentes.

Eu passei o último semestre estudando startups para saber se tinham maneiras eficazes de flexibilizar sua estrutura. Eram empresas de tecnologia em estágio inicial, representantes dos modelos de negócio B2B e B2C. Muitas simplesmente aceitaram a hierarquia; outras se resignaram a permanecer horizontalizadas e caóticas. Algumas, mais bem geridas, conseguiram flexibilizar a hierarquia com fluidez, de modo a horizontalizar o modelo sempre que necessário. Acho que compreender como administrar essa dualidade – e permitir a autonomia – é crucial. No fim do dia, é preciso haver um líder, mas isso não significa que toda interação seja hierarquizada. 

Existem habilidades especiais que os gestores devem aprender?

GREER: As empresas estão percebendo que realmente precisam investir no desenvolvimento da liderança. Até as startups percebem que a liderança é um conjunto de ferramentas comportamentais que podem ser dominadas. Muitas companhias também experimentam diferentes tipos de estruturas, nas quais as equipes de projeto são horizontalizadas, mas se reportam regularmente a consultores internos. O problema é que muitas dessas iniciativas não são orientadas por coletas de dados, o que não contribui para a análise dos resultados.

Um experimento que tem recebido bastante atenção é conhecido como holacracia. Foi introduzido em 2013 na varejista de calçados online Zappos, para reduzir a hierarquia em favor de grupos multifuncionais. No decorrer da implantação, a empresa descobriu que precisava de um guia de regras para orientar as pessoas a adotar o método holacrático. Isso acabou se revelando muito mais complicado do que o modelo organizacional anterior. Quando o CEO Tony Hsieh deu aos funcionários a opção de aceitar o novo sistema ou deixar a empresa, um terço deles saiu. Desde então, foram feitas várias alterações, mas alguns aspectos do sistema permaneceram. Embora eu reconheça o valor de ideias como a holacracia, sou da opinião de que impor esquemas rígidos é um caminho errado a seguir. 

Quanto a outras abordagens, há aspectos do método ágil que se mostraram promissores. Mas as empresas ainda têm de descobrir como e quando permitir situações de hierarquia. As equipes ágeis precisam se coordenar e encontrar maneiras de resolver conflitos. Mesmo que não haja hierarquia, sempre haverá necessidade da função de tomada de decisão. A questão é: como conciliar trabalho em conjunto e coordenação de um jeito simples e elegante?

Então, o que resta a fazer aos gestores? Continuar procurando substitutos para a hierarquia ou se concentrar na horizontalização flexível que você descreveu?

GREER: Até que haja um modelo alternativo bem-sucedido, a abordagem mais simples e segura para a empresa é manter a hierarquia e treinar líderes para empregá-la bem: com capacidade de flexibilizar e ajustar o modo como a usam. Significa selecionar chefes com habilidades para empoderar equipes horizontalizadas, treinando-os para lidar com as demandas no modelo hierárquico.

Lindred Greer
Frieda Klotz é jornalista e colabora com a MIT Sloan Management Review.

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