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Tecnologia e inovação

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Customização em massa vira a chave para a indústria

Sua empresa também pode aproveitar essa tendência para promover a fidelização do cliente; o diretor de desenvolvimento de negócios Pollux, Ricardo Gonçalves, dá as principais diretrizes em entrevista exclusiva

Rodrigo Oliveira

26 de Abril

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Artigo Customização em massa vira a chave para a indústria

Em 2019, a Nestlé Brasil fez uma revisão geral de processos e maquinários para sua marca de cápsulas de café Nescafé Dolce Gusto para automatização, que incluiu uma linha de montagem turnkey (virada de chave, em inglês) com software para sequenciamento da produção, linhas, robôs, sistemas de visão e inspeção, além de sistema de monitoramento remoto, cibersegurança, gestão de big data (de suprimentos e outros dados da linha) e armazenamento das informações em nuvem.

O objetivo? Viabilizar uma produção customizada para entregar uma melhor experiência ao cliente. Cada cliente poderia receber a sua caixa com a sua combinação preferida de blends de café. Para isso, contratou a Pollux, empresa brasileira especializada em automação industrial adquirida em 2021 pela Accenture. Porém, mais do que eficiência, o que a automatização viabilizou foi o redesenho do contato com o consumidor. A proposta de valor é que, agora, quem compra Dolce Gusto tenha uma experiência mais fluida e com maior poder de escolha. E a companhia não perde eficiência ou rentabilidade. O caso ficou conhecido por seu pioneirismo e foi premiado pela Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII), como o melhor case de indústria 4.0 do Brasil. Trata-se de um processo de customização em massa, já que a linha tem capacidade para o fluxo de 18 mil cápsulas por hora.

Será que toda planta industrial deve pensar em criar uma linha automatizada desse tipo, que monta as caixas de acordo com os pedidos realizados no e-commerce? Ao menos, a tendência é essa. O que se exige para tanto é a digitalização completa do chão de fábrica e sua integração com as áreas de marketing, produto, TI, logística e e-commerce, a fim de escalar a capacidade de individualização. Essa é a bandeira do executivo Ricardo Gonçalves, diretor de desenvolvimento de negócios da Pollux, Part of Accenture, como a empresa é chamada. Ciente de que o mindset de customização é uma das tendências mais fortes da era digital, este Fórum: Pensamento Digital entrevistou Gonçalves para entender oportunidades e desafios desse uso da indústria 4.0.

MIT SMR Brasil: Na década de 1990, especialistas em experiência do cliente já falavam sobre customização em massa. A promessa está se concretizando globalmente? Ricardo Gonçalves: A customização em massa é uma resposta à evolução do comportamento de consumo. O consumidor de hoje em dia é bem informado, impaciente, infiel e individualista. Não raras vezes, o cliente tem mais conhecimento do que o próprio vendedor sobre determinado produto. Ele também faz questão de receber o pedido o mais rápido possível, troca de marca ao sentir vontade de experimentar algo novo e quer se destacar no meio da multidão. Então, a customização em massa representa uma estratégia cada vez mais importante para atender às necessidades individuais do cliente de hoje.

E é uma estratégia que está amadurecendo em termos da relação custo-benefício? Eu diria que sim. Porque o desafio é o mesmo que havia nos anos 1990 – sintonizar o oferecimento de bens e serviços customizados com a necessidade de produção em escala industrial –, mas agora temos muito mais tecnologias e dados para fazer isso.

A empresa pode combinar equipamentos computadorizados e procedimentos flexíveis de montagem e fabricação com informações. Dessa forma, consegue fabricar unidades de produtos específicos a um custo relativamente competitivo. É um bom negócio para a maioria dos setores de atividade. Vai ser cada vez mais.

A linha turnkey vem pronta para funcionar. Mas há mudanças que a empresa precisa fazer para lidar com essa automação que customiza? O primeiro ponto é que tecnologias precisam operar sempre em função da estratégia de uma empresa. Inteligência artificial, robótica, internet das coisas ou computação em nuvem, não importa o que se use, têm de estar de acordo com a estratégia.

Em segundo lugar, não adianta construir uma indústria flexível e conectada sem mexer no design organizacional. Isso porque existe um abismo operacional entre atender um pequeno número de itens e com poucas variações deles e possibilitar um número quase infinito de combinações. O tipo de maquinário e tecnologia é diferente. Muda o tipo de gestão, mudam os indicadores, mudam os treinamentos e as habilidades das pessoas. Para atender à individualização, é preciso transformar estratégia, cultura, processos e pessoas. Tudo isso vem na frente da tecnologia.

Então, há um terceiro ponto: a capacidade organizacional de gerenciar mudanças aumenta bastante a probabilidade de sucesso, porque mudança quase nunca é algo confortável, não é?

Na MIT SMR temos falado muito, e apresentado muitas pesquisas, sobre o gap de letramento digital dos gestores e a necessidade de eles investirem em inteligência digital para se familiarizar rápido com as novidades e conseguir decidir sobre elas. Me parece que isso também ajuda na customização em massa, não? Certamente.

Apesar desse caso na subsidiária brasileira da Nestlé, e de a Pollux ter nascido no Brasil, em Joinville (SC), é correto dizer que a customização em massa ainda engatinha no nosso País? Sim, embora seja um conceito relativamente antigo, a customização em massa permanece em estágio inicial no Brasil. O modelo padronizado de distribuição de bens e serviços, possibilitado pelas linhas de fabricação e montagem tradicionais, ainda dita o que acontece no nosso chão de fábrica.

Como isso avança em outros países, será uma desvantagem competitiva? Possivelmente.

As empresas no Brasil dificilmente investem em um processo novo como o da customização em massa se os ganhos não forem significativos e visíveis. Há ganhos assim à vista? Bem, é bastante sabido que a digitalização da indústria facilita a produção, flexibiliza os processos, reduz os custos e aumenta a agilidade. Mas estamos lidando com algo de que ainda se fala pouco: a capacidade de atender aos anseios específicos de cada cliente individualmente, que é viabilizada pela automatização da produção, o que permite e expande a coleta de dados de rotina. Essa capacidade aproxima a indústria do consumidor final.

Historicamente, entre a indústria e o consumidor, existe a rede de varejo. E, por natureza, o distribuidor sempre centralizou a interação. Com a customização em massa, a indústria também passa a interagir, o que no mínimo lhe dá maior assertividade no desenvolvimento de produtos, retornando em satisfação para o cliente no momento presente e garantindo um portfólio mais elástico e preciso no futuro.

Estamos falando em gestão ambidestra? Também. Mas estamos falando principalmente de resultados: as empresas aumentam o faturamento, assim como a margem de preço do produto. E, com essa lógica, as indústrias de commodities podem até mudar, transformando até mesmo uma commodity em mercadoria exclusiva. Os ganhos que justificam os investimentos são palpáveis.

A customização em massa tem um impacto ESG? Pode ser negativo, no sentido de aumento de consumo, ou é positivo? Eu vejo um impacto ESG positivo. Ficou mais fácil simular os produtos por meio de sistemas ciberfísicos e digital twins, o que ajuda o consumidor a tomar a melhor decisão, aprimora a qualidade da própria indústria e reduz desperdícios.

De um lado, a indústria, por exemplo, demandará menos recursos e insumos para a sua produção, reduzindo o desperdício e, consequentemente, o impacto sobre o meio ambiente. Por outro lado, com processos mais econômicos e sustentáveis, o consumidor receberá produtos de qualidade mais elevada a custos reduzidos.

Outra consequência é o impacto na fidelização. Com clientes mais fiéis, as coisas ficam menos descartáveis. Você pode até trocar de produto quando há uma infinidade de similares. Mas é bem mais difícil abrir mão de uma marca que entrega algo que é a sua cara. Esse é o diferencial competitivo. Vemos isso já acontecendo nos setores têxtil, automotivo e alimentício.

Tocando no assunto da inteligência digital, e lhe pergunto: o que as lideranças podem fazer para acelerar o processo de mudança em busca da personalização em escala? A possibilidade de customização em massa deve ser parte da agenda estratégica. Esse é o primeiro ponto. A alocação de recursos deve ser uma outra prioridade. Também é necessário escolher os parceiros certos para dar suporte à transição. Poucas empresas estão realmente preparadas; elas vão precisar de ajuda. Não dá para ignorar a necessidade de transformação de processos. É necessário adaptar o perfil dos profissionais de modo que a tecnologia sirva ao negócio. O executivo americano Jack Welch, considerado o maior CEO do século 20, tem uma ótima frase: 'Quando o ritmo de mudança dentro da empresa for ultrapassado pelo ritmo da mudança fora dela, o fim está próximo'.

Essa frase de Jack Welch pode ser aterrorizante para alguns gestores. Qual é o ritmo de mudança do lado de fora?

Eu diria que pensar em implementar a customização em massa no fim da década (de 2020), não é um bom caminho. A velocidade do lado de fora, ou seja, ditada pelo mercado de consumo, está particularmente alta. Não importa qual é a relevância da sua empresa no momento. Ela precisa acompanhar o ritmo da mudança lá fora.

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Autoria

Rodrigo Oliveira

É colaborador de MIT Sloan Review Brasil.

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