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Os desafios para melhorar as credenciais ambientais do Brasil até 2030

País avança na descarbonização da economia, mas desmatamento fora de controle é risco ao cumprimento das metas

Paulo César Teixeira

28 de Novembro

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Artigo Os desafios para melhorar as credenciais ambientais do Brasil até 2030

A preocupação ambiental está em pauta no setor corporativo. É o que mostra a pesquisa Liderança climática aos 45 do 2º tempo, feita pelo Pacto Global das Nações Unidas e pela Accenture, com 1.230 CEOs de 113 países. De acordo com o levantamento, oito em cada dez (81%) líderes entrevistados afirmam desenvolver algum produto ou serviço sustentável e 49% têm iniciativas com outros players para reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE).

Para os especialistas, a tendência é reflexo da influência dos stakeholders, que pressionam as empresas para mapear riscos e aproveitar oportunidades na transição para a economia de baixo carbono.

Um dos nós a ser desatado nessa jornada se refere às emissões indiretas provenientes da energia adquirida pelas companhias para fins de consumo interno, como eletricidade, vapor e refrigeração. “Neste sentido, parece evidente que, quando as empresas migram para o mercado livre de energia e optam por consumir fontes renováveis, conseguem praticamente zerar as emissões”, afirma Mariana Fieri, gerente de sustentabilidade e carbono da 2W Energia.

Segundo a executiva, as grandes organizações têm uma cultura de descarbonização mais avançada, uma vez que desenvolvem a agenda de combate às mudanças climáticas há mais tempo, ao passo que boa parte das pequenas e médias ainda não sabe como agir. “À medida que as companhias passarem a cobrar um posicionamento de seus fornecedores, teremos um efeito cascata, que – alinhado à fiscalização do poder público – poderá gerar uma cultura mais favorável à economia de baixo carbono”, assinala Fieri.

Setor estratégico

Na área de energia, a luta contra o aquecimento global está ligada aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU). O sétimo deles trata de energia limpa e acessível, e prega a necessidade de garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e renovável para todos. Não por acaso, o setor foi apontado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) como estratégico para a descarbonização da economia.

Se tomarmos a matriz energética do Brasil como um todo, a oferta de energia renovável estimada para 2022 é de 48,4%, com perspectiva de crescimento de 2,8% ao ano ao longo da década, com destaque para energia eólica, solar e biodiesel. No caso da matriz elétrica, o país está em fase adiantada para cumprir a meta de atendimento universal – 99,8% da população já têm acesso à eletricidade e as fontes de energia renováveis são responsáveis por mais de 84% dessa oferta, com predomínio de reservatórios hidrelétricos.

“A nossa matriz elétrica está entre as duas ou três melhores do mundo em termos de energia limpa e renovável”, diz Eduardo Azevedo, ex-secretário nacional de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME).

O problema é que, frequentemente, crises hídricas obrigam o sistema a complementar a oferta com energia térmica, que é cara e poluente. “Com o modelo atual, não tem jeito – no momento crítico, é preciso recorrer às usinas termelétricas para operar de modo eficiente”, anota Azevedo, que também é colunista da MIT Sloan Management Review Brasil.

O quadro deve melhorar a partir do primeiro semestre de 2023, quando o governo realizará os primeiros leilões para contratar soluções de armazenamento de energia com baterias. Com isso, projetos de energia solar e eólica – intermitentes por natureza, já que dependem de radiação solar e intensidade de ventos – ganharão ainda mais fôlego (hoje, já representam 16% da matriz elétrica).

Pré-sal caipira

Outra frente de atuação é a tentativa de neutralizar as emissões do metano, gás 80 vezes mais potente na elevação da temperatura do planeta em comparação ao dióxido de carbono. O Brasil é o quinto maior emissor de metano em escala global. O que não surpreende. Afinal, é um dos maiores exportadores de carne bovina do mundo. Boa parte do gás jogado na atmosfera é produzida no aparelho digestivo do gado. Outra parcela é oriunda da agricultura e de resíduos em aterros.

A saída é transformar o gás poluidor em biometano, insumo usado como combustível em ônibus e caminhões, o que pode diminuir em 70% o consumo de óleo diesel no país, segundo o presidente da Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás), Alessandro Gardemann. De modo geral, a participação de biogás (que Gardemann chama de “pré-sal caipira”) na oferta de energia no Brasil hoje é de apenas 0,09%, mas há espaço para crescer de modo significativo.

“Temos uma grande quantidade de resíduos da agropecuária e agroindústria desperdiçados, que poderiam ser usados em biorreatores. É uma energia que oferece sustentabilidade e estabilidade, já que tem condições de ser gerada o ano inteiro, e ainda pode oferecer emprego para populações com menos oportunidades de renda”, comenta Azevedo.

Biomas em risco

Em termos mundiais, o consumo de energia é a maior fonte das emissões (mais de 70%) de GEE. Mas, no Brasil, essa posição cabe às alterações no uso da terra e ao desmatamento (44%), à frente de agropecuária (28%) e energia (19%). O restante se deve a processos industriais e resíduos.

Tanto é verdade que, em 2020, enquanto as emissões globais diminuíram 7% (em relação a 2019) por conta dos efeitos da pandemia (paralisações de voos, serviços, indústrias etc.), aqui elas aumentaram 9,5% por causa da derrubada das florestas. Naquele ano, as emissões brasileiras alcançaram 2,16 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO2e), o maior patamar desde 2006.

De fato, a taxa de desmatamento da Amazônia subiu 73% de 2019 a 2020, ano em que atingiu 10,8 mil km², conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). E pior, a área desmatada, de 904 km² só em outubro, é 3% maior que a do mesmo mês de 2021, antigo recorde para o mês, segundo dados do sistema de vigilância por satélite Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), também do Inpe.

Em relação a outros biomas, o cenário não é menos desolador. A destruição do Cerrado está em ritmo ascendente, alcançando 7,9 mil km² em 2020 e 8,5 mil km² em 2021. Na Mata Atlântica, as áreas desmatadas cresceram 90% entre 2017 e 2018 e mais 66% de 2019 a 2020. No caso do Pantanal, a parte destruída subiu de 24,3 mil hectares para 42,8 mil em 2020. “Se quisermos atingir as metas do Acordo de Paris, teremos que diminuir drasticamente o desmatamento”, acentua Fieri.

Ela tem razão. Uma projeção do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia/Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), divulgada em setembro, advertiu que, caso as atuais políticas ambientais sejam mantidas, corremos o risco de aumentar as emissões de GEE em até 137% em 2030.

O estudo simula também dois cenários positivos. Caso ocorra diminuição significativa do desmatamento, poderemos chegar ao final da década emitindo 1 GtCO2e. Outra hipótese prevê que ações complementares de combate às mudanças climáticas possam reduzir as emissões para 0,5 GtCO2e. Em ambos os casos, o Brasil conseguiria cumprir o compromisso que assumiu no Acordo de Paris: reduzir em 50% suas emissões de GEE em 2030 e zerá-las até 2050. Será que vamos conseguir?

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Autoria

Paulo César Teixeira

Colaborador de MIT Sloan Review Brasil

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