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Quando as pessoas querem o impossível…

… só os mentirosos conseguem satisfazê-las, diria Thomas Sowell. A transição energética alemã precisa ser tratada com realismo, inclusive ante a invasão russa na Ucrânia

Carlos de Mathias Martins
30 de julho de 2024
Quando as pessoas querem o impossível…
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Pelas minhas contas. este é o meu sétimo artigo criticando a transição energética alemã. O algarismo sete e a menção à Alemanha na mesma frase forçam este escriba a uma pequena digressão do tema central desse texto sobre mudanças climáticas: muita gente em idade de vacinação acha que o futebol é uma questão de vida ou morte. Na minha opinião e na de Bill Shankly, ex-treinador do Liverpool FC, o futebol é muito mais sério do que viver ou morrer. Ao contrário dos mimizentos futebolistas brasileiros da Copa de 2014, eu estou fazendo a minha parte. Decidi não deixar barato. Para cada gol alemão contra o Brasil, um texto criticando a politica climática alemã.

Digressões à parte, Energiewende é a alcunha tedesca para a bem intencionada mas até o momento malfadada transição energética da Alemanha que a partir de 2010 resolveu aumentar a participação de energia renovável na sua matriz elétrica em substituição a usinas nucleares e térmicas a carvão. Infelizmente para a humanidade, o resultado desta politica climática alemã é desapontador. Embora as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) do setor elétrico alemão tenham decrescido desde o inicio da Energiewende, o descomissionamento das plantas de energia nuclear no país acentuou a dependência da matriz energética local às termoelétricas a carvão, lignina e gás natural. Como consequência, e para surpresa de ninguém, as emissões de GEEs da Alemanha aumentaram 4,5% em 2021 e, segundo o insuspeito think-thank Agora Energiewende, o país do Kaiser Franz Beckenbauer está arriscado a não conseguir cumprir seus compromissos climáticos.

Para complicar a Energiewende, o gasoduto Nord Stream 2 que atravessa o mar báltico e conecta as reservas de gás do oeste da Rússia à Alemanha, está sendo utilizado como moeda de troca no tabuleiro da disputa entre o Kremlin e a OTAN (aliança militar dos países ocidentais) acerca da Ucrânia. Não tenho competência para fazer uma análise geopolítica dos impactos dessa guerra, mas é razoável presumir que o recrudescimento do conflito no Leste Europeu resultará no estrangulamento do suprimento de gás natural para a Alemanha e, por consequência, disparar o acionamento das poluentes termoelétricas a carvão que operam no país.

Em resumo, existem verdades inquestionáveis na engenharia elétrica e uma delas é muito simples de ser verificada: no estágio atual de desenvolvimento tecnológico da indústria energética, desligou reator nuclear, ligou termoelétrica fóssil. As petroleiras do Big-Oil e a empresa russa Gazprom que controla o fornecimento do gás natural para a Alemanha agradecem.

A BOMBA ATÔMICA DA COMISSÃO EUROPEIA

No último dia do ano passado, a Comissão Europeia (CE), órgão executivo da União Europeia, protocolou consulta perante seu painel de especialistas – denominado Platform on Sustainable Finance (PSF) – indagando sobre a eventual inclusão de termoelétricas a gás natural e usinas nucleares na categoria de investimentos sustentáveis. Vale registrar que a PSF é composta por diversos especialistas, mas também por sindicalistas, ativistas, financistas e representantes da indústria de energia. Resumidamente, na minuta circulada dia 31 de dezembro, a CE propõe rotular como sustentável o financiamento de usinas nucleares e térmicas a gás natural com o objetivo de acelerar a descarbonização da matriz elétrica europeia.

A proposta da CE pretende equacionar a intermitência das plantas de energia renovável mantendo as usinas nucleares e térmicas a gás natural em operação. A resposta da PSF foi rápida: energia nuclear e térmicas a gás natural não podem ser enquadrados como investimentos sustentáveis e, portanto, não seriam elegíveis para acessar linhas subsidiadas de financiamento da União Europeia. Mesmo no contexto da decepcionante experiência alemã com a Energiewende, os especialistas da PSF decidiriam dobrar a aposta na estratégia de investimentos em renováveis, descomissionamento de reatores nucleares e nenhum subsidio às termoelétricas a gás natural.

A tréplica da CE foi publicada dia 2 de fevereiro ultimo. Apesar do posicionamento da PSF, a CE decidiu submeter à aprovação do Parlamento Europeu a inclusão de térmicas a gás natural e usinas nucleares na lista de atividades elegíveis cobertas pelo regramento de financiamentos sustentáveis no âmbito da União Europeia. O parlamento europeu terá até seis meses para revisar a proposta da CE, que poderá ser rejeitada por maioria simples, o que equivale ao voto contrário de 353 deputados.

Para surpresa de ninguém (de novo), o Greenpeace manifestou-se negativamente de imediato, tachando o plano do CE de tentativa de assalto. Entendo e respeito o papel do ativismo e por isso já inclui no meu léxico o termo “greenrobbery”. Na mesma linha, uma organização de investidores com foco em mudanças climáticas publicou carta aberta endereçada à alemã Ursula von der Leyen, presidenta da CE, clamando pela exclusão das termoelétricas a gás natural do regramento europeu de financiamentos sustentáveis.

A verdade é que as críticas ao plano do CE são, em geral, pouco propositivas. E, mesmo quando propõem algo, esbarram em premissas que dependem de avanços tecnológicos ainda incertos. Como diria MC Kelvinho, que uns considerariam o maior letrista da MPB, poucas ideias. A verdade é que não existem verdades absolutas no debate sobre a transição energética de um continente como a Europa. Entretanto, segundo o ensinamento do grande pensador americano Thomas Sowell, quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos conseguem satisfazê-las.”

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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