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Quatro princípios para um trabalho híbrido produtivo

As organizações se tornaram mais flexíveis em relação a local e horário de trabalho dos colaboradores. Agora elas precisam analisar melhor suas escolhas e verificar os prós e os contras de cada uma delas

Lynda Gratton
30 de julho de 2024
Quatro princípios para um trabalho híbrido produtivo
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Os líderes e suas equipes estão experimentando novas maneiras de trabalhar, tanto no curto prazo durante a pandemia de Covid-19, quanto no longo prazo no mundo pós-pandêmico. Os eixos de trabalho estão mudando tanto em termos de espaço quanto de tempo, com líderes criando formas híbridas de colaboração com poucos precedentes. É difícil e, como já se imaginava, causa confusão.

Qual o melhor nível de flexibilidade quando se fala de onde e quando as pessoas vão trabalhar? Quais estratégias são mais efetivas? Alguns CEOs creem que o trabalho vai acontecer “em qualquer lugar” daqui para frente, enquanto outros estão pedindo aos funcionários que retornem à sede da empresa. Alguns estão acomodando horários flexíveis, enquanto outros exigem que suas equipes estejam disponíveis no horário convencional.

Para encontrar o caminho certo, os líderes devem compreender os eixos do trabalho híbrido – as vantagens e desvantagens de onde e quando as pessoas trabalham – e alinhá-los para que alimentem a energia, o foco, a coordenação e a cooperação necessários para garantir a produtividade.

Neste artigo, exponho o que estou observando quanto à evolução dos locais de trabalho híbridos e descrevo quatro princípios que estão surgindo nessa nova realidade:

– uso do espaço do escritório para ampliar a cooperação,

– transformação do trabalho de casa em uma fonte de energia,

– aproveitamento do tempo assíncrono para aumentar o foco e

– uso do tempo síncrono para tarefas que demandam coordenação.

Os eixos do trabalho híbrido: lugar e tempo

Historicamente, para muitas pessoas o local de trabalho é o escritório. Separado do espaço pessoal e equipado com todo o mobiliário e a tecnologia necessários para que as pessoas façam seu trabalho com eficiência, ele tem sido um local de união, onde as pessoas se reúnem com um objetivo principal – trabalhar.

Durante a Covid-19, isso mudou drasticamente. Para muitas pessoas, o trabalho agora está localizado em espaços pessoais – as próprias casas – enquanto outros estão trabalhando em cafeterias, filiais menores da empresa ou escritórios compartilhados flexíveis, ou em várias combinações de locais remotos.

Mas o local não é o único eixo em profunda mudança.

Agora há muita flexibilidade quanto ao tempo – os períodos em que as pessoas estão ativamente envolvidas no trabalho. O tempo está sendo redistribuído conforme as agendas avançam sobre o que era tempo “pessoal”, com as pessoas encaixando o trabalho no cotidiano pessoal, que pode incluir cuidar de amigos e familiares, sair para manter a saúde e a forma, e até aprimoramento pessoal. Em jogo está o tempo cronológico (baseado em horários específicos, como a jornada das 9h às 18h); tempo síncrono versus tempo assíncrono (os horários coincidentes entre os colegas de trabalho); e o controle do tempo (o nível de autonomia que pode ser exercido quanto às horas de trabalho).

A meta é a produtividade

Para garantir que um sistema de trabalho híbrido funcione, os líderes precisam criar um contexto de lugar e tempo que enfatize, em vez de esgotar, a produtividade. Ao fazer isso, precisam considerar que elementos da produtividade são mais sensíveis a esses ajustes.

O essencial do trabalho produtivo começa com energia. Na maioria dos empregos, as pessoas são mais produtivas quando têm vitalidade e bem-estar positivos, e sua produtividade se esgota quando estão exaustas ou estressadas e seus hábitos de trabalho se tornam prejudiciais à saúde. O elemento essencial seguinte para muitos empregos em que a concentração é necessária é o foco. Quando o contexto – isto é, o local e o horário de trabalho – permite que as pessoas se concentrem, elas podem ser muito produtivas. O foco é perdido quando o contexto distrai e a atenção dispersa.

Além desses aspectos independentes do trabalho, estão as tarefas que exigem trabalho em equipe. Algumas precisam ter uma coordenação significativa com outras. Quando as pessoas conseguem se alinhar umas com as outras com fluidez, elas são capazes de ser eficientes e orientadas a objetivos; quando esse alinhamento é quebrado, as equipes ficam divididas e desconexas. Também há cargos e tarefas que requerem que as equipes cooperem e compartilhem ideias a fim de criar e inovar. Quando os contextos de lugar e tempo geram barreiras à cooperação, a produtividade pode sofrer e as pessoas podem se tornar combativas, o que causa brigas internas.

Há prós e contras para cada escolha envolvendo lugar e horário. Por exemplo, no que diz respeito ao local, trabalhar num escritório ajuda no quesito cooperação, já que colegas de trabalho têm mais facilidade de criar relações de confiança cara-a-cara; porém, isso também pode ser algo que esgota as energias quando envolve muitas horas sentado ou longo tempo na ida e volta ao trabalho. Em relação ao tempo, trabalhar com horários restritos e inflexíveis ajuda a coordenar, já que o tempo dos colegas pode ser sincronizado tranquilamente, mas isso também esgota o foco, porque contraria os ritmos individuais de concentração.

O que essas trocas significam é que, por mais que aspectos do trabalho híbrido tenham o potencial de estimular a produtividade, eles precisam ser desenhados com um nível de intencionalidade quanto a lugar e tempo que não é praticado em sistemas tradicionais de trabalho, nos quais ambos os aspectos são restritos. Essa intencionalidade significa compreender os drivers cruciais de produtividade necessários para clusters de trabalhos (tais como a capacidade de focar) e o contexto de trabalho que melhor acentua esses drivers enquanto se está consciente dos trade-offs. Lidar com essas escolhas de forma que a produtividade floresça será crucial para enfrentar os desafios econômicos que virão em consequência da Covid-19.

Novos princípios sobre lugar e tempo

Tenho estudado diversas empresas para checar como essa intenção é posta em prática, ainda antesdo início da pandemia. Em um webinar recente para as empresas do meu consórcio de pesquisa que apresentei com minha colega do HotSpots Movement, Anna Gurun, falamos sobre o modelo de produtividade híbrido/produtivo. Fiz uma pergunta às empresas: como vocês vão agir no próximo ano para se movimentar com sucesso?

O que ouvi é promissor: no mundo inteiro, organizações estão rapidamente criando novas práticas e processos que lhes permitam usar trabalho híbrido para enfatizar os elementos de produtividade (energia, foco, coordenação e cooperação). Outras estão aprimorando procedimentos que têm sido suas práticas de gestão há anos. Em conjunto, vemos o surgimento de princípios novos para um local de trabalho produtivo. Elas estão projetando soluções de curto prazo para os desafios que a Covid-19 criou enquanto olham para o futuro para ter certeza de que essas práticas serão sustentáveis.

Princípio do lugar: Crie um escritório que favoreça a cooperação

Em sua essência, estar num escritório é uma atividade social. Na minha coluna de abril sobre como ajudar os funcionários a trabalhar em casa com as crianças, citei a pesquisa célebre do professor de Stanford Nicholas Bloom sobre funcionários de call center que tiveram a opção de trabalhar em casa. Depois de seis meses, mais da metade queria voltar ao escritório, mesmo tendo de enfrentar muitas horas de deslocamento. Eles ansiavam pela socialização e pela cooperação que tinham ao estar num local compartilhado com os colegas.

À medida que as empresas começam a persuadir ou esperar que os funcionários voltem aos escritórios, será importante aproveitar essa experiência ao máximo. Isso significa criar um lugar onde a cooperação e a interação possam prosperar agora, enquanto o coronavírus ainda é uma preocupação – e em longo prazo também, conforme o trabalho híbrido se transforma no novo normal.

Fazer de um escritório um local de cooperação depende muito de como o espaço é projetado. Essa ideia foi fundamental para o grupo global de design Arup e seu líder Joseph Correnza na construção do escritório do grupo em Melbourne. Embora as decisões de design tenham sido tomadas antes da pandemia, elas foram suficientemente flexíveis para serem reconfiguradas de acordo com as circunstâncias atuais, sem perder o objetivo de longo prazo de criar um espaço colaborativo e dinâmico que permite a interação informal.

“Precisamos desses encontros uns com os outros, e a qualidade do espaço é crucial para como ouvimos e como aprendemos”, disse Jenni Emery, líder global de cultura e pessoas da Arup. “Tínhamos que ponderar e agir com intenção.” O número de escritórios fechados era pequeno, e grande parte do espaço era aberto. Linhas de visão que correm por todo o local garantem que as pessoas vejam umas às outras e entendam que são parte de algo maior. Emery diz que isso criou momentos muito importantes de encontros espontâneos. O piso de cortiça ajuda a reduzir o ruído ambiente e permite que as vozes humanas sejam ouvidas.

Perguntei a Correnza como uma empresa sem os recursos da Arup poderia abordar esse princípio cooperativo. Ele me deu três ideias: reduzir espaços pessoais pequenos e devolvê-los ao espaço cooperativo (quando a disposição dos assentos for segura à saúde novamente); encorajar as equipes a se reunirem ao ar livre, fora das salas de reunião, para que possam sentir o burburinho; e transferir grupos de pessoas a cada trimestre para novos lugares para que elas conheçam outras pessoas.

Princípio do lugar: faça do trabalho em casa uma fonte de energia

Um dos resultados extremamente positivos de trabalhar em casa durante a pandemia é que as pessoas podem usar o tempo de deslocamento para atividades que aumentam sua energia física (por meio de exercícios e lazer) e sua energia emocional (passando tempo com a família e amigos). Muitos funcionários em home office também estão aumentando sua energia caminhando em parques, comendo comida caseira saudável e criando laços mais próximos com os vizinhos.

Em contrapartida, profissionais com filhos pequenos acham difícil administrar os limites entre ser funcionário e ser pai. Para que o trabalho em casa continue a ser uma fonte de energia em longo prazo, é necessário certo nível de intencionalidade nas expectativas tanto dos empregados como dos empregadores.

Para a empresa de telecomunicações BT, a Covid-19 criou uma oportunidade para aprimorar e acelerar seus princípios de trabalho home office estabelecidos há muito tempo. A BT foi, em 1992, uma das primeiras a experimentar o trabalho em casa em grande escala, quando os operadores de call center mostraram que, mesmo usando tecnologia rudimentar, havia um impacto positivo em sua energia, bem-estar e produtividade. Desde então, a BT vem introduzindo continuamente novas tecnologias para dar suporte à proporção significativa de sua força de trabalho que trabalha remotamente, mesmo antes da pandemia.

Quando Nicola J. Millard, uma das principais parceiras de inovação da BT, analisou os funcionários remotos mais antigos, ela descobriu que a forma como o escritório deles era projetado tinha um papel fundamental no sucesso de cada um. Embora cada funcionário remoto tenha criado um espaço único, o que fez a diferença foi ter uma sala separada, um monitor grande e uma cadeira boa. Os rituais também eram importantes, incluindo se vestir com roupa de trabalho e seguir uma rotina como se fossem sair de casa.

Muitos desses funcionários também maximizaram sua energia usando tecnologia para garantir que mantivessem limites entre o tempo “on”, quando estavam disponíveis para responder e colaborar com outras pessoas, e o tempo “off”, quando podem se envolver em atividades que aumentam a energia. Eles faziam pausas adequadas para o almoço e deixavam, simbolicamente, o local de trabalho no fim do dia. Eles também fizeram acordos com a família e os colegas para que esses limites fossem mantidos.

A cultura e o estilo de gestão são essenciais, explicou Millard. “Usamos nossas plataformas de comunicação para criar check-ins com as equipes virtuais, para que as pessoas não se sintam isoladas, e planejamos encontros virtuais como ‘cafés virtuais’ para que as pessoas tenham a chance de conversar com quem elas não conhecem tão bem.” O mais importante é que os funcionários remotos da BT conseguiram ter sucesso nesse modelo. “Nós aprendemos que focar nos resultados em vez de estar presente no escritório é crucial”, disse Millard. Isso significou desenvolver processos para gerenciamento de desempenho virtual que incluem check-ins frequentes da equipe, conversas individuais e relatórios mensais para a gerência.

Princípio de tempo: deixe o tempo assíncrono impulsionar o foco

O foco é o principal impulsionador da produtividade no caso de alguns trabalhos. Elaborar uma programação que permita que os funcionários se desconectem por cinco horas para se concentrarem, e em períodos que se encaixam em seus ritmos naturais de energia, pode ser extremamente benéfico, seja num espaço corporativo, seja num espaço pessoal. Para essas pessoas, horários assíncronos são ideais.

A consultoria com sede em Washington Artemis Connection foi criada pensando em fornecer a seu pessoal as ferramentas para trabalhar em tarefas complexas que exigem concentração, criatividade e foco profundos. O CEO Christy Johnson explicou que para ser focado e produtivo todos podem definir e controlar seu tempo em relação à quando – e quanto – trabalham.

O que está por trás disso é um sistema de gerenciamento de projetos aprimorado. Cada parte do trabalho é dividida em tarefas e analisada com base na quantidade de tempo necessária para realizá-las. Então, elas são agrupadas em blocos de 15 a 20 horas. Esses blocos são alocados a um grupo e atribuídos a funcionários individuais. “Por exemplo, estamos definindo o escopo do projeto de um cliente para escrever um relatório de inteligência”, disse Johnson. “Achamos que serão cerca de 60 horas de trabalho por semana, em três blocos de 20 horas. Pensamos nas permutações – por exemplo, uma pessoa fazendo dois blocos e outra fazendo um.”

Os funcionários podem decidir que seu tempo máximo de concentração é de 20 horas por semana, enquanto outros podem assumir mais horas. Um acordo antecipado em relação a tempo e tarefas “”garante que o trabalho não se expanda para preencher o tempo””, disse Johnson. Também significa que as pessoas podem trabalhar de acordo com seus próprios ritmos. “Por exemplo, meu melhor trabalho acontece quando me concentro intensamente por 90 minutos e depois faço uma pausa”, disse Johnson.

Para muitos funcionários da Artemis que saíram de grandes empresas de consultoria, administrar o próprio tempo é uma libertação.

Princípio do tempo: permitir que o tempo sincronizado seja o alicerce da coordenação

Enquanto algumas tarefas são mais bem realizadas quando as pessoas podem se concentrar e trabalhar por conta própria, outras requerem coordenação em tempo real em projetos com diálogo e feedback instantâneos.

Normalmente, o tempo sincronizado ocorre naturalmente porque as pessoas estão no mesmo lugar, ao mesmo tempo. Mas avanços tecnológicos possibilitaram o desenho do tempo sincronizado que não depende de lugar e que cria oportunidades para interações ricas e em tempo real. Esse foi o insight de Selina Millstam, que chefia a gestão de talentos e mudança cultural na empresa sueca de tecnologia de comunicações Ericsson. Sua meta era que todos na empresa conversassem e isso encorajasse as pessoas a compartilhar e coordenar suas crenças sobre quais valores e comportamentos seriam cruciais para o sucesso do negócio em longo prazo. A conversa moderada durou 72 horas, com mais de 95 mil funcionários em 180 locais convidados a participar.

Os funcionários foram convidados a reservar um tempo para participar do diálogo online. Facilitadores do mundo todo evitaram que o congestionamento de pessoas se tornasse um caos completo. Por exemplo, quando as pessoas se juntaram nas primeiras horas, elas foram encorajadas a entrar nos tópicos de conversa sobre cada uma das áreas em foco sendo orientadas pela iniciativa de mudança cultural. O tempo compartilhado permitiu que pessoas em fusos horários diferentes se conectassem. Por exemplo, um desenvolvedor de software na Índia conversou por bastante tempo com uma pessoa de relações com o cliente na Alemanha, criando um tópico importante para o qual outros contribuíram. “Havia algo básico e autêntico em ouvir as pessoas falar e contemplar no momento”, disse Millstam.

Cada participante foi incentivado a se engajar novamente na troca de forma assíncrona ao longo dos três dias – criando, ao final, mais de 20 mil tópicos de conversa.

De olho no futuro

Cada organização terá que pensar em como aumentar a energia, o foco, a coordenação e a cooperação para tornar o trabalho híbrido produtivo. Sugiro que os líderes tenham quatro recomendações em mente nas próximas semanas e meses:

Não aja muito rápido. As preferências individuais levarão tempo para se tornar claras. Foram necessários seis meses trabalhando em casa para os participantes da pesquisa de Bloom decidirem que queriam voltar ao escritório. E nos estágios iniciais dos experimentos BT, a produtividade dos funcionários remotos caiu drasticamente antes de aumentar. Seja cauteloso quando tomar decisões precoces que terão efeitos de longo prazo – mantenha suas opções em aberto.

Lembre-se dos prós e contras. Ao criar novas formas de trabalhar, esteja preparado para as desvantagens de cada modelo. Trabalhar em casa aumentará a energia, mas também esgotará a cooperação. Gerenciar essas trocas exige criatividade, como os escritórios menores criados pela equipe da BT para que pessoas que viviam em locais próximos se reunissem ocasionalmente.

Faça experimentos. Há muito que ainda não sabemos. É crucial estar preparado para correr riscos. A equipe da Ericsson superou os desafios da coordenação virtual usando uma plataforma online participativa de última geração. Foi necessário coragem para fazer isso, mas, ao longo dessa jornada, membros da equipe aprenderam a incentivar encontros espontâneos em toda a organização.

Cultive as habilidades de liderança necessárias para administrar preferências. A variedade de combinações de tempo e lugar possíveis exigirá líderes altamente competentes e motivados, comprometidos em fazer esse sistema dar certo. Isso vai exigir um grau de intencionalidade que não era necessário nas práticas de trabalho tradicionais. Para os líderes, isso significa ter empatia e ouvir as necessidades individuais e, ao mesmo tempo, ser criativo no desenvolvimento de soluções.”

Lynda Gratton
Lynda Gratton é professora de práticas de gestão na London Business School e fundadora da HSM Advisory. Seu último livro publicado é *Redesigning Work: How to Transform Your Organization and make Hybrid Work for Everyone* (MIT Press, 2022).

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