Acesse processos estruturados de ter ideias, que incluem modos e ferramentas. E faça isso tendo um dos melhores guias – o filósofo americano Daniel Dennett
“Ideias são do que é feito o começo de ano. Então, a virada de 2023 para 2024 merece uma reflexão sobre ter e armazenar ideias. Vou dividi-la em duas partes para que não fique cansativa: a parte 1 (esta na sua tela) vai lidar com modos de ter ideias, e terá como guru de plantão o filósofo americano Daniel Dennett. A parte 2 lidará com o armazenamento de ideias. E haverá referências no final.
Numa primeira aproximação, a gente tem quatro maneiras de pensar – e aqui fui fortemente inspirado por Dennett:
•Modo devaneio: agrupamos crenças e anseios, e imaginamos cenários futuros de como realizar nossos anseios baseados em nossas crenças
•Modo científico: este é o a escola nos ensinou ser o método científico, com hipóteses, testes, teses, e resultados reprodutíveis. Claro que pouca gente pensa assim, e no dia-a-dia das empresas quase ninguém pensa muito assim, mas o sistema educacional acabou incorporando isso a nossas mentes. Pedaços desse modo reaparecem nos dois outros modos abaixo.
•Modo intencional: estamos analisando uma situação e/ou tentando resolver um problema, e – com níveis variados de rigor – consideramos diferentes cenários de solução, muitas vezes dando ênfase desmedida a um determinado cenário, ou porque nos apaixonamos por ele, ou porque é muito assustador…
•Modo projeto: estamos tentando construir algo, seja lançar um novo produto, fazer uma cirurgia cultural na nossa empresa, comprar um imóvel ou fazer uma viagem de férias. Neste modo, a gente passa um tempo no futuro, tentando visualizar como as coisas serão se tivermos construído tudo que quisemos, e depois a gente volta gradativamente para o presente para saber o que precisa acontecer para que aquele futuro aconteça.
Agora eu quero incluir três ferramentas centrais para lidar com ideias retiradas da obra de Dennett igualmente:
•A navalha de Ockam (atribuída a Guilherme de Ockam 1288-1347): a explicação correta é a mais simples possível, desde que lide bem com toda a informação disponível
•A vassoura de Occam (atribuída a Dennett): varrer para baixo do tapete tudo que pode invalidar o que você está pensando. Evitar isso exige grande honestidade intelectual. Considere pedir confidencialmente a um colega para denunciar toda vez que você fizer isso.
•A relação enroscada entre compreensão e competência: Enquanto toda competência exige substancial compreensão, a gente só compreende algo de verdade depois de haver adquirido grande competência no assunto. Então resista à tentação – bastante comum – de só querer adquirir competência depois de compreender algo. Melhor lidar com ambas em paralelo.
Dennett acha que fomos treinados para usar a intuição para gostar ou não de uma pessoa, um filme, um livro, ou uma obra de arte. E que (mais um legado cruel do método científico), inibimos sem querer a nossa intuição quando estamos pensando sobre temas mais concretos de nosso trabalho. Propõe que nessas horas adotemos conscientemente um ou mais propulsores de intuição (“intuition pumps”). Listar todos os propulsores de Dennett iria muito além do escopo deste artigo. Focalizei nos quatro com o melhor custo-benefício para pessoas pensando os rumos de uma empresa. São eles:
•Onde estou? Imagine uma linha do tempo do que você está pensando e se localize no momento presente dela. Enxergue o que já aconteceu para trás, e imagine seus possíveis cenários futuros como bifurcações na estrada. Este é o propulsor mais simples de todos (e o mais antigo: Dennett safra 1981), e um bom lugar para você iniciar sua prática de Propulsores.
•Helicóptero. Você manda seu helicóptero parar no ar e enxerga o assunto inteiro. Quem da audiência trabalha/trabalhou na Shell vai se lembrar deste Propulsor, que lá se chama “visão de helicóptero”.
•Girar todos os botões (espetacular em modo intencional). Comece identificando as 3-6 variáveis mais importantes do que você está pensando. Umas você controla, outras não (são exógenas, i.é acontecem independente da sua vontade). Imagine que cada variável é um botão, e “gire” cada botão para ver como se comporta sua tentativa de solução frente a variações extremas de cada variável.
•Mundo de brinquedo (sensacional quando você estiver em modo projeto). Comece com um mundo simplificado (feito quem sabe de Legos, virtuais ou não) que você depois vai gradativamente substituindo por componentes do mundo real.
Hoje em dia, grande parte da nossa produção intelectual dentro da empresa acontece em equipe. E para que o resultado disso exceda a soma das partes Dennett recomenda incorporarmos mais ferramentas às acima, minimamente mais três:
1) Crie um protocolo para discordâncias (Dennett atribui a Rapoport)
a.Expresse o ponto de vista da outra parte tão claramente que ela dirá “xi, eu gostaria de ter me expressado assim”b.Liste onde concorda, em particular naqueles lugares onde não haja concordância geralc.Mencione o que aprendeu com a outra parted.Só então você pode expressar suas críticas e discordâncias
2) Entenda – e divulgue – a diferença entre opinião e crença.
Isso porque ação presume crença. Então não basta as pessoas concordarem com você. Elas só vão agir quando acreditarem em você!
3) Crie outro protocolo para sub-explicações.
Por que as pessoas sub-explicam?•Quem teve uma ideia já percorreu o passo-a-passo dela tantas vezes que muitas vezes acaba sem paciência para explicar para os outros•Tem gente que sente sua inteligência insultada se alguém tentar lhe explicar detalhadamente o que pensou•Sabem que os outros muitas vezes têm formas bem particulares de pensar as coisas, não necessariamente compatíveis com as do explicador
É fácil a gente se perder na enorme produção de Daniel Dennett. Até porque apresentar-se como um filósofo especializado em Mente lhe permite há mais de 40 anos entrar em debates acalorados com médicos, psicólogos, biólogos, economistas, linguistas, teólogos e antropólogos. Comece com o livro dos propulsores de intuição safra 2014, Intuition Pumps And Other Tools for Thinking. Aviso desde já que neste livro ele não quis mencionar os propulsores de intuição que apareciam em seus livros anteriores…
Deixei de fora a contribuição de Barbara Tversky, que merece uma coluna só dedicada a ela!
A parte 2 deste artigo vai focalizar no livro do Tiago Forte Criando um Segundo Cérebro: Um método comprovado para organizar sua vida digital e desbloquear seu potencial criativo
E se você não aguenta esperar até o mês que vem, eis um YouTube de Cora Ronai e Pedro Doria sobre o livro do Tiago clicando aqui.””