A discussão sobre as novas dinâmicas de trabalho está longe de se esgotar. Entenda um pouco mais de suas sutilezas, do fato de nem sempre serem benéficas, das zonas cinzentas
O ano de 2022 começou com novidades e o sentimento é de que a vida está entrando nos eixos, depois de dois longos anos influenciados pela pandemia. Já vacinados, voltamos a encontrar os amigos e os familiares. Em alguns casos, voltamos ao escritório.
Um relatório da Microsoft divulgado no começo do ano apontou que 58% dos profissionais brasileiros preferem adotar o trabalho híbrido ou totalmente remoto ao longo de 2022. Mas grande parte das empresas tem imposto a volta à rotina dos escritórios.
Quem pôde trabalhar de casa se desacostumou com certos hábitos da rotina do mundo pré-pandemia. Foi a partir desse novo jeito de enxergar as relações e espaços de trabalho que o formato híbrido ganhou terreno. Trouxe benefícios, mas também questionamentos.
O lado positivo do remoto é que evitamos os deslocamentos desgastantes e protocolos que já não fazem sentido. No retorno ao presencial, matamos a saudade de estar com as pessoas nos escritórios, o que permite mais trocas – e trocas mais ricas –, para além dos quadradinhos das videoconferências.
Visto dessa maneira, o novo formato promete o melhor dos dois mundos: flexibilidade, liberdade de escolher o local de trabalho, viver a atmosfera da cultura da empresa e desfrutar da estrutura de um escritório. No entanto, será que não tem um outro lado?
Proponho uma reflexão a esse respeito: estamos realmente nos preparando para essa nova dinâmica e para tudo que ela implica?
Para mim, as melhores respostas a esses questionamentos não podem ser obtidas olhando para a tecnologia ou para novos processos e códigos corporativos. Elas virão por meio do olhar atento e empático para as pessoas, do entendimento da cultural organizacional e de como criar pontes entre a realidade e um futuro reimaginado por nós, por todos nós.
O modelo híbrido de trabalhar pode ser colocado em prática de inúmeras maneiras. Não existe certo e errado, existem possibilidades. Mas o formato escolhido pode ser a porta para velhos-novos problemas. É preciso compreender que temos uma realidade com duas camadas: as pessoas que estão juntas presencialmente, e a outra parte da equipe que atua remotamente.
Quem não está presente no ambiente físico da empresa com frequência pode ter a sensação de perda. Afinal, dificilmente eles sabem o que está acontecendo no ambiente físico e são os últimos a saber de decisões tomadas. Aquela impressão, confirmada por estudos, que as decisões não são tomadas em reuniões, acontecem, de verdade, no café, no almoço ou no happy hour. Uma pequena amostra de que temos um baita desafio para viver o híbrido nas relações de trabalho.
Em algumas trocas com colegas, também reparo que, muitas vezes, a liderança da empresa trabalha sempre no escritório. Mesmo que elas não se deem conta, atitudes assim fazem o trabalho híbrido ser visto como prática secundária e indesejável. E, aqui, esbarramos em um ponto delicadíssimo: a presença atrelada à produtividade.
Nessa perspectiva, me vem à cabeça um antigo ditado: “”Quem não é visto não é lembrado”. A partir desse olhar, o trabalho híbrido pode criar ou aprofundar um abismo de diferenças.
Para mulheres, mães, pessoas negras, pessoas com deficiência e outros grupos sub-representados, abriu-se um leque de oportunidades de se colocar no ambiente de trabalho. Uma flexibilidade que permite a essas pessoas lidarem melhor com os desafios inerentes aos lugares que ocupam na sociedade e, como consequência, estarem mais engajados e até mais felizes no trabalho.
Todavia, isso só é verdade quando as lideranças as respeitam e as apoiam. Podemos esperar essa atitude delas? Ou vão se esquecer desses grupos conforme eles “deixam de aparecer” no trabalho?
Houve um tempo em que se acreditava que o trabalho precisava ser vigiado. É preciso atenção nessa etapa de conhecimento do modelo híbrido. É uma adaptação de vida, gestão, comportamental, que deve, mais do que nunca, prezar pela inclusão.
Boas práticas, principalmente das empresas de tecnologia/inovação, estão em trazer o profissional como protagonista do seu trabalho ou entrega, confiando na sua autonomia e maturidade, onde quer que ele esteja. O que importa no final é a produtividade. Estar acorrentado a uma mesa de escritório diz muito mais sobre a empresa e seus métodos arcaicos do que o resultado real, medido em entregas feitas a partir de qualquer lugar, não em horas de corpo presente.
Segundo o relatório da Microsoft, anteriormente citado, quando 43% dos trabalhadores remotos não se sentem incluídos nas reuniões e apenas 27% dos gestores desenvolveram metodologias de reuniões híbridas que garantam inclusão e engajamento, percebemos que há ainda muito a se aprimorar nesse sentido.
Antes de responder à pergunta, faço outras três: na sua equipe, todas as pessoas são ouvidas? Há espaço para múltiplas ideias? É um ambiente propício para a inclusão e diversidade? Mais do que uma característica, o trabalho híbrido deve favorecer a prática de uma liderança inclusiva, que abre um campo para diversas contribuições e manifestações.
Acompanhar essas mudanças não é uma tarefa fácil e só é possível por meio da atuação de gestores que estejam próximos de suas equipes. A recente pesquisa da Korn Ferry aponta uma raridade: no mundo, apenas 5% dos líderes são considerados inclusivos. No Brasil, a taxa é de 2%.
É hora de começarmos a trazer para o plano prático a inclusão como lente e estratégia de gestão. Assim, as mudanças só acontecerão efetivamente por meio do desenvolvimento de lideranças mais inclusivas.
No modelo híbrido, não dá para deixar que velhos hábitos voltem e tomem conta. Vejo, em um claro exemplo, pessoas que vão para os escritórios e passam o dia em reunião via computador. Me pergunto qual é a lógica disso, se todos estão no mesmo espaço?
Por mais que a discussão sobre trabalho híbrido e remoto já exista há anos, as práticas precisam ser novas, inteligentes e condizentes com o “novo” momento. Existem sete medidas práticas que você, como liderança, pode tomar já:
1. Pratique empatia – pergunte sempre sobre preferências e desafios2. Aja apenas depois de ouvir3. Dedique uma parte da sua agenda para atividades de team building4. Crie pontes de colaboração entre pessoas da equipe, especialmente entre aquelas que estão mais afastadas no dia a dia.5. Incentive interações e atividades informais, presenciais ou à distância, no seu time.6. Desenvolva e oriente as pessoas do seu time com base em suas necessidades individuais.7. Crie compromissos de inclusão – dedique-se a construir espaços e momentos de integração
Poder trabalhar de qualquer lugar representou um grande ganho para os grupos sub-representados, que tiveram, em muitos casos, oportunidades ampliadas. Condições de deslocamento muitas vezes são barreiras para milhares de profissionais.
As conclusões da pesquisa da Future Forum Pulse do final de 2021 nos dão um claro sinal do que conquistamos durante a pandemia e que agora precisamos cuidar e valorizar: “O desejo de trabalhos flexíveis é mais forte entre os funcionários negros e mulheres. O estudo mostra uma melhora promissora, mas frágil, nas pontuações de experiência destes grupos”. O trabalho híbrido é um importante agente de inclusão e colocação profissional, por isso não podemos retroceder, é hora de avançar.
Estamos em um processo de aprendizado que precisa de muita atenção. Precisamos voltar os olhares para a redefinição ou construção desses modelos, tendo o objetivo claro de garantir que as pessoas presentes no escritório e as que trabalham remotamente tenham todas as oportunidades possíveis.
As lideranças precisam, diariamente, se questionar se ainda estão presas em hábitos e paradigmas que agora fazem parte da história ou se estão, de fato, construindo o futuro do trabalho. Avante!”